Descobri, na semana passada, que faço parte de uma minoria que eu nem imaginava existir: a de apaixonados por futebol que torcem por dois times. Segundo pesquisa publicada pelo Globo, 10% dos torcedores brasileiros admitiram sua bigamia futebolística. No meu caso, confesso, exagerei: eu torço por três times, ainda que já não esteja disposto a me entregar perdidamente a essas paixões.

Mas como todos os que vibram por suas cores dentro do campo, eu fico alegre, sofro, e até me preparo emocionalmente para ver um jogo decisivo. E ainda que não tenha lá muitos motivos, por ora, para estar feliz com o meu poliamor (trisal?), continuo a exercer o direito de viajar no barco de Rosa e repousar na ilha de Lia. E ainda me aninhar num cantinho do continente. Faz bem, asseguro aos leitores/torcedores mais fiéis, essa democratização de um velho coração.

Seguindo a confissão, não há a essa altura da minha vida um time que esteja, entre os três, à frente por tamanho de afeto - não é uma questão de intensidade. Mas se você é daqueles que consideram que, nesse caso, antiguidade é posto, apresento a minha relação como torcedor de cada um dos times aos quais dedico meu sincero carinho.

O CRB nasceu primeiro no meu peito de torcedor, e lhes digo, se é que isso lhes interessa, o meu maior ídolo no futebol continua sendo Roberto Menezes, o meio-campista regatiano em quem eu me transformava, quando garoto, nos meus melhores sonhos de olhos abertos - como o fazem até hoje os meninos e as meninas com os seus heróis. Isso mesmo: ele era o meu herói, e como tal não deixou que ninguém ocupasse o seu lugar na minha memória afetiva. Pelo menos não com aquele impulso avassalador que me movia a cada jogo, primeiramente ao campinho da Pajuçara, depois ao Trapichão.

Mais taludinho, conheci as três cores amadas e exaltadas por Nelson Rodrigues. A minha paixão pelo Flu nasceu quando eu me deparei com um pôster publicado numa revista esportiva (Placar). Estavam lá o encarnado, o verde e o branco - o mais belo padrão de um time de futebol. A escalação daquele esquadrão eu guardo até hoje de memória: Félix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa, Samarone, Flávio e Lula. Era a primeira de tantas "máquinas tricolores" que eu vi jogar, confirmando que valeu a pena o amor ainda vivido.

“O Fluminense é o único time Tricolor do mundo. O resto são só times de três cores." A frase é do autor de Bonitinha, mas ordinária, entre tantas outras peças marcantes do teatro nacional. Quis o destino que no início da década de 1990, Telê Santana (o Fio de esperança do Fluminense), responsável pelo mais belo futebol que eu vi a Seleção Brasileira praticar - e olha que eu vibrei, ao vivo, com o escrete de 1970 -, foi parar em outro tricolor, ou time de três cores, em respeito a Nelson Rodrigues. Os meus olhos brilharam, de novo, ao ver aquele São Paulo de Telê jogar: a paixão, traiçoeira, embora madura (mentira: não há paixão madura), bateu de novo à minha porta. 

É verdade que hoje só vejo futebol a distância. O velho Trapichão saiu da minha rota depois que as torcidas de CSA e CRB decidiram que adversários clubísticos são inimigos, e como tal merecem até mesmo a morte. Estou fora. Lamento não ter levado meu filho para assistir às partidas do campeonato local, mas aí já era o medo da barbárie ensandecida, alimentada no vazio das almas - o que só tem crescido por esses tempos de pátria armada.

Mas acho que não fui tão mal no quesito de herança afetiva: Luiz (mesmo nome daquele que me levou pela primeira vez a uma partida de futebol e me fez torcedor), assim como eu, é galo da Pajuçara, tricolor de coração e ainda torce pelo “time de três cores” do Morumbi.

Minha infidelidade, creio, deve parar por aí. Hoje vibro até com algum jogador espetacular que apareça em qualquer lugar do planeta, porque, no fundo, a minha definitiva paixão é o futebol.

“Sem a música a vida seria um erro”, disse aquele alemão bigodudo, cheio de sabedoria e loucura (acho que uma não vive sem a outra), Friedrich Nietzsche. Vou ousar, no entanto, considerando que sua frase  está incompleta:

- E sem o futebol, o erro seria duplo. 

Que me perdoem os puristas da filosofia e do futebol. Fato é que a minha vida teria menos graça se eu não tivesse me encontrado com o tal do ludopédio (é feio demais, não é não?) e se não fosse esse poço de infidelidade.