CABEÇA DINOSSAURO

22/04/2022 10:30 - Blog Roqueiro Mofado
Por Fernando Godoy
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         Inicio este texto, confessando que fui demasiadamente influenciado musicalmente pelo hard rock e heavy metal, o que me tornou restrito em relação a diversos outros gêneros musicais durante bastante tempo. Diria até que cheguei a ser extremamente preconceituoso com o rock nacional, por exemplo.

         O primeiro Rock in Rio, foi prova viva do que falo. Durante o festival eu só tinha olhos e ouvidos para as seguintes bandas: Acdc, Iron, Ozzy, Scorpions e Whitesnake. Não queria nem saber de Queen, Yes, ou qualquer outra banda, nem tampouco as nacionais, a exemplo de Barão, Paralamas, Kid Abelha, etc.

         Essa fase “radical” passou depois de algum tempo e hoje admito ter um gosto musical bem mais eclético, podendo comportar diversos outros estilos, inclusive nacional. Sempre tive certa complacência pelas mais pesadas de pegada mais punk, aliás aqui tenho que admitir que apreciei bastante bandas como: Camisa de Vênus, Detrito Federal, Crime, Garotos Podres, Replicantes, Inocentes... Achava e ainda acho bem legais.

          No ano de 1986, me deparei com o disco Cabeça Dinossauro, cuja impressão não poderia ter sido melhor. Conhecia a banda dos tempos de Sonífera Ilha, música que cansou de embalar as festas do Senhor do Bomfim, na Praça Apolinário Rebelo, situada no Município de Viçosa, onde minha saudosa avô – Dona Carminha, possuía uma residência. Dessa época para o Cabeça, houve uma mudança completa no som dos caras, havia ficado mais cru e pesado, seguramente pela escolha do produtor, Liminha, que sem sombra de dúvidas era um dos poucos que prestavam nos anos 80.

         Apesar de ter modificado e até elastecido meu gosto musical a ponto de albergar o rock nacional, só fui de comprar discos de poucas bandas brazucas: Titãs e Raimundos (escreverei em breve uma experiência que tive num show com o brother Milsinho), são exemplos do que falo.

       O disco que descortinou esse tabu foi exatamente Cabeça Dinossauro que abria com a faixa título bem marcante, inclusive com um clipe bem tosco que rolava na época, os caras se sujando na lama e na areia dentro de uma cachoeira, meio que uma versão tupiniquim inspirada na cena dos macacos do filme de Stanley Kubrick - 2001 Uma Odisseia No Espaço - ; seguia o disco com a meio chatinha e de refrão insuportável AA UU – que constava da trilha sonora da novela global, Hipertensão; a fenomenal Igreja, cuja letra (comentei no post do Squenta Verão) era meio ofensiva a fé cristã; Polícia e seu estrondoso sucesso e repercussão; quem puder ouvir a versão do Ratos de Porão, pode conferir é sensacional! Continua com Estado Violência (razoável) e a Face do Destruidor, bem pesada (tentativa de soar meio hardcore) e quase não se dá para compreender as palavras que o vocalista pronuncia, acho que é o Sérgio Brito quem as canta.

         A bolacha apresenta a partir daí cinco músicas que escutei tanto que deve ter furado os sulcos do vinil, são elas: Porrada, Tô Cansado, Bichos Escrotos, Família e Homem Primata. Tenho uma história curiosa acerca desta última, sempre iniciava minhas redações desta forma: “Desde os primórdios até hoje em dia...” Achava esse início da música muito épico. Resenhas a parte, eles realmente trouxeram uma acidez e pegada que nenhuma outra banda havia feito, pelo menos do ponto vista comercial, sobretudo, se considerarmos que inúmeras dessas canções tocavam exaustivamente nas rádios, apesar de letras com palavrões (bichos escrotos), violência (porrada) e antirreligiosas (igreja). A trupe paulista se transformou em porta voz de uma turma que queria ouvir algo que soasse mais verdadeiro e contrapusesse o sistema, e dialogasse com uma galera que sentia necessidade de escutar algo que lhe afetasse, na própria língua. Os shows dos caras, dessa época, realmente eram fenomenais, performáticos, imperdíveis!

         O disco fecha com Dívidas e a emblemática O Que, cujo clipe, o inigualável Arnaldo Antunes dá um show.

      No álbum, há vários elementos, rock um pouco mais pesado (Polícia, Bichos Escrotos, Porrada, Cabeça Dinossauro), hardcore (A face do Destruidor) funk (O que), reggae (Família) rock clássico (Homem Primata, Tô Cansado). Além da variedade dos estilos é bom registrar que as letras eram bem sacadas e de pegada cômica e crítica. Isso explica, também, o sucesso atingido pelo álbum, chegou a vender 700.000 cópias até hoje.

      Considero o disco mais marcante do rock nacional, sendo ainda responsável, junto do disco ao vivo do Camisa, como os álbuns que modificaram por completo o alargamento do meu gosto musical. Acho que hoje os caras perderam o sangue nos olhos de outrora, é bem verdade que da formação clássica não restar quase ninguém mais (Branco Melo, Sérgio Brito e Tony Beloto), o que por obvio, lhe retira toda força e vigor. Mas cravo sem medo de errar, Titãs e esse disco em especial mudaram de vez a história do rock brasileiro.

GODOY ANTUNES

 

 

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