Aos 56 anos, digo: “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”

02/01/2017 22:16 - Geraldo de Majella
Por Redação

 

 

 

A minha preocupação neste momento, quando completo 56 anos de vida, é comemorar com os(as) amigos(as)os mais próximos fisicamente. Os que estão longe de Anadia, meu solo pátrio, e de Maceió, minha cidade querida e meu porto seguro, com eles nos falamos pelas redes sociais e até podemos realizar comemorações virtuais.

As comemorações – faz tempo – são embaladas com comidinhas gostosas, mas sem exageros, com pouco sal; as bebidas alcoólicas não fazem parte da minha vida, substituí-as por refrigerantes, sucos e água de coco. Mas, creiam, não me tornei um chato pregador contra as bebidas alcoólicas; não me incomodam os apreciadores da cachaça, uísque, vinho, vodca, gim e de outras destiladas, afinal essas eram as minhas preferidas e ainda salivo quando vejo alguém beber um bom trago.

A música tem ocupado cada vez mais espaço em minha vida, e a comemoração do meu aniversario será com música, samba e chorinho, preferencialmente por se tratar de dois gêneros genuinamente brasileiros.

O ano de 2016 demorou a acabar, mas acabou, ufa!Causou estragos na vida de milhões de brasileiros: o desemprego talvez seja o pior dos males, depois da morte. Os números são assombrosos e exigirão esforços redobrados para o país se recuperar.

A democracia em 2016 foi vilipendiada e o que foi anunciado aconteceu: o golpe parlamentar urdido pelo vice-presidente. As famílias que dominam a grande mídia e a banca nacional e internacional, associadas à banda pobre do parlamento, uniram-se e derrubaram sem crime formal a presidenta eleita.

O brasileiro vive sempre com o fantasma do golpe rondando sobre a sua cabeça. Quando não é militar, são os civis que golpeiam. Os militares desta vez permaneceram nos quartéis.

O Brasil se divide e vai permanecer dividido por algum tempo. Espero que não seja por muito tempo. As jornadas de lutas populares começaram. Antigas conquistas sociais estão sob a mira dos patrões do golpista de plantão Michel Temer.

Eu que não me via mais na condição de animador de passeatas, não terei outra saída a não ser voltar às ruas para protestar contra o governo e defender os direitos trabalhistas e sociais conquistados ao longo de 80 anos, e agora ameaçados.

Em 2016 presenciei o florescimento da direita como expressão política e social como nunca havia sentido desde a redemocratização em 1985. Emergiram de lagos sombrios monstros virtuais e em carne e osso, esbravejando um anticomunismo démodé, sob o manto de denominações religiosas. Essa militância odiosa e intolerante apresentou-se de cara lisa.

O fascismo brasileiro vestido de verde e amarelo dava a entender para os incautos tratar-se de patriotas, pessoas individualmente ou famílias que foram às ruas defender o Brasil da invasão comunista. Esse filme nós já vimos e não presta. A ira hidrófoba que escorre sangue pelos cantos da boca é o símbolo do ódio. O momento da ressaca chegou para as classes médias, as reformas anunciadas lhes pegarão no contrapé da vida.

O ano de 2016 se foi e não me fará falta. Mas nem posso me queixar de tudo. Publiquei mais um livro, Panorama Cultural de Maceió, e para minha surpresa cerca de dez a quinze leitores gostaram. Com isso me senti feliz.

Depois de remar contra a maré, estou convencido de que vale a pena escrever sobre Alagoas. Vou continuar nessa batida, para meu gáudio e possivelmente agrado dos poucos mas fiéis leitores.   

Este ano infame de 2016 me reservou momentos de satisfação. O primeiro foi a parceria com o médico José Milton Araújo (Zémilton): enviei-lhe duas letras e, para minha surpresa, tempos depois ouvi dois sambas de nossa autoria, gravados em CD que em breve será apresentado ao distinto público.

As parcerias com o agrônomo e compositor Stanley Carvalho, depois de conversarmos por e-mail e telefone, floresceram. Em 2016, para nossa surpresa, temos material para gravar um CD. Há um projeto desenhado para 2017, isto é, se o ano vier sem arroubos e maneiro. E como uma coisa puxa outra, fui apresentado pelo Stanley ao compositor Petrúcio Baeto e novas músicas estão brotando das pedras.

Com esses parceiros, somados a outros dois, Gustavo Gomes e Robson Amorim, formei involuntariamente um time de parceiros. Confesso que nessa praia nunca pensei em me banhar. Mas aconteceu. Como a vida nos apresenta adversidades e também alegrias, faço questão de compartilhar estas últimas e agradecer publicamente.

Em 2016 realizei a maior aventura de minha vida: subi até o topo do Pico da Bandeira e caminhei duzentos quilômetros de Tombos (MG) a Alto do Caparaó (MG), em companhia de Vânia, minha companheira de vida. Esta caminhada foi realizada com muita alegria e satisfação pessoal.

Isabela, a minha filha, tem amadurecido. A cada ano me surpreendo com o seu crescimento intelectual, as suas preocupações sociais e profissionais e as suas amizades. As suas inquietudes me deixam feliz; muitas vezes fico quieto, só observando as suas discussões e contestações.

As causas que a tocam são diferentes das minhas, dos meus tempos de estudante. As minhas eram mais ideologicamente definidas; já as por que Isabela luta são causas antigas, mas as formas e os modos de reivindicar e protestar são modernos, em redes sociais.

Esses ganhos pessoais são impagáveis e me deixam feliz, sem intervir, mas acompanhando feito um corujão babão, observando a cria crescer e criar asas para um mundo de muito mais conflitos e antagonismos que os que vivi na juventude.

        Os meus amigos, esses são os meus tesouros que guardo e preservo, não sob sete chaves, mas regando todos os dias com água de boa qualidade para florir durante os doze meses. Em Alagoas as quatro estações não são definidas, nem no Nordeste; daí os campos podem, desde que regados, permanecer florindo.

        Em 2017 vou continuar a ouvir ainda mais o mestre Paulinho da Viola e outros sambistas. Eu quero também comemorar o centenário do samba, esse vetusto senhor, durante o ano de 2017, pois como diz o samba Timoneiro de Paulinho da Viola e do Hermínio Bello de Carvalho:

 

Não sou eu quem me navega

Quem me navega é o mar

Não sou eu quem me navega

Quem me navega é o mar

É ele quem me carrega

Como nem fosse levar

É ele quem me carrega

Como nem fosse levar

 

E quanto mais remo mais rezo

Pra nunca mais se acabar

Essa viagem que faz

O mar em torno do mar

Meu velho um dia falou

Com seu jeito de avisar:

- Olha, o mar não tem cabelos

Que a gente possa agarrar

 

Não sou eu quem me navega

Quem me navega é o mar

Não sou eu quem me navega

Quem me navega é o mar

É ele quem me carrega

Como nem fosse levar

É ele quem me carrega

Como nem fosse levar

 

Timoneiro nunca fui

Que eu não sou de velejar

O leme da minha vida

Deus é quem faz governar

E quando alguém me pergunta

Como se faz pra nadar

Explico que eu não navego

Quem me navega é o mar

 

Não sou eu quem me navega

Quem me navega é o mar

Não sou eu quem me navega

Quem me navega é o mar

É ele quem me carrega

Como nem fosse levar

É ele quem me carrega

Como nem fosse levar

 

A rede do meu destino

Parece a de um pescador

Quando retorna vazia

Vem carregada de dor

Vivo num redemoinho

Deus bem sabe o que ele faz

A onda que me carrega

Ela mesma é quem me traz.

 

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