- Painho, até parece que ele não tem mãe.

- ?????

Não demorou para que os neurônios cumprissem o seu papel e eu entendesse o que minha filha, Camila batizada e Miloca chamada, queria expressar ao telefone: nada menos do que o seu desapontamento com o filho mais novo, que deu os passos iniciais à alfabetização (creiam: ele também nasceu analfabeto!), recentemente.

No seu primeiro dia de “aula”, o pequerrucho Joaquim, de pouco mais de um ano, sentiu-se em casa na escola, e nem ao menos manifestou desconforto quando da despedida daquela que se imaginava o centro do seu universo (e o Cazuza ainda dizia que “só as mães são felizes”).

Na verdade, o meu mais jovem proprietário apenas replicou o comportamento do irmão mais velho, João Vicente afamado: simplesmente ignorando que tem mãe e pai, já no primeiro dia da desarrazoada busca pelo conhecimento.

Ela acabara de receber uma fotografia do danado do Joaquim, em meio aos coleguinhas, rindo como se tivesse acertado a Mega-Sena ou estivesse dançando forró no autêntico São João de Caruaru ou de Campina Grande.

Minha filhota, que vive em São Paulo, não chorou, esclareço, e nem se deu conta – imagino - de que começava ali a cumprir o destino de todos os pais e mães: tornarem-se irrelevantes, só lembrados quando necessários (tudo natural da condição humana).  E quando isso acontecer, o chamado, com o peito cheio de alegria e satisfação, poder dizer: - Estou contigo e não abro! Só que, assim me parece, foi cedo demais essa iniciação rumo ao quase esquecimento.

Mas vamos ao que interessa.

Na sequência, ela me contou que a escola dos traquinos instalou várias câmeras no prédio onde funciona, às quais os responsáveis por botar no mundo esses projetos de gente - que por lá engatinham ou andam trôpegos, bêbados de curiosidade e pequenos desejos - podem acompanhar em tempo real.

- Como é que é?!

A perplexidade foi minha e o quase grito de inteira responsabilidade desse escrevinhador. A resposta veio serena e cheia de uma lógica que, de certa forma, me assusta: as escolas de classe média em São Paulo e no resto do país, disse ela, possuem equipamentos de monitoramento nas suas dependências, como consequência de uma história recente - você há de lembrar - numa creche onde ocorriam maus-tratos às crianças.

“Não seria um exagero?”, fiz a pergunta retórica, está claro. 

Ela disse que “sim”, até achava, mas ressaltou que essa é uma exigência de pais e mães desses tempos apavorados, que respiram e exalam a paranoia dos nossos dias. Ninguém escapa. 

Tentei acessar a minha memória mais remota, para ver o que a minha primeira infância me havia reservado. Sem sucesso, está claro. Entretanto, vi e ouvi as vizinhas da minha casa, na Buarque de Macedo, e as professorinhas a comunicarem aos meus pais que eles tinham um tinhoso entre os da sua prole, que requeria cuidados e castigos. Mas seu Luiz e dona Lúcia só sabiam o que já havia acontecido, no passado, e não o que estava acontecendo (e aqui cabe o gerúndio).

Essa desconfiança geral é universal, antecipando as neuroses que nossas crias e as crias das nossas crias haverão de “contrair” ao longo dos anos.

Imagino, então, uma mãe desesperada ao ver a filhota de cocô, sem que a escola em tempo hábil - para ela - tenha feito a higienização da sua modelo. Ou um pai, indignado, já considerando inimiga figadal a garotinha que puxou o cabelo do seu protogaranhão - ambos com menos de dois anos...  

Garanto aos pacientes leitores e leitoras dos preguiçosos domingos: quando eu estiver em São Paulo, Miloca e Luiz Felipe, os pais dos meus proprietários, que me perdoem, mas vou segredar ao pequeno Joaquim que ele já está sendo vítima de voyeurismo.

O conselho do vovô?

Bem baixinho, ao ouvido: 

- Chore, você está sendo filmado!