Em Alagoas, o uso de câmeras acopladas aos uniformes de policiais militares tem sido discutido após a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional Alagoas ter acionado a Corregedoria da Polícia Militar para cobrar providências sobre denúncias de abordagens agressivas. Ao CadaMinuto, especialistas falaram sobre os impactos no cotidiano da população, policiais e possíveis mudanças do ponto de vista jurídico.
Conforme a OAB, além de acionar a Corregedoria da PM, foram encaminhados ofícios com Termos de Declarações das vítimas das supostas abordagens para o Ministério Público Estadual (MPE) e para o Delegado-Geral da Polícia Civil, solicitando o acompanhamento desses casos.
De acordo com os dados da Comissão, somente em 2022 foram registradas cinco acusações de supostos abusos praticados por policiais e uma morte em confronto.
Cidadãos e policiais
O presidente da Comissão de Estudos Criminais da OAB, Marcelo Herval, explica que a implantação de tecnologias de videomonitoramento na rotina de trabalho dos policiais militares se apresenta como uma dúplice garantia.
Para Herval, a implantação é vista como uma garantia aos cidadãos, evitando que ocorram abusos e arbitrariedades por parte dos agentes de segurança pública, uma vez que todas as ocorrências passarão a ser registradas.

Ele destaca ainda que além disso, as câmeras se apresentam como uma garantia aos próprios policiais, resguardando a legalidade da atuação e podendo servir como elementos de prova acerca de práticas criminosas.
“Fundamentalmente, o que se deseja é coibir a violência e letalidade policial, proporcionando mais segurança e transparência em relação ao trabalho da polícia”, diz.
Já o defensor público e professor em Direito Constitucional, Othoniel Pinheiro, acredita que há uma inquietação por parte de alguns policiais, ao julgarem que essas câmeras podem lançar uma fiscalização mais abusiva em seus trabalhos, de forma a sujeitá-los a mais procedimentos nas corregedorias. “Mas esse tipo de raciocínio decorre de uma análise muito superficial da situação”.
“Para mim, é muito evidente que as câmeras instaladas nos uniformes dos policiais vão dar mais segurança para a própria corporação, uma vez que possíveis reações injustas de pessoas abordadas estarão sendo filmadas, de forma que tais reações serão bem menores acaso o abordado saiba que tudo está sendo gravado”, explica.
O professor diz, ainda, que a filmagem ficará como prova a favor do policial em caso de ferimentos ou mortes resultantes das trocas de tiros. “Há relato de um policial em Santa Catarina (onde a medida já está sendo adotada) que só conseguiu provar a legitima defesa porque a câmera de seu uniforme tinha filmado tudo o que aconteceu”.

Já sob o ponto de vista da segurança da população, Othoniel declara ter sido constatado nos estados onde as câmeras foram instaladas nos uniformes dos policiais, que houve uma enorme diminuição de mortes decorrentes da atividade policial. “Ou seja, o mau policial ficará com grande receio de cometer abusos de autoridade nas periferias porque sabe que tudo está sendo filmado pelo seu próprio uniforme ou o de seu colega”.
Violência e letalidade da polícia
O presidente da Comissão de Estudos Criminais aponta um estudo onde a utilização de câmeras em uniformes e viaturas policiais diminui significativamente a violência e letalidade da polícia.
“Em São Paulo, por exemplo, que incorporou a tecnologia em 18 batalhões, o número de mortes decorrentes de atividade policial caiu em 46%. No primeiro mês em que a tecnologia foi implementada, o índice de letalidade policial, naqueles batalhões, caiu para zero”.
Questionado sobre a necessidade de registros mais concretos acerca do padrão de comportamento dos policiais, o advogado salienta que o Brasil possui uma das forças policiais que mais mata ― mas, também, que mais morre.
Marcelo pondera que o registro e a documentação das ocorrências policiais visa a modificação desse cenário, trazendo maior segurança ao agente de polícia e à população em geral. As imagens também poderão ser utilizadas pela Justiça como prova da prática de crimes, auxiliando no esclarecimento e na responsabilização criminal de quem tenha cometido algum delito.
“A partir do registro em vídeo das abordagens realizadas pela Polícia, será possível averiguar se o protocolo do uso de força progressivo foi corretamente seguido, ou se eventualmente houve o cometimento de algum abuso por parte do agente policial”, explica.
Para Othoniel Pinheiro, o projeto será positivo, pois dará mais transparência e legalidade às ações policiais. Ele destaca que a medida está reduzindo o número de mortes por ações policiais nos estados em que a medida foi adotada.
“Não custa nada lembrar que o Brasil está entre os lugares mais violentos das Américas e os integrantes de suas forças de segurança, entre os que mais matam e morrem no mundo. Nesse panorama, o projeto de videomonitoramento trará mais segurança para a população, para os próprios policiais e para a apuração dos crimes cometidos ou presenciados pelos policiais”, ressalta.
O que diz a legislação?
A Legislação Brasileira impõe a necessidade de que haja respeito à cadeia de custódia da prova e que todos os elementos relacionados a um crime sejam cuidadosamente armazenados e processados segundo as exigências legais.
Dessa maneira, o advogado pondera a necessidade de assegurar que as imagens captadas pelas câmeras instaladas nos fardamentos policiais possam estar livres de qualquer tipo de manipulação por parte das forças de segurança pública.
Para Herval, é preciso evitar que os equipamentos possam ser desligados pelos próprios agentes de segurança, garantindo que as imagens sejam devidamente armazenadas e hospedadas. Além de que é fundamental assegurar que o material coletado pelas câmeras de monitoramento não seja indevidamente publicado. “Poderia gerar prejuízo à imagem dos envolvidos e à própria presunção de inocência constitucionalmente garantida”, finaliza.
Da perspectiva jurídica, Pinheiro aponta que os registros das câmeras terão grande valia probatória nos inquéritos policiais e nos processos penais que apuram os crimes cometidos antes ou durante as ações policiais.
“Se aconteceu um homicídio, um tráfico de drogas ou uma violência doméstica, a câmera instalada nos uniformes dos policiais poderá fornecer elementos essenciais para a apuração dos fatos, uma vez que a simples prova testemunhal do policial poderá ficar um pouco prejudicada pela própria falha humana de recordação daquilo que aconteceu”, destaca.
“A própria versão testemunhal do policial poderá ser contraditada por versões diferentes de populares de modo que a filmagem poderá tirar toda a dúvida daquilo que realmente aconteceu. Nesse cenário, o bom policial estará protegido e incentivado a trabalhar sem medo de tomar atitudes corretas diante de reações injustas”, completa o defensor.
Diante de novas denúncias de suposta violência policial, o representante do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) e promotor de Justiça, Magno Alexandre Moura, reforçou a necessidade de serem instaladas câmeras no fardamento dos militares que estão atuando no policiamento ostensivo nas ruas para garantir mais segurança para cidadãos e policiais.
“Além de prestigiar o princípio constitucional da eficiência na administração pública, tendo em vista que a própria polícia poderá revisar os atos praticados por seus agentes. Estados que assim já o fazem, a exemplo de São Paulo, conseguiram reduzir consideravelmente o número de letalidade policial com câmeras em uniformes”, garantiu.
A reportagem do CadaMinuto procurou a Corregedoria da Polícia Militar e também o Comando da Corporação para falar sobre o assunto, mas até o fechamento desta matéria não houve pronunciamento.
Caso
O caso mais recente registrado em Maceió ocorreu com o casal Marcelo Vieira e Jaqueline Souza está denunciando que foi vítima de violência policial, no dia 22, na porta da casa deles, na comunidade da Grota do Neno, no bairro do Feitosa. Segundo eles, integrantes de uma guarnição da Rotam teriam acusado Marcelo de ter roubado o celular que estava com ele.