O cientista Charles Darwin, o maior personagem histórico que conheço, tinha por hábito relacionar e cotejar tudo aquilo que poderia contrariar a sua teoria nascente.

Tentava antecipar-se aos seus futuros adversários. Possuía pelo menos outro grande mérito, talvez até porque sabia serem falíveis e discutíveis todos os ensinamentos que apreendera nas suas pesquisas: era desprovido, na sua mansidão, da vaidade tão própria dos meios acadêmicos e científicos.

O tempo só lhe deu – e dá – razão. 

A Teoria da Evolução vem sendo, ao longo de mais de 160 anos, reafirmada e comprovada. É claro que os limites do conhecimento humano naquela quadra da História se fazem refletir nos seus escritos. Por exemplo, Darwin não dominava a genética, que apenas iniciava sua bela e reveladora trajetória quando ele se debruçava sobre o processo de Seleção Natural, que nos trouxe à vida. 

Mas fez da dúvida, sempre, o princípio dos seus estudos e conclusões. A certeza, logo entendeu o grande naturalista inglês, não deve ser o caminho a ser trilhado pela ciência. É bem verdade que não é este o entendimento das religiões, mas aí entramos em outro campo de atividade humana. 

Creio ser verdadeiro que, na existência de qualquer pessoa, é na juventude que carregamos as convicções mais inabaláveis, e estas vão se desfazendo com o passar dos anos (Oscar Wilde, fino provocador, dizia que não era jovem o suficiente para saber de tudo). Longe de mim, entretanto, apontar as certezas da juventude como sendo um mal em si. Elas nos impulsionam a tentar mudar o mundo, e ai do jovem que desistiu sem ao menos tentar fazê-lo! Esse fogo “prometeico”, que vai se esvaindo com o tempo, é fundamental para nos pôr na vida, além da simples condição de indivíduo – um solitário entre as multidões.

Já o cinismo - não o de Diógenes de Sínope, delicioso e autêntico – é o território preferido dos canalhas. Funciona como um salvo-conduto para todo e qualquer comportamento permissivo: se nada ou ninguém é virtuoso, tudo passa a ser admitido. E por mais que a minha fé "inquebrantável" no homem tenha desbotado com a idade, ainda assim quero acreditar que a espécie – tão nociva a si mesma, às vezes - é também capaz do mais belo: a arte, a solidariedade, o encantamento diante do que a natureza e o universo nos proporcionam.

Mas nunca devemos perder o caminho da dúvida, deixando-nos envolver por certezas com as quais, quase sempre, nos bateremos um pouco mais adiante. Isso, é claro, não tem a ver com os princípios que norteiam nosso comportamento e consciência, aquele esqueleto que forma o nosso caráter, o que, temos de admitir, se constrói a partir do ambiente familiar e social em que vivemos desde os nossos primeiros passos. Às vezes, a ausência de um “não” quando é preciso, na mesma proporção do desamor, pode ter um peso negativo que carregaremos para a vida toda.

Na filosofia, nenhuma outra escola exaltou ou exalta tanto a dúvida quanto o ceticismo, que, entendo, empurra para adiante todo o conhecimento humano. Sem ele, pararíamos no meio do caminho, e não há meio do caminho nesse território – pelo menos conhecido.

Como lembra Montaigne (sempre ele!), “ainda que tudo que a nós chegou por relatos do passado fosse verdadeiro e conhecido por alguém, seria menos que nada em comparação com o que é desconhecido”.

Não, não vale a pena desistir, imagino, desde que você já tenha observado o quanto são curtas as pernas do Homo sapiens - que até corre muito, mas nem sempre sabe em que direção precisa seguir.  

No extremo da dúvida, necessária dúvida, quem chegou foi o ceticismo pirrônico (do filósofo Pirro de Élis - 360 a.C. a 270 a.C.), definido por Sexto Empírico – seu maior divulgador - como uma “filosofia de investigação”. O ponto de partida é a máxima: “Só sei que nada sei. E nem mesmo disso eu tenho certeza”.

Um exagero?

Pode ser, mas ele nos ensina um truque para lidar, num bom embate, com aquilo que nos parece incompreensível e/ou definitivamente inconclusivo ou improvável - sob qualquer argumento. Exemplo: o número de estrelas no céu ou de grãos de areia na praia. 

Quantos são?

Resposta de um cético pirrônico: “Julgamento suspenso”.

A minha conta aumenta a cada dia: crescem as perguntas, rareiam as respostas.