Com o início da vacinação de crianças contra a Covid-19 no Brasil, surgiram inúmeras dúvidas sobre a obrigatoriedade da aplicação do imunizante nesse público-alvo. A situação fez com que uma discursão se iniciasse no Governo Federal que, em um primeiro momento, chegou a pedir que houvesse uma requisição médica e autorização dos pais ou responsáveis para que os menores de idade pudessem ser vacinados.
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandoski, decidiu em favor do que está definido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece normas para proteger o direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes. Em contrapartida, para o Governo Federal, o ECA só determina a vacinação como obrigatória as vacinas que são reconhecidas pelo Ministério da Saúde e incluídas no Plano Nacional de Imunização.
Considerado como um dos sistemas de vacinação mais evoluídos do mundo, o Brasil possuía um alto índice de aceitação de imunizantes, que passaram por períodos difíceis como na Revolta da Vacina. Até os dias atuais, pouco se questionava sobre a eficácia da vacinação ou de uma vacina específica. Para o advogado especialista em direito criminal Leonardo de Moraes, o que se nota é uma inversão e mistura entre ideologia, ciência e legalidade. “As vacinas, quando são aplicadas, geram consequências. Mas esses efeitos colaterais são toleráveis frente à consequência positiva que a vacina deve causar”, opina.
Através do ECA, algumas vacinas se tornaram obrigatórias, passando por um regramento legislativo feito pela Lei 6.259 de 1975, que instituí o Programa Nacional de Imunização. A lei prevê diversas vacinas que garantem a saúde e bem-estar das crianças. Além disso, quando a vacinação é considerada obrigatória, ela deve ser aplicada especialmente em crianças e adolescentes.
Desta maneira, a legislação afirma que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”, sendo a Anvisa o órgão sanitário e de saúde de maior autoridade do Brasil. “Assim, a responsabilidade do Ministério da Saúde é a compra, licitação e divulgação da vacinação que já foi aprovada pela Anvisa”, explica o advogado.
A violação ao dever de vacinar gera consequências nos âmbitos dos direitos penal, civil e administrativo que tem fundamentação legal baseado no próprio ECA. “Parte-se muito da premissa que a vacinação e a sua aplicação é algo facultativo para as famílias, mas não é. As vacinas que são facultativas, pelo próprio sentido da palavra, os pais podem ou não aplicar, mas existem vacinas que são obrigatórias. Se for esse caso, não há opção para os pais em não vacinar. A mesma coisa ocorre com a votação obrigatória”, exemplifica Leonardo de Moraes.
Nesse caso, como a vacinação busca proteção à saúde não só própria, mas também de outras pessoas, o interesse coletivo se sobrepõe ao individual, não podendo recorrer a esse direito.
A legislação estabelece várias consequências que atingem os mais variados âmbitos do direito para fins de “forçar” a pessoa a ser imunizada. A primeira delas, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo qual os pais que não queiram vacinar podem receber uma multa que vai de 2 até 20 salários mínimos. Além disso, os pais podem perder a guarda e o poder familiar em relação aos filhos menores de idade.
Do ponto de vista do direito administrativo, as escolas públicas e privadas ganham autonomia para estabelecer se a criança pode ou não estar naquele ambiente e participar das aulas caso ela não apresente o cartão de vacinação. No entanto, as matrículas não podem ser evitadas.
Os programas assistenciais também trazem em seu conteúdo que a vacinação de crianças e adolescentes precisa estar em dia. O advogado criminalista salienta que se o cartão impõe que a vacina da Covid, por exemplo, seja colocada como obrigatória, a sua não aplicação pode levar ao fim do benefício.
Além disso, há também o efeito criminal, quando o fato dos pais não vacinarem os seus filhos pode se enquadrar como crime de maus tratos, com pena que pode chegar até 2 anos de prisão.
Por fim, o artigo 227 da Constituição Federal também estabelece que família, sociedade e Estado devem garantir às crianças, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde, dentre outros direitos.
Hoje, além da discussão sobre a vacinação obrigatória, há o incremento de vários elementos que envolvem ideologias, pessoas que não têm autoridade na matéria, mas sistematicamente se envolvem e tecem suas opiniões, além de vídeos que visam confundir a população sobre a vacina recheados de Fake News. Algo que pode ser considerado muito mais robusto e complexo que na época da Revolta da Vacina, levando em conta que as notícias falsas são uma realidade e são espalhadas pelas redes sociais sem limites.
“Há erros do passado que eram cometidos porque a gente tinha dificuldade de informação, hoje é diferente. É preciso que as pessoas procurem se informar em veículos sérios e com o compromisso da verdade e não simplesmente ir pela ideologia ou influências por algumas autoridades. É algo triste que se percebe que aconteceu antes e que hoje vem sendo repetido”, finaliza do advogado.