Sinceramente, não creio que a Hungria seja mais racista do que a maioria das nações europeias, mas o exemplo a seguir pode ajudar a explicar o porquê de Viktor Orbán ter sido reeleito premiê pelo parlamento do seu país, em abril deste ano, pela quarta vez consecutiva.
O personagem é conhecido, entre outras coisas, pelas suas posições negacionistas em relação ao avanço científico e civilizatório, que considera fundamental, e cada vez mais, o respeito às diferenças e aos diferentes.
O fato aconteceu numa das partidas entre Hungria e Inglaterra pela Liga das Nações. Por mais que consideremos (ainda?) o futebol um território à parte nas sociedades humanas, onde quase tudo é permitido, assusta saber que a meninada – e parece bem o caso – vai replicando o comportamento absolutamente obsoleto e cruel de parte dos adultos.
A Arena Puskas, naquele 4 de junho, só recebeu um público infantil e, vá lá, adolescente, para ver o jogo. Motivo da punição: o comportamento homofóbico e racista manifestado agressivamente pelos torcedores durante os jogos contra França e Portugal, na última Eurocopa, em 2021.
Eis que no momento em que os jogadores ingleses - boa parte de negros - faziam o seu tradicional gesto antirracista (eles se ajoelham em campo antes de o jogo começar), as vaias foram se multiplicando na torcida mirim. Eram 35 mil torcedores de até 14 anos acompanhados por adultos que estavam lá como monitores.
Visivelmente perplexo, segundo narrou a imprensa, o técnico inglês Gareth Southgate desabafou:
‒ Fiquei muito surpreso. E pensei: “É por isso que fazemos isso, para tentar educar. Acho que os jovens só podem ser influenciados pelos mais velhos”.
E ele há de estar prenhe de razão: ninguém nasce racista, mas sempre parece mais fácil ensinar o ódio contra os desiguais do que o contrário ‒ e assim se perpetua o racismo estrutural. Que fique claro que é exatamente nessa fase da vida que devemos defender e espalhar o respeito amplo, geral e irrestrito. Ninguém precisa ser perfeito, nem será, mas não temos o direito de manter um vício que tantas mortes já provocou e ainda provoca entre os da nossa espécie.
Gosto muito de um ensaio sobre a intolerância, de Umberto Eco (em Cinco escritos morais), em que ele trata, ao modo, do tema:
‒ A intolerância selvagem deve ser, portanto, combatida em suas raízes, através de uma educação constante que tenha início na mais tenra infância, antes que possa ser escrita em um livro, e antes que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais.
Bem antes dele, no século XVI, Michel de Montaigne (de novo, Ricardo?) escreveu que “o costume é um mestre-escola violento e traidor”.
E por que tanta fúria?
‒ Acho que nossos maiores vícios tomam forma na mais tenra infância.
Ele diz – e como é atual – que para muitos pais e mães é apenas um passatempo ver o filho “divertir-se ferindo um cão ou um gato” ou agindo com violência com um subalterno. E ressalta: “São essas, no entanto, as verdadeiras sementes e raízes da crueldade, da tirania, da traição: elas germinam ali e depois se erguem galhardamente, e expandem-se abundantemente nas mãos do costume”.
Veja o tamanho da importância de pais, mães e educadores na formação de novas pessoas, talvez a mais difícil de todas as tarefas humanas. E se não temos, para nós mesmos, um régua para a boa e cotidiana justiça, haveremos apenas de replicar gente moralmente indigente. É claro: se temos consciência, por mínima que seja, daquilo em que nos tornamos, não podemos assumir a condição de meros reprodutores do mal.
Vou continuar com o francesinho que mora na minha cabeceira, a nos mostrar como um costume que parece banal pode se tornar um vício de que não devemos nos orgulhar. Ele pontua no seu ensaio sobre Os costumes que lhe parece mais correto afirmar que quem trapaceia com alfinetes há de fazer muito pior com escudos (dinheiro, no caso).
O crime, está claro, não é quanto, mas o quê.

Ricardo Mota