Os OVNIS (objetos voadores não identificados) estão na moda, de novo. Desde o aparecimento – acredito que por descuido ou acidente – de um balão chinês nos Estados Unidos que o tema ganhou a mídia por lá.

E como isso encanta o público médio da pátria do capitalismo, que sempre teve uma atração especial pelos extraterrestres! Nos anos da Guerra Fria, principalmente, cidadãos americanos viajando forçados em naves espaciais levados pelos alienígenas viraram um programa de férias – da realidade, talvez – de muitos nos EUA.

No seu excelente e elucidativo O mundo assombrado pelos demônios, Carl Sagan, um dos grandes divulgadores da ciência para nós, homens e mulheres comuns, um apaixonado e conhecedor profundo do espaço, traz histórias fantásticas dessa crença na vida em outros planetas – como uma questão de fé, esclareça-se, não como algo factível, que tenha alguma base no avanço científico e tecnológico dessa espécie bobinha e crédula que integramos.

Números nos ajudam a entender e ver a extensão de uma fantasia quando ela se nos aparece com cara de alguma verdade: aperta aqui, estica ali, e chegamos a uma visão assombrosa e “verídica”.

Sagan conta que uma pesquisa feita nos Estados Unidos, na década de 1990, com 6 mil adultos chegou aos seguintes resultados: 18% dos entrevistados já “sentiram” a presença de seres alienígenas em seus quartos, ao acordar; 10% afirmaram terem voado pelo ar sem ajuda mecânica.

A conclusão, ao fim e ao cabo: 2% dos americanos já foram raptados, até mais de uma vez, por seres de outro mundo. Atualizando os números: mais de 6 milhões de habitantes da maior potência bélica do planeta já teriam caído nos braços, ainda que involuntariamente, dos ETs (sabe-se lá de onde vieram).

Mas há um lado bastante doloroso nessa história, que expõe os truques da mente humana para apagar da memória pequenas-grandes tragédias. Muitos dos casos registrados, de sequestrados por UFOs (sigla inglesa de objeto voador não identificado), sofreram traumas profundos, que só encontram explicações “racionais” em alucinações ou fantasias extremas. Um exemplo: pessoas que sofreram abusos sexuais.

Com base em estudos publicados, Sagan afirma que “algumas histórias de rapto por alienígenas podem muito bem ser lembranças disfarçadas de estupro e abuso sexual na infância, sendo o pai, o padrasto, o irmão ou namorado da mãe representado como extraterrestre”. Seria a confirmação do conceito freudiano de repressão “o fato de esquecermos certos acontecimentos para evitar a intensa dor psíquica, como um mecanismo essencial para a saúde mental”. 

Um tema delicado sobre o qual se debruçam especialistas de todo o mundo, principalmente na terra do Tio Sam, território preferido pela turma que vem lá de um ponto qualquer do céu profundo para fazer contato e, quem sabe, contratos.

Por aqui também temos os nossos “eteístas” apaixonados e de plantão. Elba Ramalho, por exemplo, já afirmou que foi sequestrada por um OVNI e chipada por alienígenas. O chip? 

Ó, sumiu!  

E é possível que hoje, num domingo de carnaval, surjam muitos indivíduos da nossa espécie terráquea que haverão de explicar o sumiço pela espantosa narrativa da abdução. Visões de colombinas e pierrôs desnudos haverão de povoar mentes adormecidas pela alegria de um momento único - ou pelo efeito de algum indutor do sono do superego.

Que fique claro: Sagan foi um cético, mas acreditou sempre no avanço da ciência, entendendo que ela pode nos levar permanentemente mais longe, nunca ficando estacionado onde parece ser o limite final do aprendizado. Dispensando, por óbvio, os “segredos” do sobrenatural.

É dele a frase: “A ausência de evidência não significa evidência de ausência”. 

Claro, o cientista sabia muito bem que esse território atrai vigaristas e crédulos de todos os quilates, mas não fechou a porta para o que o futuro pode nos reservar. Escreveu até uma obra de ficção, Contato, que virou um filmaço (sugiro também, disponível em alguma plataforma, A chegada, do canadense Denis Villeneuve), usando todo o conhecimento disponível então sobre o tema. 

Uma maravilha!

O assunto ainda ganhará novos e grandiosos enredos na grande imprensa, tão ao gosto do freguês. Saberemos, então, de naves imaginadas pelos humanos trazendo seres alienígenas antropomorfos, curiosos para nos conhecer e compartilhar a nossa condição de espécie escolhida, centro do Universo.

Mas talvez seja melhor nos prepararmos para vivenciar a historinha criada pelo pândego Voltaire (em Micrômegas), pelos idos de 1752:

“Um filósofo examinou os dois estranhos celestes da cabeça aos pés e afirmou, diante deles, que suas pessoas, seus mundos, seus sóis e estrelas haviam sido criados unicamente para servir ao homem. Diante dessa afirmação, nossos dois viajantes caíram nos braços um do outro, tomados de um acesso incontrolável de... riso”.

Permitam-me um acréscimo à fala dos visitantes, depois de olharem o nosso rastro de destruição:

- Que estúpidos eles são!