Obra de autoria do artista plástico Ismael Pereira foi projetada há 53 anos, sendo principal destaque do salão nobre do Clube 

A agressão deliberada pela direção do Clube dos Fumicultores de Arapiraca contra o mural artístico que representa com detalhes, os diversos segmentos da cultura fumageira em Arapiraca, continua sendo alvo de manifestações, apoio ao artista e repúdio das mais significativos e importantes instituições de cultura de Alagoas e do Estado de Sergipe. 

 O autor da obra artista plástico renomado Ismael Pereira, diante do episódio negativo demostra que foi alvo de deliberada agressão artística ao ter um mural mais que cinquentenário de sua autoria literalmente demolido, brutalmente, constituindo-se um flagrante desrespeito à Lei que o considerou patrimônio histórico do Município de Arapiraca,

Na íntegra o parecer do professor e mestre em História Daniel A dos Santos, da Universidade Federal de Sergipe 

O mural artístico de autoria do artista Ismael Pereira, posto em exposição em 1968 (ano de significativa importância para a história dos trabalhadores), que durante décadas esteve exposto no hall principal do clube dos fumicultores, em Arapiraca, AL foi tombado como patrimônio histórico cultural e material do Município de Arapiraca, através da Lei Municipal 3.408 de 27 de janeiro de 2020. Porém, em uma ação de violência sem precedentes, foi violado, ultrajado e destruído em nome do descompromisso com a cultura e com a história de uma das mais importantes cidades do estado de Alagoas. Considera-se importante pontuar que Arapiraca sofre há décadas a ação predatória sobre seus bens culturais e todo o conjunto de signos imagéticosidentitários e históricos, em nome do lucro. Só para pontuar alguns breves exemplos, podemos destacar que o antigo prédio do Cine Trianon, em frente à Praça Marques da Silva foi transformados em uma loja de utilidades. A história de um importante centro de cultura foi aniquilada em nome do “desenvolvimento” do comércio local. Outro prédio que comportava o Cine Triunfo, nas proximidades da Praça da Prefeitura, sofreu ação semelhante e hoje é uma farmácia. Obviamente que uma farmácia oferece à população medicamentos que curam o corpo de diversas enfermidades, mas não podemos negar que a arte e a cultura oferecem possibilidades de curar os problemas que afetam para além do corpo físico, a arte cura a fração metafísica dos indivíduos – também chamada por alguns de alma. Os dois exemplos citados acima ilustram minimamente um dos mais comuns problemas de Arapiraca, a desvalorização da cultura e da história local. Nossa elite econômica é iletrada. Não há compromisso da classe comerciante com a produção cultural. Nossa classe artística não é valorizada como deveria. Isso é o retrato do descaso com nossos elementos culturais, dentre os quais podemos inserir o mural de Ismael Pereira. Classifico a referida obra como uma das mais importantes narrativas 2 imagética/discursiva/cultural e histórica sobre o ciclo fumageiro em Arapiraca, sendo o mesmo posto ao lado do livro sobre a cantiga das destaladeiras de fumo (do mesmo autor). Enquanto historiador tomo a liberdade de situá-lo como um importante Arte(fato) histórico de nossa cidade. Um povo comprometido com sua história é um povo que zela de seus símbolos e monumentos históricos. Cuidar do patrimônio cultural é um dever dos que compartilham de uma determinada cultura. Cultura é patrimônio. E no caso de Arapiraca identifica-se uma espécie de “modernidade confusa” de um centro urbano que não se desprende de aspectos de ruralidade ao mesmo tempo que degrada os símbolos de um passado em nome da promessa vazia de modernidade. Uma espécie hipócrita de “modernidade-arcaísta” na qual o novo é superior ao antigo, mas quando convém o conservadorismo norteia as atitudes. O novo ser valorizado positivamente em oposição ao velho, identificado como ultrapassado, em tempos passados, sempre foi um traço da modernidade que se opunha um ao outro. Considerar o novo superior como forma de disfarçar a real intenção de aniquilação dos elementos do passado é uma pratica cotidiana que pisoteia a história, a memória e a cultura em nome dos interesses nefastos do capital, em especifico, no caso de Arapiraca, do capital comercial atacado/varejista. A arte não é importante se não for transmutada em mera mercadoria. O que não se pode vender, não tem valor para indivíduos pobres cuja única coisa que possuem é o dinheiro. Em minha dissertação defendida há dois anos no programa de pós-graduação em história da Universidade Federal de Sergipe, fiz questão de inserir, enquanto fonte, o referido mural. Há, no corpo do meu trabalho, a imagem de página inteira desse importante elemento artístico que diz muito sobre a cultura de nossa Arapiraca em um tempo pretérito. Em um determinado trecho mencionei que na referida obra, “O artista elabora um ciclo no qual se evidencia uma temporalidade linear no sentido de início, meio e fim. A representação de um ciclo mostrando as etapas do fumo desde o plantio até sua industrialização criaria uma visibilidade na qual, ao observar o quadro, o indivíduo era remetido à relação entre a cidade e o fumo. Na obra é evidenciada a questão laboral indo no sentido de desenvolvimento de um discurso tendo trabalho como elemento a ser observado”. O que significa dizer que a obra não é uma mera construção imagética com o objetivo de demarcar a ação do artista em busca de sua inserção no panteão dos 3 importantes artistas plásticos de Alagoas. A obra retrata o trabalho de homens e mulheres em um dado momento da história arapiraquense. Ou seja, trata-se aqui de um monumento ao trabalho, às trabalhadoras e aos trabalhadores que deram sua parcela de contribuição à história do desenvolvimento da Arapiraca de outrora. Homens e mulheres que podem ser observados na obra sob o sol calcinante do agreste de Alagoas tratando do fumo enquanto elemento de nossa economia. Homens e mulheres que buscavam de forma honesta e honrosa o sustento de suas famílias com a venda da força de seu trabalho. É lícito apagar a memória dessas pessoas? Estamos tratando aqui de um monumento. Todo monumento é rememorativo. Todo monumento é constituído a celebrar um dado momento da história de um povo. Uma obra como a que está se evidenciando nesse parecer tem seu valor histórico intrínseco ao seu valor artístico. Preservar um monumento artístico é preservar a identidade de um povo, e isso é manter viva sua história. Cuidar da história é compromisso de todo e qualquer indivíduo histórico. Não se pode admitir que os monumentos, verdadeiro patrimônio, signos identitários, elementos de cultura, repositórios afetivos de nossa cidade sejam portos abaixo em nome da nefasta lógica do mercado que degrada tudo e a todos. Portanto, enquanto historiador, ressalto a importância do mural artístico de Ismael pereira como importante monumento histórico e cultural de Arapiraca. Enquanto símbolo de uma coletividade representada na comunidade local. Permitir a violação e aniquilação de tal arte(fato) é concordar com o apagamento da história local, pois já não nos restam muitos símbolos de tal importância. Um povo que não preserva sua história, sua cultura e sua memória corre sérios riscos de se tornar povo sem importância alguma. A história de um povo também mora na atitude de seus artistas. Manter nossa história viva é dever de todos nós. Permitir a degradação de nossa história é ser conivente com o que pior da modernidade, o silenciamento das vozes do passado histórico. Arapiraca, Alagoas, 23 de Março de 2022. Mestre em história pela Universidade Federal de Sergipe. Historiador e Professor