Após o meu primeiro contato com a música e a cultura punk comecei a descobrir um universo que estava em ebulição no final da década de 80. Era comum naquele período não ter acesso fácil ao material vindo de fora do Brasil e, lógico, a produção musical também não era acessível para qualquer músico ou banda nacional. Nem de longe se imaginava que em algum momento seria possível ter acesso a bandas de qualquer lugar do mundo por meio de um dispositivo móvel turbinado por uma rede mundial que interliga boa parte das pessoas e do mundo. Neste período o objeto que fortalecia e disseminava a cultura musical da cena punk, e de muitas outras, era a fita cassete. Ela também era o meio usado por aqueles que tinham acesso aos LPs mais desejados e que, fraternalmente, se dispunham a gravar fitas para os seus amigos. Algo que nunca foi considerado pirataria e era bastante comum.
Pois bem, por meio das fitas nasceram as Demo Tapes (DT) e uma porrada de banda com um gravador em mãos passou a registrar seus ensaios e shows divulgando-os na boa e velha fita. É importante ressaltar que no começo a qualidade da gravação era precária, com o tempo alguns registros passaram a ser feitos com uma estrutura um pouco melhor. Como atualmente com um computador é possível gravar e produzir algo razoavelmente audível, muitos vão estranhar a realidade que vivi e provavelmente, caso peguem uma DT desta época, não se esforçarão para apreciá-la e nem terão um ouvido tão sedento e aguçado quanto o meu ainda hoje é. Guardo as minhas fitas desta época com muito carinho e não deixo praticamente ninguém tocar nelas.
Felizmente muita coisa boa circulava nas DTs e foi por meio delas que eu escutei pela primeira vez uma banda chamada Karne Krua. O registro fazia parte de uma coletânea intitulada BUS I (Brazilian Underground Scene) distribuída pelo CIC (Centro informativo Cólera), que possivelmente será abordado em algum texto da coluna mais para frente. Posso usar o termo amor à primeira vista? Foi exatamente isso o que ocorreu. Mesmo sendo uma gravação com a qualidade característica da época, registrando algumas músicas ao vivo, já dava para notar o quanto a banda era, e continua sendo, visceral. De quebra também tem aquele velho detalhe que considero muito importante: letra + atitude. Quando vi no encarte da DT que a banda era de Sergipe, mais precisamente Aracaju, isso aguçou ainda mais o meu interesse na banda.
Logo que possível entrei em contato com Sylvio, vocal da KK, via carta - algo muito comum na época e que funcionava muito bem para troca de material e informação. Além do vínculo de amizade, mantido até hoje, passei a acompanhar e a adquirir o material da banda. Quantas vezes escutei as DT Labor Operário, Ao vivo I, Suicídio e Em Carne Viva. São muitas letras e músicas que posso destacar mas há um som cujo refrão até hoje me coloca para pogar: Se desordem é liberdade, seremos subversores da ordem (Subversores da Ordem). Outra letra/música que acho iradíssima é Suicídio, lançada em uma DT homônima e que recentemente foi relançada como 7”EP via No Gods No Masters (https://nogods-nomasters.com/nogodsnomasters/produto/versao-limitada-karne-krua-suicidi o-7-ep/).
Quis o destino que pouco tempo depois a Karne Krua viesse tocar aqui em Maceió, se não me engano foi em um show com a Living in the Shit na antiga UESA. Se por DT eu já achava o som da banda muito instigante, ao vivo a coisa ganha outra proporção. Não lembro até hoje de ter ido a um show da Karne Krua que eu considere mais ou menos. Ao vivo a banda tem uma performance e agressividade que são únicas. Já dividimos o palco algumas vezes, também já fui a vários shows deles - não tantos quanto gostaria. Neste dia aconteceu algo que atrapalhou um pouco os meus planos. O Túlio Brito, que foi baterista da Misantropia, subiu no palco para dar um mosh e a galera educadamente abriu no momento do pulo dele que, infelizmente, achou que iriam segurá-lo. Resultado: tivemos que sair correndo para o HGE e acho que ele ganhou um canal de presente.
Também há outra experiência não muito agradável aqui em Maceió. O Sylvio organizou a turnê da Siecrist aqui no nordeste. Por causa da nossa amizade ele me pediu para ajudar nos corres. Fiz os contatos com o local e som, ajudamos na divulgação e também no contato com o ponto de venda dos ingressos. A parte financeira, os custos da organização, ficou a cargo dele e da banda. Garantimos o rango e a hospedagem. Infelizmente por causa da minha participação na organização e pela presença da Misantropia no show o evento foi fortemente boicotado, acho que deu no máximo uns 10 pagantes. Entretanto, mesmo frente a um prejuízo considerável, quando eles subiram no palco mandaram ver. Isso eu nunca irei esquecer. Aproveito para reforçar que há muitas lembranças e momentos agradáveis neste vínculo estabelecido entre nós. Inclusive eles beberam com o meu pai, que na época não curtia muito o meu envolvimento com o rock e mesmo assim os recebeu muito bem liberando um whisky que ele tinha em casa. No dia posterior ao show fomos para a praia de Guaxuma e nos divertimos bastante. Marlio, baixista da banda na época, encarnou o Tahar e pegou altos jacarés.
A Karne Krua até hoje se mantém bastante ativa e fiel aos ideias que fizeram a banda surgir por isso deixo um recado importante: se você gosta de punk/HC agressivo, bem tocado e com muito atitude precisa urgentemente conhecê-la. Se algum dia tiver algum evento na sua cidade ou região com a presença da KK não perca tempo. Pode ter certeza que você vai presenciar um show destruidor. Recentemente, como falei, a DT Sucídio foi relançada no formato 7”EP e há alguns anos atrás, 2016, eles gravaram um CD ao vivo para comemorar os 30 anos de banda. São dois belos cartões de visita.
Cinco amigos alagoanos com uma longa estrada em shows e eventos de Rock editam esse blog com informações e opiniões sobre o estilo. Cedryck Farias - Empresário e músico, Fernando Godoy, Advogado, Betuca Celestino, Engenheiro, Tadeu Breda, Empresário e Victor Falcão, Engenheiro
DEIXE SEU COMENTÁRIO
Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.