Trocar uma reunião de família por um plantão, estudar em tempo integral, deixar o lazer de lado por causa de uma prova. Essa é a vida de quem escolhe o curso de medicina. Em uma geração marcada pelo excesso de atividades diárias, muitas vezes, quem estuda e se dedica ao curso chega a viver uma rotina estressante, deixando de lado a saúde mental. Algumas profissões exigem mais dos alunos quando comparadas às outras. 

Por causa disso, um Projeto de Lei do Senado (PSL) 157/2017 quer obrigar as instituições de ensino superior a oferecerem assistência psiquiátrica e psicológica aos estudantes de medicina e médicos residentes.

De autoria da senadora Maria do Carmo (DEM-SE), o projeto tem como objetivo assegurar a assistência emocional e psicológica para esses estudantes que passam por altos nívis de estresse.

A residente em psquiatria Camila Carvalho, 29 anos, concorda com o projeto de lei, mas disse que como residente ela não recebeu nenhuma assistência psiquiátrica ou psicológica oferecida pela instituição. 

Camila também disse que durante o quarto período da faculdade foi diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada que foi causado devido ao estresse da rotina do curso.

"Precisei procurar assistência fora da Universidade, pois não sabia que existia dentro da minha instituição. Todas as unidades de ensino deveriam ter assistência psiquiátrica e psicológica para os alunos, só assim, poderíamos ter uma visão mais ampla das doenças mentais que os estudantes podem ter e eles seriam avaliados para que esse índice de problemas mentais diminuíssem", contou.

Camila disse que o regime de residência médica exige muitas horas de trabalho e dependendo do serviço ou especialidade, as situações de estresse e as horas trabalhadas são maiores.  "Residências em especialidades cirúrgicas possuem uma carga emocional e física maior do que as residências em especialidades clínicas", ressaltou.

A residente também enfatizou que o curso em si exige bastante e por isso, comparado aos outros os estudantes possuem pré-disposição a doenças mentais. "O curso de medicina possui uma carga horária maior que outros cursos, o horário é integral para a maioria deles, além disto, precisamos abrir mão de estar com nossa família para ficar nos plantões, deixamos de lado até o nosso lazer".

O aluno do 3º período de medicina da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que prefere não ser identificado, afirmou que considera o projeto de lei necessário e que os momentos de ansiedade são constantes durante o curso. Segundo ele, existe uma cobrança da própria sociedade para que os alunos de medicina não errem, e que isso acaba sendo refletido dentro do espaço acadêmico.

“Acho necessária a medida por que durante todo o curso a gente passa por momentos constantes de ansiedade e não falo só por mim. Particularmente, nunca imaginei ficar assim ou passar mal antes de provas, como já passei. Acho que a questão é que todos esperam que nós sejamos os melhores sempre, pois o médico é quem está na linha de frente da saúde. Imagino que a sociedade espere assim, e que isso seja refletido dentro da instituição” afirmou.

Ainda de acordo com ele, outro fator decisivo na questão emocional dos alunos é a concorrência dentro do próprio curso. “As notas geralmente são mandadas para o email da turma antes da divulgação oficial, e todos veem a de todo mundo. Existe uma concorrência muito grande, e acho que isso impacta na questão do emocional. Até os próprios professores esperam que nós não tenhamos erros ou notas ruins, acho que por medicina ser um curso muito concorrido” explicou ele.

O aluno também relatou que a carga horária integral é outro fator de agravo, e que espera que a medida seja ampliada para todos os cursos que apresentem demandas grandes ou situações parecidas.

“Acho que a demanda pode até ser grande por parte dos alunos de medicina, mas também deveria ser disponibilizado para todos os cursos que apresentarem problemas semelhantes. A Ufal já oferece atendimento psicológico, mas o psiquiátrico também é importante, principalmente para os alunos que ficam o dia todo na faculdade” concluiu.

Falta diálogo das instituições

Já o aluno Marcos Gonçalves, do 4º período de Medicina, relatou que precisou de atendimento algumas vezes, e que muitos de seus amigos também. “A gente fica sem saber o que fazer as vezes, sabe?  O curso é o dia inteiro e quando chegamos em casa temos que estudar. Às vezes me sinto sufocado, por isso já precisei de atendimento. Vários amigos meus também, já perdi até a conta” disse.

Para Marcos, além do atendimento, as universidades deveriam se preocupar com o diálogo a respeito do problema. “Não basta só ter atendimento, o modo de ver os alunos devia mudar um pouco. Não somos máquinas, e estar nessa posição só nos afunda. Muitas vezes tenho vontade de desistir, ou me sinto um nada. Não acho que se resuma só a medicina, por isso penso que todas as faculdades deviam se interessar pelo diálogo sobre o problema como um todo” afirmou.

O que dizem as instituições?

O Cada Minuto entrou em contato com as três principais instituições de Maceió que oferecem o curso de medicina: o Centro Universitário Tiradentes (UNIT), Cesmac e Ufal. Dos três, duas delas informaram que oferecem assistência psicológica, mas não psiquiátrica. A Ufal não respondeu aos questionamentos encaminhados pela reportagem.

Segundo a Unit, a instituição oferece o Núcleo Psicológico e Psicosocial (Naps), onde qualquer aluno [independente do curso] pode ser atendido por uma pedagoga, psicológa ou assistente social nas demandas que ele precisar. 

Na Unit há uma clínica de psicologia onde o aluno ou até a comunidade em geral pode escolher ser atendidos pelos psicológos que estão terminando a faculdade. O serviço é gratuito.

O coordenador do curso de medicina do Cesmac, André Falcão, disse que a faculdade foi notificada do projeto, mas garantiu que já existe assistência psicológica, porém, o Cesmac está aprofundando ainda mais para garantir uma boa saúde mental aos alunos.

"No curso de medicina do Brasil vemos até casos de suicídio. Nós estamos com um projeto para aprofundar e queremos colocar assistência psiquiátrica. Estamos também com um projeto de prevenção que é para reduzir estresse e diminuição de gatilhos para problemas mentais. Queremos colocar práticas integrativas: como meditação e acunputura. Devemos pensar em cuidar do aluno antes que ele adoeça", confirmou André.

*Estagiária