Muitos artesãos vivem na informalidade e enfrentam inúmeros problemas na luta pela sobrevivência. Uma entre os milhares de casos é o da artesã Maria Corá. A maceioense de 41 anos vive do que produz em seu ateliê. E foi através do seu trabalho artístico que ela adquiriu seus maiores problemas de saúde até hoje.
Após desenvolver bursite no ombro direito, osteófitos – o popular bico de papagaio – e um desvio em sua coluna, Maria precisou parar seus trabalhos com a confecção de crochê e, com isso, perdeu sua renda adquirida com as vendas de seus produtos. “Isso foi uma queda nos meus ganhos mensais, já que o crochê foi o meu trabalho durante anos. Quando fui diagnosticada com esses problemas, fiquei sem saber o que fazer” disse.
Por falta de informação, Corá nunca poupou esforços físicos em suas jornadas. Além do trabalho minucioso que o artesanato requer, ela – que sempre trabalhou sozinha – movimentava estoques, peças, entre outros materiais com pesos elevados. Após o diagnóstico de LER (lesão por esforço repetitivo), ela precisou repensar também sobre sua atividades braçais.
“Hoje preciso respeitar mais os meus limites e, por ser ainda muito jovem e não ter tido ideia do que seria ou como poderia adquirir a LER, eu pegava muito peso diariamente e com o passar dos anos fui percebendo algumas dores, que foram se tornando cada vez mais fortes. A partir daí, busquei ajuda médica para saber o que estava acontecendo.
O tratamento foi dolorido, demorado e entediante. Separar Maria de sua paixão de criar, segundo ela, conseguia lhe machucar ainda mais que as lesões que lhe fizeram parar de produzir. Após exames, sessões de fisioterapia e acupuntura, a artesã decidiu que o melhor caminho seria mudar de ramo. Ela, então, decidiu deixar agulhas, tecidos e pontos de lado e canalizar seu talento para o trabalho com argila.
Artesanato alagoano
Atualmente, o artesanato é uma das principais atrações do mercado turístico alagoano. De acordo com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Turístico (Sedetur), Alagoas conta com cerca de 13.300 artesãos inseridos no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB). A atividade tem grande relação com o desenvolvimento econômico do estadual, sendo um dos principais meios de geração de renda para centenas de famílias.
Além disso, o artesanato acaba sendo a saída para muitos desempregados que transformam em renda o talento da criação de peças que enfeitam incontáveis lares espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Segundo números do SICAB, atualizados pela Sedetur, 60% dos artesãos alagoanos tiram seu sustento diário da comercialização de suas obras.

Apesar de toda a importância do setor para a economia alagoana e também para a renda familiar, os caminhos dos artesãos nem sempre são fáceis. É a saída de muitos trabalhadores na missão de pôr o prato de comida na mesa de casa. A falta de regulamentação da profissão faz com que a maioria dos que se dedicam a essa atividade tirem seu sustento através do trabalho autônomo.
O dilema de Maria
Trabalhando com peças de crochê durante um longo período, Maria começou a sofrer com diversos problemas da famosa LER. As lesões, que atingem os sistemas músculo esquelético e nervoso, são causados por tarefas, vibrações, compressões ou posições desagradáveis realizadas por longos períodos e com grande frequência.

(Foto: Arquivo Pessoal)
Hoje, criadora de cerâmica, Maria ainda segue com suas limitações físicas devido ao trio de problemas adquiridos com o antigo trabalho. Apesar disso, preferiu continuar produzindo e desistiu da ideia de levar o caso à Previdência Social.
“Eu preferi não levar meu caso para a previdência, pois eles iriam me obrigar a parar de trabalhar e isso me deixaria muito pior do que hoje. Sem produzir o meu artesanato, afetaria meu lado psicológico e isso é algo que eu não quero que me aconteça jamais. Portanto, mesmo com as dores que tenho sentido atualmente, prefiro trabalhar dentro da minha margem de limite a ter que deixar de fazer o que me realiza” disse.
De acordo a Previdência Social, não se tem disponível nenhum programa de benefício voltado exclusivamente para os artesãos. É preciso que o trabalhador seja um contribuinte para que possa ter direito como acontece nos trâmites normais.
“A maioria dos artesãos são autônomos e eles se enquadram nessa categoria de trabalhadores. A previdência não tem nenhum tipo de benefício voltado exclusivamente para eles. É preciso que eles sejam um contribuinte de maneira autônoma ou ser ligado ao microempreendedor individual [MEI]” disse Maria Luiza Marinho, assessora da Previdência Social.
Nesse caso o receio também falou mais alto. Segundo Maria, seu benefício junto a previdência lhe renderia um ganho muito inferior ao que ela consegue ter com o seu artesanato em argila. Com isso, seu sustento mensal seria diminuído e impactaria nos honorários de sua família.
“As minhas obras com cerâmica e as peças que vendo me garantem uma renda muito maior do que se eu me aposentasse atualmente. E se eu parar de trabalhar, faria com que esse dinheiro a menos impactasse na manutenção da minha casa, na educação de meu filho entre outras coisas” contou.
Superação
Depois de um período sem trabalhar após o diagnóstico de bursite, bico de papagaio e desvio na coluna, a artesã partiu para o trabalho com argila. Se reinventou, continuou produzindo o fruto de seu sustento e conquistou a plenitude de suas obras. Com delicadeza, Maria transforma a matéria rude da argila em peças finas e delicadas.
“Hoje eu trabalho com o que eu gosto. O trabalho com crochê me rendia algum dinheiro, mas com a argila me rende ainda mais, porque eu posso ter uma identidade mais artística. Além disso, eu consigo externar melhor a minha expressividade através do barro. Sem contar que do ponto de vista de lucro, atualmente eu tenho tido um ganho mensal muito maior que antes” revelou.
De acordo com o Dr. Hilton Barros, Presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia Regional Alagoas, o crochê é um famoso inimigo de tendões e da coluna por causa da minuciosidade do trabalho, que acaba prejudicando essas partes do corpo que são fundamentais para o processo de criação.
“Os artesãos de crochê fazem inúmeros movimentos com agulhas e isso exige muito dos tendões e músculos da mão. Sem contar que, geralmente a linha das mãos fica abaixo da cabeça, o que faz com que o trabalhador fique com o pescoço inclinado para baixo durante muito tempo. Isso aliado a uma posição de assento errado acabou gerando as três lesões de maneira simultânea” disse.
Ele ainda afirmou que “é sempre bom para quem trabalha em uma mesma posição durante horas, parar as atividades para fazer um pequeno alongamento nos músculos superiores e inferiores. Essa simples atitude acaba fazendo grande diferença na prevenção de lesões” completou.
As três Marias
Além do trabalho como artesã, Maria é casada e também mãe de um menino. O artesanato e seus compromissos familiares disputam cada hora de seu dia. Com a missão de cozinhar, lavar e arrumar o lar, mesmo com suas dores, ela garante que a jornada é tripla, mas que não deixa a peteca cair.
“Meus dias são sempre cheios. Eu preciso cuidar da minha casa, deixá-la limpa, cozinhar para meu marido e meus filhos, que passam o dia foram trabalhando e estudando. Isso faz com que eu tenha uma jornada muito cansativa e que, infelizmente, pouco reconhecida. Mas isso é o que eu sei e gosto de fazer apesar dos pesares” finalizou a artesã.

(Foto: Arquivo Pessoal)
*Estagiário