O afundamento do solo causado pela mineração em Maceió afetou quatro bairros e, ao mesmo tempo, agravou um outro problema conhecido da população: a mobilidade urbana. Com os bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro e Mutange praticamente vazios, o transporte público desfez rotas de ônibus, e linhas precisaram ser extintas ou alteradas.
Todo maceioense sabe que vias importantes foram fechadas, como a General Hermes --que liga o Mutange à Levada, próximo quase que às margens da lagoa Mundaú.
A mudança no transporte público trouxe consequências para os passageiros e rodoviários: o trânsito mais caótico (principalmente na Avenida Fernandes Lima e Durval de Góes Monteiro), mais gasto de combustível e, claro, mais tempo para o passageiro chegar ao destino.
Estudante andava 22 minutos
O estudante Ronny Vieira, de 27 anos, morava na Rua General Hermes, no bairro Bom Parto, e disse que foi muito prejudicado com o fechamento da via. “Eu ainda estava estudando na Ufal quando bloquearam a pista, os ônibus e os trens pararam de circular”, dz.

A rotina de Ronny mudou, e todos os dias ele precisava ir andando até o Cepa, no bairro do Farol. O trajeto durava cerca de 22 minutos a pé.
“Eu subia a ladeira para poder pegar um ônibus. Nós ficamos também com dificuldades para ir a Bebedouro, que fazíamos em no máximo cinco minutos. Agora passou a durar 20 a 25 minutos se for de carro”, explicou.
O estudante disse que os moradores do Bom Parto se revoltaram porque não foram informados do bloqueio. “Na época, os ônibus pararam de circular e os carros que entravam, eram os dos moradores. Tudo isso sem aviso prévio. Ficamos revoltados e fizemos protestos na época”.
Quem também passa pela mesma situação, sendo que em outro bairro, é o estudante Clemens Skreije, de 20 anos, morador do Pinheiro. Ele disse que precisa andar do Pinheiro até a Avenida Fernandes Lima para pegar os ônibus que vão para a parte baixa da cidade.
“Ficou muito complicado depender de Uber para sair de casa, quase não passa ônibus e os que passam demoram muito. Sempre que preciso ir para parte baixa da cidade tenho que andar até a Fernandes Lima porque lá passa mais opções”, conta.
Clemens mora no bairro com sua família desde que nasceu e relata que entre as diversas dificuldades enfrentadas diariamente pelos moradores do bairro a mobilidade urbana foi uma das mais afetadas.
“Já é bastante difícil para gente continuar aqui, foram diversos problemas que os moradores enfrentaram depois da Braskem, e a falta de ônibus com certeza é uma das principais”, citou.

Rodoviários sentiram o impacto
Os rodoviários também sentiram esse impacto causado pela mineração. Segundo a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), devido à subsidência do solo nos bairros do Pinheiro, Mutange, Bom Parto e Bebedouro, 10 linhas foram extintas. São elas:
025 – Sanatório/Centro
055 – Chã Nova/Centro (via Bebedouro)
059 – Rio Novo/Centro (via Bebedouro)
060 – Chã da Jaqueira/Centro
064 – Rosane Collor/Centro (via Bebedouro)
071 – Osman Loureiro/Centro (via Bebedouro)
608 – Gruta de Lourdes/Maceió Shopping
609 – Vila Saem/Maceió Shopping
618 – Gruta de Lourdes/Cruz das Almas (via Ponta Verde).

Ainda conforme a SMTT, outras nove tiveram seus itinerários modificados, como a linha Gruta de Lourdes/Centro ou Gruta de Lourdes/Ponta Verde, que saíram do Terminal do Sanatório e foram para o Terminal da Rotary, na Gruta de Lourdes.
Quem passa pelo bairro do Pinheiro sente uma sensação de tristeza. É o caso do motorista Letício Montenegro da empresa Cidade de Maceió. O condutor trabalha há 13 anos como motorista e disse que nunca viu “uma situação como a dos bairros atingidos pela mineração”.

Único ônibus da empresa que passa pelo Pinheiro
Letício dirige o Vila Saem/Centro que é a único ônibus da empresa Cidade Maceió que ainda passa pelo Pinheiro. Segundo ele, os pontos de ônibus estão sempre vazios e são poucos os passageiros que sobem no coletivo.
“É uma tristeza. Antigamente conhecia os passageiros, era amigos de todos, mas agora não se tem mais isso. Todos se foram”, conta.
O motorista também disse que como o bairro do Pinheiro está vazio, alguns condutores passam por lá para fugir do trânsito, que ficou ainda mais congestionado desde o fechamento dos bairros.
“O trânsito ficou mais caótico, e os motoristas que passam por lá não respeitam mais a sinalização das placas, passam correndo. Lá se tornou uma rota de fuga”, ressaltou.
Em média, antes da situação dos bairros, o motorista disse que pegava cerca de 350 passageiros por dia. Hoje, a situação mudou. “Pego de 50 a 60 passageiros. Isso também traz prejuízos financeiros para a empresa”.
Impactos e pesquisa
Os impactos urbanos do afundamento do solo se dão em mais dinâmicas urbanas da cidade. Ouvida pelo Cada Minuto, a professora Caroline Gonçalves dos Santos, arquiteta e urbanista e doutora em Desenvolvimento Urbano (UFPE) desenvolve uma pesquisa chamada “Subsidência do solo em bairros de Maceió-AL: a atuação dos agentes produtores do espaço na reestruturação urbana da cidade.”

Ela explica que a remoção de mais de 55 mil pessoas, e o consequente deslocamento, implicou em mudanças nas redes de vizinhança, nos usos de determinados equipamentos urbanos, que passou a se dar em outra parte da cidade, para deslocamentos ao trabalho, lazer ou ida ao comércio.
Ela lembra ainda que houve perdas também no trecho onde passava o VLT (Veículo Leve sob Trilhos), que é uma alternativa mais barata que o ônibus.
“Ou seja, modificou as relações e interações com a cidade, que implica na mobilidade urbana e que ainda não estão sendo sentidas em sua amplitude uma vez que o home office colocado pela pandemia ainda é uma realidade”, explicou.
A arquiteta aponta que as pessoas já saíram de suas casas e, mesmo que ainda provisoriamente em um novo endereço, a cidade está se reorganizando. Ela alerta que é preciso que haja uma reestruturação urbana orientada.
“Isso se dá sobretudo pelo plano diretor, a fim de que se indiquem as áreas passíveis de urbanização, o quanto se pode adensar, onde pode verticalizar, onde limitar, conforme com às condições impostas a cidade pela atividade de mineração”, comentou.
A professora reforça que a mobilidade urbana está toda comprometida e não é apenas na parte alta da cidade.
“Antes da percepção do afundamento dos bairros, o sistema viário da cidade de Maceió revelava-se pouco integrado entre os três eixos estruturais, o que demandou estudos para aberturas de vias e alternativas de conexões, como o eixo CEPA e o eixo Quartel. Mas o eixo CEPA foi inviabilizado depois da interdição de várias ruas nos bairros atingidos”, afirmou.
Caroline acredita que essa redução no impacto no trânsito será de longo tempo. “É necessário planejar, orientar a reestruturação urbana da cidade, dimensionar e redistribuir os equipamentos urbanos a partir dos novos locais de moradia, que por sua vez, devem ser também orientados quanto a taxa de adensamento. O plano diretor é o principal instrumento que orienta o uso e a ocupação do solo; portanto, é urgente que se apresente um novo plano adequado à nova realidade da cidade”, justificou.
Braskem se posiciona
Em nota, a Braskem informou que um termo de acordo socioambiental, assinado em dezembro de 2021, entre a Braskem e o Ministério Público Federal (MPF), com participação do Ministério Público Estadual, prevê ações que incluem o diagnóstico e, posteriormente, medidas de reparação, mitigação ou compensação dos impactos ambientais, além de reparação urbanística, preservação do patrimônio histórico e cultural, ações de mobilidade urbana, compensação social e indenização para danos coletivos.
*Estagiárias sob a supervisão da Editoria