Como as democracias sobrevivem

27/06/2023 10:53 - Avança+
Por redação
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A morte de uma democracia, ao longo da história, era quase sempre resultado de um golpe de Estado, quando o exército ou "forças revolucionárias" tomavam o poder e implantavam um regime autoritário, seguido de ameaças, perseguições, prisões e mortes. No mundo contemporâneo, no entanto, a implosão democrática tem acontecido de forma diferente, como apontam livros, teses e reportagens. É através do voto, que muitos outsiders, figuras que não pertencem a grupos políticos conhecidos, chegam ao poder prometendo "o fim da corrupção". 

A concentração demasiada de forças na mão de um presidente ou primeiro-ministro eleito leva quase sempre a uma autocracia, quando o político passa a rejeitar as regras democráticas; negam legitimidade à oposição; toleram e até estimulam a violência e querem restringir o direito à opinião e ao livre pensamento. Geralmente eles representam a ala mais conservadora da sociedade e se auto-intitulam "salvadores da pátria". Os exemplos são muitos em todo o mundo.

Porém, como convém aos líderes autoritários, quando a narrativa que eles defendem perde força e o resultado das urnas leva ao fracasso, eles se rebelam e arrastam consigo milhares de pessoas. Grupos organizados partem para o confronto, rompendo a lei e a ordem, invadindo o patrimônio público e provocando uma onda de violência e depredação que entram para a história como episódios reacionários e covardes. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, após a derrota de Donald Trump e no Brasil, com o fim do mandato de Jair Bolsonaro.

Dois países, duas grandes democracias globais, o mesmo modus operandi: a sensação de onipotência justificando os atos golpistas. Autointitulados "patriotas", eles julgam terem sido "usurpados" e partem para o confronto político. No caso do Brasil, começaram acampando em frente aos quartéis e bloquearam estradas até chegar ao caos nas ruas de Brasília.

Quando uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito é criada para apurar a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2023, ela não quer holofotes da mídia ou acirramento da polarização entre situação e oposição. Os fatos estão postos e são claros. O que a sociedade nos cobra é lançar luz a algumas lacunas que permanecem obscuras, sem maiores explicações. 

O povo brasileiro quer respostas e não evasivas. Por isso, nós, integrantes da CPMI, não abrimos mão das indagações, ao mesmo tempo que não podemos admitir que os depoentes testem nossa paciência e afrontem a nossa inteligência. As pessoas querem ter acesso a um pensamento correto sobre o que ocorreu no 8 de janeiro: quem planejou, financiou e continua protegendo os golpistas.

Os depoimentos tiveram início com o ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques. Fui o primeiro deputado a questioná-lo, mas minhas perguntas ficaram sem respostas. Ele não soube ou não quis responder sobre seu "ativismo" eleitoral, pedindo votos para Bolsonaro nas redes sociais; sobre a concentração de ações da PRF no Nordeste, durante o segundo turno, ou de quem partiu a ordem de intensificar essas operações, justamente onde o presidente Lula tinha mais votos.

Outro testemunho aguardado foi o de George Washington, apontado como principal responsável pelo atentado terrorista frustrado, em 24 de dezembro do ano passado. Eu quis saber como ele comprou um carro de luxo avaliado em R$ 300 mil, mesmo ganhando entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por mês. Perguntei ainda como alguém com esse salário consegue armazenar um arsenal de R$ 160 mil, em armas e munições. Ele permaneceu calado durante todo o depoimento.     

Precisamos alterar a dinâmica adotada até agora, para evitar que as sessões da CPMI virem palco de escaramuças entre os que defendem a verdade dos fatos e os que lutam para embaralhar o jogo democrático e desestabilizar a nação. Com o depoimento  de figuras como o coronel Jean Lawand Junior e do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, teremos a chance de inquirir personagens diretamente envolvidos com esse planejamento.

O chamado "homem-bomba"do Planalto, em conversas por telefone ou mensagens de texto, deixa clara a frustração após constatar que não teria apoio necessário para colocar em prática o "roteiro do golpe", detalhado em documento encontrado pela Polícia Federal no seu celular. As falas com os interlocutores sobre a trama são claras e não permitem digressões. A CPMI deve exigir respostas objetivas e qualquer coisa menos que isso, será motivo para prisão.

Como integrante da CPMI vou continuar cobrando e lutando por explicações. A dissolução dos acampamentos em frente aos quartéis não desfez os valores pregados pelos radicais, que produziram o 8 de janeiro. Precisamos de respostas no presente para evitar, no futuro, novas invasões e cenas lamentáveis, como as que vivemos no passado tão recente.

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