O adolescente é o penúltimo dos cinco grandes romances de Fiódor Dostoiévski. Publicado em 1875, foi muito criticado à época, talvez porque os leitores e especialistas já estivessem acostumados com a genialidade do escritor russo. Ele deu o troco, em alto estilo, com a obra seguinte: nada mais nada menos do que Os irmãos Karamázov, o livro que inspirou a teoria psicanalítica de Freud (todo mundo quer “matar” o pai).
Como em qualquer livro de Dostoiévski, aprende-se muito sobre a essência humana mergulhando nos personagens criados por ele em O adolescente. No caso, um jovem de 20 anos (para adolescente é idade demais, por certo, mas é só uma formalidade do século XIX, na Rússia) que projetava, assim contou nessas suas “memórias”, que seria um novo Rothschild, família de banqueiros que dominou as finanças da Europa nos últimos séculos do milênio passado. Ao fim e ao cabo, a vida ensina a quem quer aprender - inclusive a ele.
No fundamental, o escritor russo vai descascando as camadas dos seus personagens como sempre fez: sem pressa, persistentemente, chegando ao tutano da alma.
Por óbvio, nos deixa alguns ensinamentos sobre nós mesmos, que continuarão até o fim dos dias da espécie de que fazemos parte: “Amar as pessoas como são é impossível. E, no entanto, é necessário” (bravo!).
“A ninguém é permitido falar com terceiros sobre suas relações com uma mulher” (independentemente de gênero, é prova de caráter ou de falta de, em qualquer tempo).
“O imbecil sempre fica satisfeito com o que diz, e ainda por cima sempre dirá mais do que o necessário; ele adora o seu reservatório de palavras” (há algo mais atual?).
Mas o melhor, mais divertido e preciso, em minha opinião, vem quando Arkadi Makárovitch Dolgorúki (o protagonista) resolve identificar e classificar os tipos tão humanos quanto desprezíveis de patife, com os quais trombamos em cada esquina, mas que não gostaríamos de enxergar no espelho:
- Existem no mundo três espécies de patifes: os patifes ingênuos, convencidos de que sua patifaria é a suprema decência; os patifes envergonhados, aqueles que se envergonham de sua própria patifaria, mas mantêm a inarredável intenção de praticá-la até o fim; e, por último, os simplesmente patifes, os puro-sangue.
Estes são a dose maior de um veneno produzido nas entranhas do homem, capaz de matar o dono sem que ele note, roubando-lhe a razão e embotando-lhe os sentidos.
Todos carregamos um tanto dos indivíduos acima, mas soltá-los no mundo passa a ser responsabilidade de cada um, porque tentar conhecer a si próprio é uma missão obrigatória, embora nem sempre cumprida como necessária - muitas vezes por absoluta impossibilidade. Por quê? Acho que porque dói - o que não inocenta ninguém.
Conhecer a si próprio é conhecer a humanidade - e vice-versa -, de que somos uma parte integral. Se para o bem ou para o mal, quando descortinamos o território sombrio que nos é comum, essa passa a ser uma decisão racional. Claro, se desenvolvemos a capacidade de nos situar no mundo, estruturando aquilo que bem poderíamos chamar de consciência. Dá trabalho, mas também dá juízo.
E o que seria essa guia que nos torna tão mais humanos?
Fico com a ótima definição do polemista e divulgador da ciência Christopher Eric Hitchens, morto em 2011:
- Consciência é aquilo que me guia quando ninguém está me vendo.
Eis uma boa diferença entre um homem e um rato.