Ah, gente, o tal de Angenor de Oliveira, vulgo Cartola, que inventou a mais sofisticada elegância entre os sambistas, era um sujeito muito sério. E foi assim desde sempre.

Aos 23 anos de idade, já era diretor de harmonia da sua Estação Primeira. E lá, no Morro da Mangueira, conheceu outros bambas como ele. Entre os quais, Nélson Antônio da Silva, que ficou imortalizado como Nélson Cavaquinho, um violonista e compositor muito peculiar.

Uma parceria entre eles era tão natural, naqueles tempos e lugares, quanto a junção de dois átomos de hidrogênio com um de oxigênio, dando em água. 

Samba feito, e imagino que bem-feito, cada um sendo responsável por uma parte, deixaram que a nova obra girasse para ver a receptividade – bem típico da época.  Pouco tempo depois, Cartola estava na Praça Tiradentes, num ponto em que os compositores populares se reuniam, e ouviu surpreso alguém cantar o seu samba. 

Da perplexidade à indagação a José Gelsomino, o  Kid Pepe:

- ?

- Eu comprei do Nélson Cavaquinho, agora é meu.

Ai, como o Angenor se enfureceu!

Procurou o parceiro e cobrou:

- Como é que você vende o samba que a gente fez junto?

O Cavaquinho?

- Vendi, sim, mas só vendi a minha parte.

(Baixa o pano.)

No mundo do samba, então, era muito comum a comercialização das novidades, até porque os compositores, a grande maioria, eram tão pobres quanto prolíficos. 

Dá para notar, só com o breve texto acima, o quanto era também comum conhecer nossos criadores pelos nomes que o mundo ia lhes dando. Da turma do Cartola, por exemplo, além dos citados, tínhamos Zé da Zilda e a Ala dos Periquitos da Mangueira, com suas alcunhas divertidas: Miúdo, Pedro Palheta, Bico, Santa e Nélson Cuíca – entre outros.

Mas falar de Carlos Moreira de Castro, o Carlos Cachaça, uma legenda do samba, é questionar os riscos da “marvada” à saúde humana: mesmo carregando essa identidade que espelhava a sua vida real, o parceiro de Cartola – em Não quero mais amar a ninguém e uns tantos mais sucessos - morreu aos 97 anos, a maior parte vivida entre o copo e a cruz. 

E se ele não bebesse?

Imagino que o professor Ivan Vilela, da Viçosa, que nos deixou aos 94 anos, responderia: “Só morreria com 140”. Seria mais um esforço de pai, inútil, é verdade, de convencer os filhos a se manterem abstêmios.

Da geração mais recente, ainda que não muito, gosto do nome definitivo do ritmista portelense Jorge Meira. O cara ganhou sua alcunha na gravação de Foi um rio que passou em minha vida, do mestre Paulo César Baptista de Faria - ele mesmo, o da Viola. 

Veio a virada da música:

- Porém...

Aí entrou o Jorge fazendo o “eco” inventivo: 

“Ai, porém!”.

Soou tão bem que ele passou a ser conhecido – e até a assinar – como Jorge Porém (sem mas, sem contudo, sem todavia).

E como é antiga, gente, essa história de apelidos, mesmo nas mais sofisticadas atividades humanas. Por exemplo: Platão, o discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, ganhou esta alcunha pelos seus dotes esportivos. O autor de A República, nascido em Atenas, Grécia, foi batizado pelo nome sem graça de Arístocles, mas como tinha as “costas largas”, um atributo físico, ganhou fama e imortalidade sendo Platão, que é como nos referimos ao espadaúdo filósofo.

É assim também no esporte mais popular do planeta. Entre os jogadores, os apelidos proliferaram e se tornaram identidades definitivas. Claro, para nós, Pelé é uma prova "científica" de que é muito mais fácil cair na boca do povo quando o talento e a genialidade podem ser resumidos em duas sílabas.

Mas mesmo no futebol, isso vai desaparecendo, cedendo lugar a nomes compostos e até um tanto pedantes. Entretanto, insistimos na nossa irrestrita criatividade iconoclástica. Numa Copinha Cidade de São Paulo, onde já vi surgirem tantos futuros craques – e poucos vingam -, me encantei com o ataque de um time do interior do Nordeste, que defendeu com brio a tradição de dar inusitadas alcunhas aos nossos garotos bons de bola. 

Estava lá: Mosquito, Morcego e Bactéria.

O grande público pode até não lembrar, mas, para mim, é impossível esquecer uma escalação tão “animal” (com a devida licença poética em relação ao micro-organismo).

P.S.: Cartola foi enterrado, em 30 de novembro de 1980, com as bandeiras da Mangueira e do Fluminense, seu time do coração. Aquele bom gosto dele nunca me enganou.