SE ORDEM É LIBERDADE SEREMOS SUBVERSORES DA ORDEM

10/06/2022 11:00 - Blog Roqueiro Mofado
Por Coluna Esparro
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     Após o meu primeiro contato com a música e a cultura punk comecei a descobrir um universo que estava em ebulição no final da década de 80. Era comum naquele período não ter acesso fácil ao material vindo de fora do Brasil e, lógico, a produção musical também não era acessível para qualquer músico ou banda nacional. Nem de longe se imaginava que em algum momento seria possível ter acesso a bandas de qualquer lugar do mundo por meio de um dispositivo móvel turbinado por uma rede mundial que interliga boa parte das pessoas e do mundo. Neste período o objeto que fortalecia e disseminava a cultura musical da cena punk, e de muitas outras, era a fita cassete. Ela também era o meio usado por aqueles que tinham acesso aos LPs mais desejados e que, fraternalmente, se dispunham a gravar fitas para os seus amigos. Algo que nunca foi considerado pirataria e era bastante comum.


      Pois bem, por meio das fitas nasceram as Demo Tapes (DT) e uma porrada de banda com um gravador em mãos passou a registrar seus ensaios e shows divulgando-os na boa e velha fita. É importante ressaltar que no começo a qualidade da gravação era precária, com o tempo alguns registros passaram a ser feitos com uma estrutura um pouco melhor. Como atualmente com um computador é possível gravar e produzir algo razoavelmente audível, muitos vão estranhar a realidade que vivi e provavelmente, caso peguem uma DT desta época, não se esforçarão para apreciá-la e nem terão um ouvido tão sedento e aguçado quanto o meu ainda hoje é. Guardo as minhas fitas desta época com muito carinho e não deixo praticamente ninguém tocar nelas.


      Felizmente muita coisa boa circulava nas DTs e foi por meio delas que eu escutei pela primeira vez uma banda chamada Karne Krua. O registro fazia parte de uma coletânea intitulada BUS I (Brazilian Underground Scene) distribuída pelo CIC (Centro informativo Cólera), que possivelmente será abordado em algum texto da coluna mais para frente. Posso usar o termo amor à primeira vista? Foi exatamente isso o que ocorreu. Mesmo sendo uma gravação com a qualidade característica da época, registrando algumas músicas ao vivo, já dava para notar o quanto a banda era, e continua sendo, visceral. De quebra também tem aquele velho detalhe que considero muito importante: letra + atitude. Quando vi no encarte da DT que a banda era de Sergipe, mais precisamente Aracaju, isso aguçou ainda mais o meu interesse na banda.


      Logo que possível entrei em contato com Sylvio, vocal da KK, via carta - algo muito comum na época e que funcionava muito bem para troca de material e informação. Além do vínculo de amizade, mantido até hoje, passei a acompanhar e a adquirir o material da banda. Quantas vezes escutei as DT Labor Operário, Ao vivo I, Suicídio e Em Carne Viva. São muitas letras e músicas que posso destacar mas há um som cujo refrão até hoje me coloca para pogar: Se desordem é liberdade, seremos subversores da ordem (Subversores da Ordem). Outra letra/música que acho iradíssima é Suicídio, lançada em uma DT homônima e que recentemente foi relançada como 7”EP via No Gods No Masters (https://nogods-nomasters.com/nogodsnomasters/produto/versao-limitada-karne-krua-suicidi o-7-ep/).


      Quis o destino que pouco tempo depois a Karne Krua viesse tocar aqui em Maceió, se não me engano foi em um show com a Living in the Shit na antiga UESA. Se por DT eu já achava o som da banda muito instigante, ao vivo a coisa ganha outra proporção. Não lembro até hoje de ter ido a um show da Karne Krua que eu considere mais ou menos. Ao vivo a banda tem uma performance e agressividade que são únicas. Já dividimos o palco algumas vezes, também já fui a vários shows deles - não tantos quanto gostaria. Neste dia aconteceu algo que atrapalhou um pouco os meus planos. O Túlio Brito, que foi baterista da Misantropia, subiu no palco para dar um mosh e a galera educadamente abriu no momento do pulo dele que, infelizmente, achou que iriam segurá-lo. Resultado: tivemos que sair correndo para o HGE e acho que ele ganhou um canal de presente.


      Também há outra experiência não muito agradável aqui em Maceió. O Sylvio organizou a turnê da Siecrist aqui no nordeste. Por causa da nossa amizade ele me pediu para ajudar nos corres. Fiz os contatos com o local e som, ajudamos na divulgação e também no contato com o ponto de venda dos ingressos. A parte financeira, os custos da organização, ficou a cargo dele e da banda. Garantimos o rango e a hospedagem. Infelizmente por causa da minha participação na organização e pela presença da Misantropia no show o evento foi fortemente boicotado, acho que deu no máximo uns 10 pagantes. Entretanto, mesmo frente a um prejuízo considerável, quando eles subiram no palco mandaram ver. Isso eu nunca irei esquecer. Aproveito para reforçar que há muitas lembranças e momentos agradáveis neste vínculo estabelecido entre nós. Inclusive eles beberam com o meu pai, que na época não curtia muito o meu envolvimento com o rock e mesmo assim os recebeu muito bem liberando um whisky que ele tinha em casa. No dia posterior ao show fomos para a praia de Guaxuma e nos divertimos bastante. Marlio, baixista da banda na época, encarnou o Tahar e pegou altos jacarés.


      A Karne Krua até hoje se mantém bastante ativa e fiel aos ideias que fizeram a banda surgir por isso deixo um recado importante: se você gosta de punk/HC agressivo, bem tocado e com muito atitude precisa urgentemente conhecê-la. Se algum dia tiver algum evento na sua cidade ou região com a presença da KK não perca tempo. Pode ter certeza que você vai presenciar um show destruidor. Recentemente, como falei, a DT Sucídio foi relançada no formato 7”EP e há alguns anos atrás, 2016, eles gravaram um CD ao vivo para comemorar os 30 anos de banda. São dois belos cartões de visita.

Sandney Farias ::


 

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