O isolamento social adotado há mais de um ano como principal medida de prevenção contra o novo coronavírus provocou grande impacto na vida de milhares de pessoas. Para crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é ainda mais difícil. Isso porque suas rotinas foram transformadas devido às alterações no cotidiano.
O Dia Mundial de Conscientização do Autismo é celebrado nesta sexta-feira (2), com o objetivo de informar a população sobre o transtorno e assim reduzir a discriminação e o preconceito que atingem diariamente essas pessoas.
Ao Cada Minuto, a neuropsicóloga clínica e especialista em saúde mental com ênfase nos TEA, Fabiana Lisboa, falou que familiares relataram que muitas crianças tiveram alterações comportamentais desde o início da quarentena, principalmente, dificuldades em relação à interação social.
“Foram apresentadas alterações no sono e na alimentação, alguns tiveram regressões em algumas habilidades sociais, muitas famílias presenciaram comportamentos agressivos e aumento de ansiedade”, explicou.

Padrões ritualizados
A especialista contou que dentro dos critérios de diagnóstico para pessoas com TEA existem os padrões com interesses fixos e intensos, dificultando a flexibilização na rotina e demonstrando alterações no comportamento.
“Vão ter padrões ritualizados de comportamentos com uma dificuldade muito grande para flexibilizar, então quando a rotina foi quebrada muitas crianças, jovens e adolescentes apresentaram alterações no comportamento, por conta dessa quebra brusca de rotina”, pontuou a neuropsicóloga.
De acordo com a profissional, é necessário elaborar uma rotina para a criança com horários específicos para se alimentar, dormir e ser estimulada. “Ter uma rotina clara e previsibilidade ajuda as crianças entenderem o que se espera delas durante o dia, diminuindo a ansiedade”, enfatizou.
Além das crianças, familiares também sofreram com a quebra na rotina para se envolver de forma intensiva no tratamento dos filhos em contato com a equipe multidisciplinar e terapeutas.
“Mesmo em domicílio é necessário elaborar atividades no nível em que a criança está. Entender o que pode ser feito, como pode ser feito e se apropriar cada vez mais de conhecimentos que possam levar essa família a conduzir essa pessoa dentro de casa sem maiores alterações comportamentais”, aconselha Fabiana.
Terapia
Fabiana alerta que o tratamento deve continuar mesmo que de forma remota para a família compreender quais os objetivos terapêuticos para o filho, receber orientação e ser treinada para conseguir interagir e estimular a criança em casa. Para ela é extremamente importante que mesmo online pessoas com TEA possam ter intervenção e não parar de vez com as estimulações na rotina.
“Quem vai para o teleatendimento é a família, ela recebe toda orientação, o programa a ser realizado durante aquela semana com a criança, elabora atividades de estímulo e manda para equipe os resultados através de vídeos daquilo que foi possível de ser realizado”, diz.
Sobre o déficit de interação social, ela explica que perfis de crianças e adolescentes com transtorno grave precisam de intervenção intensiva semanalmente ou diariamente com a equipe, no entanto as famílias estão com dificuldade de levar essas pessoas para o tratamento ou por medo do próprio vírus.
“A maioria tem dificuldade de ficar sentado para fazer um teleatendimento em frente a um computador, aí a família tem que dar conta disso, ser treinado, ser orientado para conseguir estimular o filho”, explica.
Dificuldades
Nesse período de pandemia, os cuidados com a higiene pessoal e as medidas de enfrentamento do novo Coronavírus continuam, uma delas é o uso obrigatório de máscaras em todos os espaços. No entanto, existem características do autismo que dificultam a adoção de medidas preventivas para o combate à Covid-19.
“Existem as questões sensoriais que estão dentro do espectro, muitas crianças dentro do espectro não vão conseguir usar máscara ou passar álcool em gel pelas alterações no processamento sensorial”, pontua a neuropsicóloga.
Além disso, em todo país existem leis aprovadas que dispensam o uso de máscaras de proteção facial para pessoas com transtorno do espectro autista. “Muitos têm dificuldade de lavar as mãos, a gente percebe o impacto e o uso da máscara, mas temos uma lei específica que não obriga o uso para pessoas dentro do espectro por entender essa questão sensorial, esse transtorno sensorial de processamento nessas crianças”, finaliza.
Conscientização e inclusão
Para Monica Ximenes, presidente da Associação de Amigos do Autista de Alagoas (AMA/AL), é necessário conscientizar a sociedade sobre o respeito ao espectro, empatia, inclusão e acolhimento às famílias.
“É preciso compreender e se colocar no lugar do outro. Compreender as diversas situações que os pais enfrentam no contexto social e ajudar, sem recriminar. Conscientizar sobre a necessidade de tratamento adequado, com tempo necessário e com métodos, técnicas, programas e estratégias baseadas em evidências”, diz Monica.
Além da conscientização, outro fator importante é o direito a todas as políticas de inclusão do país -entre elas, as de educação.
“Diversas iniciativas têm acontecido, em todo o país, em cidades grandes e pequenas, para garantir o acesso e permanência de pessoas com TEA na escola. Professores têm se interessado em formação sobre educação especial, sobre adaptação de currículo e de material. Mas ainda falta muito. As escolas precisam se adaptar para acolher a pessoa com autismo, e não o contrário”, alerta a presidente.
*Sob a supervisão