Já fui muito apaixonado por futebol. Já não sou, mas continuo acompanhando o noticiário esportivo, que, de quando em vez, nos traz algumas pérolas (como Vinícius Júnior, por exemplo, que deve tomar o reinado de Neymar, que nunca cumpriu o prometido).
Mas não é esse o assunto de agora. A violência, sim, dentro e fora dos estádios, que revive os tristes dias, replicantes e demasiados, em que os torcedores que vão a uma partida devem considerar para valer a possibilidade de não voltar para casa.
Nesses tempos, em que os brasileiros estão mais armados do que nunca – cada cidadão com mais de 25 anos pode ter até 30 fuzis! –, pode se tornar uma temeridade se dispor a gritar pelo time do seu coração tão próximo do gramado.
“O futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso”.
Entender o que nos disse o jogador e ótimo frasista escocês Bill Shanky é compreender o sentido da vida, a relação dos homens com seus iguais e com aquilo que nos desperta e alimenta a paixão.
Os eventos de agora, que chamam a atenção sobre a recrudescente violência no futebol - nosso "capital simbólico" (Pierre Bourdieu) -, impressionam e assustam. Mais do que isso, contradizem os otimistas, que previam o mundo pós-pandemia mais amigável, pacífico e solidário. É apenas um exemplo, entre tantos, que confirma a tediosa e repetitiva essência humana – em qualquer tempo ou lugar.
Aliás, o grande ensinamento sobre o tema vem, sem dúvida, da Primeira Guerra Mundial, que foi deflagrada “para que não houvesse mais guerras”. O que aconteceu depois apenas mostrou como sempre nos iludimos sobre nós mesmos: o bem nunca brota do mal.
A peste do momento está nos deixando, e não nos livramos da besta que habita cada ser humano e que, se não identificada, pode atacar a qualquer momento. Bondade não se ensina no colégio, mas a maldade aprende a se esconder, fica à espreita do melhor momento para agir em nosso nome. As leis existem para que esta permaneça enclausurada pelo medo ou pela vergonha. O que nem sempre conseguem, bem sabemos.
Quem perdeu alguém na pandemia, por Covid ou não, carrega uma dor a mais. Não haverá de ficar melhor só por causa isso. A dor não melhora uma pessoa, se ela não guarda em si a semente de alguma bondade - por mais tímida que ela seja. Sobre o tema, sigo a Biologia: quem vira borboleta é a minhoca, não a serpente.
Seria uma estupidez achar que a nossa espécie é apenas ruim ou boa. O pacote sempre será complexo, e talvez o caminho mais difícil para as sociedades e/ou os indivíduos seja identificar e extrair aquilo que precisa ser mudado para que não viremos uma ameaça potencial ambulante. Mas as mudanças acontecerão sempre cumulativamente (“A natureza não dá saltos”, Darwin).
O futebol não é um ponto fora da curva: ele está dentro da própria curva. A mimetização, uma qualidade tão própria da nossa espécie, faz com que agora seja nessa atividade, por aqui, que o lobo resolveu atacar em bandos – alcateias - após sair da toca hibernal. Mas outras virão, “como as canções e epidemias”.
O mal se replica com mais facilidade, principalmente quando o terreno é fértil. Por óbvio, pessoas boas fazem coisas más e pessoas más fazem coisas boas. O que pode fazer a diferença é a nossa capacidade de enxergar o que se passa e identificar aquilo que precisa ser extirpado, substituído por algo que também guardamos - para o bem coletivo.
A melhor provocação, acho, vem de Tales de Mileto, um dos sete sábios da Grécia Antiga: “O mais difícil é conhecer a si próprio”. Podemos nos defrontar com a mais dolorosa decepção, mas há de ser bem melhor do que espalhar o sumo das nossas misérias - se é que isso nos incomoda.

Ricardo Mota