A tecnologia é um caminho sem volta. Mas, se por um lado, milhares de aplicativos, jogos e vídeos ajudam no desenvolvimento das crianças e democratizam o acesso à cultura, a lista de prejuízos oriundos do uso excessivo desse aparato também é enorme, englobando desde obesidade a distúrbios do sono, sem contar com os perigos inerentes ao próprio mundo online em si, como o cyberbullying.

O percurso até o futuro pode ser mais seguro para nossas crianças e adolescentes? A reportagem do CadaMinuto foi em busca de exemplos e possíveis respostas para a pergunta que, não sem motivos, tem tirado o sono de pais, responsáveis e especialistas em todo o mundo.

Segundo o documento “Situação Mundial da Infância 2017: Crianças e Adolescentes em um Mundo Digital”, divulgado em dezembro do ano passado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), um em cada três usuários de internet no mundo tem menos de 18 anos. Apesar dessa presença maciça, a proteção e segurança dos menores no mundo digital ainda são falhas.

O relatório serve de mais uma alerta ao destacar que os setores públicos e privados não acompanharam a mudança na forma como a geração nascida no novo milênio passou a interagir no mundo online, expondo crianças e adolescentes a novos riscos e deixando para trás os menos favorecidos.

O documento aponta que a presença maciça de dispositivos móveis tornou a navegação online dos menores menos supervisionada e, consequentemente, mais sujeita a riscos, a exemplo do uso indevido de informações privadas, acesso a conteúdos impróprios, abuso sexual e cyberbullying.

"A internet foi concebida para adultos, mas é cada vez mais usada por crianças, adolescentes e jovens – e a tecnologia digital afeta cada vez mais a vida e o futuro deles. Sendo assim, as políticas, práticas e produtos digitais devem refletir melhor as necessidades, as perspectivas e as vozes das crianças e dos adolescentes", destacou o diretor-executivo do Unicef, Anthony Lake.

No geral, especialistas em todo o mundo são unânimes: é preciso restringir o tempo gasto em frente aos aparelhos eletrônicos, acompanhar de perto a vida digital dos menores e estimular atividades desconectadas.

Malefícios

“Perda de concentração para as atividades laborais, perda de interesse pela vida social, isolamento social, aumento da vulnerabilidade frente à internet, com grupos sem lei nem restrição, perda de qualidade e quantidade de sono, de apetite, aumento de peso e distúrbios do humor”. Dessa forma, a psicóloga clínica e organizacional, Denyse Moura, pontuou os principais malefícios que o uso ilimitado da tecnologia provoca em qualquer pessoa, principalmente em crianças e adolescentes, cujas personalidades ainda estão em formação.

Para ela, a luz de alerta de que o excesso de “conectividade” está sendo prejudicial para os menores começa com os sinais da ansiedade pelo objeto do desejo (sejam os jogos, tablet, computador, celular ou TV), tirando da criança o interesse por outras atividades.

A psicóloga destacou que o equilíbrio é a chave para evitar excessos, sem privar os filhos do mundo digital. “O equilíbrio é algo que se constrói com base no amor, na confiança e, sobretudo no diálogo. A família precisa conversar, saber que há regras familiares que precisam ser seguidas e convenções sociais que precisam ser respeitadas, caso contrário, teremos adolescentes infantilizados e depois adultos inadequados”.

Questionada pela reportagem sobre o fato de muitos pais e responsáveis exagerarem em frente às telas, agindo como se os aparelhos tecnológicos, especialmente os celulares, fossem uma extensão do próprio corpo, Denyse explicou que, é também pelo exemplo que se educa, mas é preciso entender que há limites diferenciais entre os comportamentos de um adulto e o de uma criança.

“Se assim não fosse, todo pai alcoolista teria filhos com dependências. Uma das funções dos pais e educadores, tão importante quanto amar, é colocar limites para que se tenha adultos equilibrados e com condições de enfrentar as frustrações impostas pela vida, sem sucumbir às dependências”, orientou.

Denyse Moura falou ainda sobre como os responsáveis devem lidar com a vida “online” dos filhos adolescentes: “Não acredito que pai e mãe ‘invada a privacidade dos filhos’. Eles estão, na verdade, cumprido seus papéis de autoridade e de guias dos pequenos ainda imaturos. A ideia de invasão de privacidade deve ser levada em conta entre amigos, parentes distantes, conhecidos, colegas, mas nunca entre pais e filhos”, concluiu.

 Psicóloga Denyse Moura

 

Tênue equilíbrio

Pais de dois meninos, de seis e quatro anos, o casal João Carlos de Albuquerque e Claudia Gerbase é um dos que lutam para manter o equilíbrio “digital” dentro e fora de casa. “É preciso muita paciência para resistir ao impulso de trocar alguns minutos de sossego por um tablet nas mãos deles, que são apaixonados por tecnologias, como a maioria das crianças, mas sabemos dos riscos da exposição exagerada e evitamos ao máximo”, contou João, que é servidor público.

Segundo ele, os tais minutos em frente aos aparelhos eletrônicos onde os filhos podem se distrair com filmes, músicas ou jogos online, ocorrem apenas quando a família está em um ambiente, um restaurante, por exemplo, onde não há outras opções para as crianças, como um parquinho.

“Só entregamos o celular ou o tablet nesses casos e, mesmo assim, por um tempo reduzido e monitorado. Às vezes, eles querem deixar de brincar com outras crianças ou com brinquedos para ficar em frente à tela, mas não permitimos e não adianta choro. É difícil, porque o atrativo é muito grande, mas eles sabem que há regras e frisamos sempre que celular não é brinquedo”, finalizou.

Pai estimula filhos a brincadeiras desconectadas