Muvuca paulistana

14/03/2017 18:38 - Geraldo de Majella
Por redação

 

Homero Fonseca - escritor pernambucano

 

Sabe aqueles estereótipos: “São Paulo é o túmulo do samba” e “São Paulo é um deserto no Carnaval”? Nada mais falso. Há muito tempo o desfile das escolas de Sampa não faz feio diante do portento carioca. E, de uns anos pra cá, o carnaval de rua simplesmente explodiu, com centenas de blocos congregando milhares de foliões, primeiro na Vila Madalena, agora no Centro.

Eu e Iracema fomos ver o movimento na Rua Augusta, no sábado. Já o metrô ia coalhado de gente bonita — a maioria jovens — devidamente paramentada. Fomos a um cinema e depois ficamos num boteco numa esquina estratégica e assistimos alumbrados à muvuca. Tinha gente chegando fresquinha, limpinha e perfumada e gente já voltando, no bagaço. A maioria em grupos, mas também foliões isolados, bêbados perdidos, odaliscas desgarradas. Cantavam músicas desconhecidas para nós. Nada que se iguale (ainda) à folia de Olinda, Recife ou Salvador, mas mesmo assim um espetáculo bonito, colorido e muito animado.

Domingo, 22 horas nos pegaram no hotel para levar-nos ao Brás. Nem sou muito ligado em desfile de escola de samba, mas o fato de a Colorado ter-se inspirado no romance “Roliúde”, de ter gentilmente nos convidado a desfilar no carro de abertura e de ter proporcionado a oportunidade de conhecer por dentro como se move uma engrenagem como aquela, essa conjunção de fatores nos fez aceitar o convite com prazer. E valeu a pena.

Vimos uma comunidade viva, em ebulição, convergindo, nas horas finais, para um desfile apoteótico, numa confusão organizada. Quando chegamos à sede da escola, deparamo-nos com um aparente caos: nas ruas adjacentes, 40 ônibus esperavam para o transporte até o Anhembi, onde fica o sambódromo; um monte de moças sentadas no chão cortando, recortando, colando adereços; fantasias amontoadas pelos cantos; num balcãozinho, vendia-se cerveja e servia-se água mineral; gente chegando já pronta e outros saindo para ir em casa, tomar banho e voltar. No mezanino, dona Néia, chefe da equipe de costura, não largava a máquina nem o bom humor, atendendo os últimos pedidos — como o meu, para diminuir as mangas do paletó lustroso de retalhos que me coube — tendo ao lado o colchão onde, desde começo de janeiro, dormia todas as noites para dar conta do serviço. Iracema procurava os encarregados da maquiagem. No meio da balbúrdia, recruta nesse mundo, pensei cá comigo: “Não vai sair, não fica pronta”. Ledo engano. Aquilo era o gargalo final de um trabalho de 10 meses, movido a paixão pura, pela Escola, pelo Samba e pelo Carnaval, nessa ordem. E no fim tudo deu certo.

A certa altura, lá fora, nas calçadas, aos poucos as pessoas já fantasiadas foram se reunindo por alas: 19, com média de 70 figurantes cada, perfazendo umas 1.300 pessoas. Cada ala com quatro coordenadores que tentavam juntar a turma e conferir os detalhes: “Todo mundo de braçadeira?” “Sim!!” “Todo mundo de cinto?” “Sim!!!” E lá estavam os cangaceiros, os Chaplin, os pistoleiros do faroeste, as coristas, as bailarinas, os Tarzãs, as baianas. Não havia chamada por nome, todos procuravam se aglomerar pelo número das alas. Os diretores de harmonia a tudo observando, eles que se encarregarão do andamento do desfile na pista. O presidente Ká, sempre solícito, atende um e outro, secundado pelo vice Gilson, elétrico, e Ju, ora risonha, ora apreensiva.

A partir da meia noite, numa mistura de cores, gritos, apitos, risos e imprecações, os ônibus começam a zarpar, seguidos por alguns caminhões-baú com os adereços e os instrumentos da bateria mais pesados. Quem não conseguisse estar pronto e ir no ônibus com o grosso de sua ala, seguia no próximo. E assim todos embarcaram, inclusive nós.

 

 

 

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