Medo. Essa era a expressão da funcionária pública Maria José Côrtes ao se referir à sua irmã, que diagnosticada com doença mental não pode permanecer internada e tem que ficar dentro de casa. A servidora já tentou algumas vezes internar a paciente, mas após a reforma psiquiátrica, os hospitais públicos que tratam esse tipo de casos só podem receber pacientes por um prazo máximo de 30 dias.

“Conviver com um parente com problemas mentais em casa é muito difícil”, diz a servidora, revelando que sua irmã, “é uma pessoa agressiva, esquizofrênica e depressiva”: “Quando está em crise passa um bom tempo sem tomar banho, na rua, sem roupa e para mim quando ela entra em crise fica muito difícil não tenho forças para contê-la. A minha tranquilidade eram as casas de saúde, mas agora como ela não consegue acesso não sei o que fazer”, desabafa.

Ela contou que conseguiu internar a irmã no Hospital Escola Portugal Ramalho e depois na Casa de Saúde Ulisses Pernambucanas, porém, por Lei, essas instituições não podem mantê-la por mais que 30 dias. “No período de sua internação eu estava sempre presente e nunca a abandonei”, comentou Maria José, destacando ainda que “quando ela estava sendo cuidada por profissionais isso me dava tranquilidade, era bom saber que estava bem assistida e isso alivia o sofrimento dela e dos familiares. Em casa ela não quer tomar  as medicações  e não sei o que fazer para poder cuidar dela”, lamentou a servidora.

As crises

“Quando ela está em crise fica muito agressiva e me bate muito. Já destruiu tudo dentro de casa e a filha já chegou a passar fome”, desabafou a servidora. Para poder promover a segurança da sobrinha, Maria José contou que acionou o Conselho Tutelar, que diante da situação recomendou que a menor fosse para a casa de outro parente uma vez que havia risco físico já que “durante uma crise chegou a quebrar objetos de vidro, espalhar no chão e tentar fazer a filha passar por cima. Infelizmente é uma pessoa que perde totalmente a consciência e não reconhece ninguém”.

Frisando sempre que a situação é muito delicada, porque envolve uma doença grave e o despreparo da família em lidar com alguém com esse tipo de distúrbio, a servidora pública conta: “Eu não fui orientada a como lidar com essa situação. Não sei como Deus vai me dar uma maneira de lidar com minha irmã nessa situação. Agora, sem poder internar não sei o que fazer. Não vou manter ela dopada para poder tê-la em casa. Não vou amarrá-la e nem vou deixar ela numa gaiola, como algumas pessoas me orientaram”.

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A Reforma Psiquiátrica

Diante da situação de não poder receber pacientes por um tempo maior, o diretor geral do Hospital Portugal Ramalho, Audenis Peixoto reforçou que no HEPR a internação pode ser efetuada por um prazo de 15 dias sendo renovada por mais 15.  “Em outras unidades o prazo máximo é de três meses onde se espera tirar o quadro mais complicado da doença, embora no HEPR tem pacientes há mais de 30 anos que permanecem não por conta da doença mas por falta de apoio social”, revelou o diretor.

Audenis Peixoto, diretor do Hospital Portugal Ramalho (Foto: Gabriela Flores / Cada Minuto)

Antes mesmo de existir o Sistema Único de Saúde (SUS) havia um movimento no Brasil para que o paciente fosse atendido de forma mais humanizada e mais perto da família, de forma mais aberta até porque havia hospitais com formas de tratamento questionáveis. “Em 2001 veio a Lei 10.216 que pede que o Ministério da Saúde coloque as portarias adequadas para o funcionamento da rede de atenção psicossocial onde os hospitais servem como última ferramenta de tratamento com internações voluntárias, involuntárias e compulsórias”, informou Audenis, destacando ainda que ao longo dessa década surgiram várias portarias como a criação de Centros de Apoio PsicoSocial (CAPS) e seu funcionamento assim como outros serviços substitutivos dos hospitais psiquiátricos, mas essa parte não foi muito adiante.

Já as últimas portarias de 2010 até hoje são voltadas para a estruturação da rede colocando pontos de atendimento como UPAS, Samu, Residências Terapêuticas, unidades de acolhimentos e as várias formas CAPS para que os pacientes possam ser atendidos.

Carências

Segundo Audenis Peixoto, infelizmente aqui em Alagoas há uma dificuldade muito grande de estruturação da rede. Apesar de todos serem a favor das mudanças há muitos questionamentos.

“Em Maceió é preciso um número muito maior de Caps. Pelo que as portarias colocam, os Caps 3, que funcionam 24horas, podem atender até 200 mil habitantes e os Caps 2 atendem a 70 mil aproximadamente. Maceió tem mais de 1 milhão de habitantes e portanto precisaria ter cinco Caps AD (Álcool e Drogas), cinco Caps 3 além do apoio desses outros Caps. Na realidade temos 3 CAPS 2, (que não funcionam de noite e nos finais de semana) e mesmo que sejam  transformados em 3 ainda não temos uma unidade de acolhimentos para dependentes químicos”, elencou o diretor.

Estrutura

Poucos municípios têm estrutura para atendimento de pacientes com problemas mentais. No HEPR, que acaba abrangendo grande parte dos pacientes da capital e do Estado de Alagoas, existem 160 leitos, sendo 95 para homens, incluindo nesse total seis destinados a menores e 27 para dependentes químicos e outros 65 leitos para mulheres.

A emergência do Portugal Ramalho registra uma média mensal de 800 atendimentos, o que dá uma média diária de 26 pacientes.

“O HEPR tem uma história. Entendemos e defendemos a reforma psiquiátrica, mas acreditamos que o paciente merece melhorias e um tratamento adequado, humanizado e que garanta a qualidade de vida deles e dos familiares”, concluiu o diretor do Portugal Ramalho.

CAPS

Conforme informações da assessoria de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a capital alagoana possui seis Caps, sendo o Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (Capsi) Dr. Luiz da Rocha Cerqueira, localizado no Farol, destinado a atender a crianças e adolescentes até 18 anos que apresentam algum transtorno mental grave, como psicoses, neuroses, autismo, esquizofrenia ou mesmo depressão.

O Caps Enfermeira Noraci Pedrosa, localizado no Jacintinho, atende os mais diversos tipos de transtornos mentais adultos, como esquizofrenia, transtorno bipolar, síndrome do pânico, depressão, entre outros. Conta ainda com diversas oficinas terapêuticas para os usuários, como oficinas de artesanato, capoeira, fotografia, cerâmica, gesso, dança e teatro.

Já o Sadi Feitosa de Carvalho, em Bebedouro é destinado ao atendimento de pessoas com transtornos mentais como Transtorno Bipolar do Humor, Esquizofrenia e Depressão crônica em adultos. 

Na Jatiúca fica o Caps Rostand Silvestre, que conta com uma equipe composta por cinco psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, educadores físicos, além de oficineiros que realizam as atividades terapêuticas, como fotografia, desenho, artesanato, capoeira e pilates e até dezembro de 2017, essa unidade passará a operar 24 horas por dia, inclusive sábados, domingos e feriados. O projeto já foi aprovado pelo Ministério da Saúde e os profissionais da unidade já estão passando por treinamentos para atender os usuários.

O Caps Casa Verde, localizado no Pinheiro, a unidade é ligada à Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal/HEPR) e também pertence à rede de Maceió.

Outra unidade municipal é o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Álcool e Drogas (AD) Dr. Everaldo Moreira, localizado no Farol. O Caps Ad Everaldo Moreira é o único em Maceió que atende dependentes químicos de álcool e drogas e que funciona 24h. A maioria dos usuários que chega já vem com encaminhamento. Eles passam por uma triagem e dependendo do caso, fica durante um período ou o dia inteiro voltando para casa à noite.

Atendimentos

  1. Caps AD Everaldo Moreira – 7.183 prontuários registrados/700 ativos;
  2. Caps Sadi Carvalho – 7.200 prontuários/ 450 pacientes ativos;
  3. Caps Noraci Pedrosa – 4.844 prontuários/ 800 pacientes ativos;
  4. Caps Luiz da Rocha Cerqueira – 3.282 prontuários/1337 ativos;
  5. Caps Rostand Silvestre – 2.293 prontuários/ 700 pacientes ativos

Ampliação

Os Caps Rostand Silvestre e Noraci Pedrosa irão funcionar 24 horas até o final deste ano. Inclusive sábados, domingos e feriados. O projeto já foi aprovado pelo Ministério da Saúde e os profissionais da unidade já estão passando por treinamentos para atender os usuários. Os Caps 24 horas funcionarão como uma retaguarda para pacientes em crise.

A Prefeitura de Maceió também vai instalar um Caps AD Infantil e uma Unidade de Acolhimento Infantil até o final de 2017 e serão implantadas nos próximos meses sete residências terapêuticas, que estão em fase de assinatura de convênios com as entidades sem fins lucrativos que irão gerir essas unidades.

O Centro de Atenção ao Alcoolismo e outras Dependências (CEAAD) ligado á Uncisal vai passar a funcionar como Caps AD, atendendo aos pacientes do município.