Carta Aberta ao Governador

09/01/2017 01:10 - Geraldo de Majella
Por redação

 

Senhor governador Renan Filho:

 

        Tomo a liberdade de escrever a Vossa Excelência sobre um assunto que reputo sério, mais que isso, grave, mas que não tem merecido a devida importância das autoridades responsáveis pelo sistema penitenciário alagoano.

        A população carcerária alagoana e brasileira é formada essencialmente de pobres, negros e jovens com baixa escolaridade. Esse é um “discurso” conhecido das autoridades e, creio, de V. Excia.

        Acontece que a realidade dos presídios alagoanos mudou radicalmente do início da década de 2000 para cá. Recordo da gestão de dois secretários de Justiça, o ex-delegado Rubens Quintela e o advogado, hoje desembargador, Tutmés Airan. Nestas, o ouvidor-geral do Estado de Alagoas reunia-se uma vez a cada mês com os presos individualmente ou com as comissões que os representavam.

        Naquela época não havia representação de facções criminosas como hoje, quando as autoridades conhecem, convivem e pactuam com os dirigentes do crime organizado.

        O “acidente pavoroso”, como disse o presidente Michel Temer ao tratar quatro dias após a tragédia ocorrida no presídio Anísio Jobim, em Manaus e que deixou como saldo 60 mortos, alguns decapitados tem como responsável o governo do estado do Amazonas e o governo federal.  

        Senhor governador, o presidente do sindicato dos agentes penitenciários tem alertado as autoridades de que os presídios alagoanos estão prestes a explodir em rebeliões e não serão “acidentes”, pois acidente não se comunica às autoridades por ofício ou através de entrevistas à imprensa.

O jornalista Janio de Freitas, em artigo na Folha de São Paulo(8/1), diz com clareza que “As matanças nos presídios de Manaus e Boa Vista refletem apenas o criminoso sistema carcerário e as indiferenças perversas das classes média e alta, que servem de anteparo para a omissão dos governos em seus deveres penais. As explosões da violência encarcerada, crescentes em frequência e em Estados atingidos, expressam também a realidade mal conhecida de perigos que nos rondam a todos”.  

        A terrível realidade dos cárceres não é enfrentada com a responsabilidade exigida das autoridades no Brasil. Como consequência, o domínio do crime vem crescendo e o Estado perde espaço, quando não se torna refém em determinadas áreas. O sistema penitenciário é uma evidência de uma área onde o Estado é refém. Isso já foi dito por vários ministros da Justiça, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores etc.

        Senhor governador, esse modelo faliu. Será que mesmo com as tragédias em Manaus, Boa Vista e as tantas outras ocorridas e já esquecidas pelas autoridades federais e estaduais, inclusive em Alagoas, onde a cabeça de um preso serviu de bola para um jogo de futebol macabro no presídio, não se tomarão as providências cabíveis e urgentes?

        Esse estágio de barbárie tem a assinatura do Estado. É o Estado o único responsável pela segurança dos presos e da sociedade. O que tem acontecido no interior dos presídios tem reflexo imediato nas ruas de Maceió, de Alagoas e no Brasil.

        Senhor governador, todo o esforço do governo de V. Excia. em divulgar a redução momentânea dos índices de violência não reduz a sensação de insegurança da população. Não haverá sucesso por esse caminho, ouso dizer-lhe, já que os seus assessores e responsáveis diretos pela área da segurança não lhe dizem, por não acreditarem em outro modelo, pois foram formados para a guerra. Nessa guerra o Estado vem sendo derrotado e a sociedade é feita refém.

        Senhor governador, não há saída para esse problema da segurança pública se não houver integração entre os poderes do Estado. A política dos falcões é o caminho certeiro do aprofundamento da barbárie.

        O Poder Judiciário tem igual parcela de responsabilidade na resolução e no controle do problema, assim como o Ministério Público. As três instâncias de poder estatal serão cobradas cada vez mais pela sociedade.

        Senhor governador, não vou tomar mais o seu precioso tempo. Espero, como cidadão alagoano no ano do bicentenário de Alagoas, que esse assunto nada agradável seja tratado com um olhar de quem deseja dar encaminhamento de solução, cumprindo a lei e respeitando os direitos de todos os presos, agentes penitenciários, policiais e da população.

        O Estado democrático de direito é o único caminho. Quem disser o contrário quer trilhar o caminho da barbárie.

Desculpe-me se me alonguei.

        Geraldo de Majella é historiador

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