Caminho da Luz III (Final)

11/09/2016 12:00 - Geraldo de Majella
Por redação

 

O dia 24 de julho amanheceu frio, e era com frio que teríamos de subir até o topo do Pico da Bandeira. São 2.892 m de altitude, marca que lhe confere a condição da mais alta montanha dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e dasregiões Sudeste e Sul.

Esse era o tamanho do desafio que se apresentou pela frente. O grupo era composto de pessoas, boa parte pelo menos, com experiência em caminhadas de longo percurso e com obstáculos. Os comentários eram de que havia entre nós caminhantes que já tinham subido entre sete e dez vezes o Pico da Bandeira.

A troca de experiências, todo o clima era positivo, e o nosso ânimo, o meu e o de Vânia, permaneceu alto; as nossas expectativas eram boas. Estávamos na reta final do percurso de quase duzentos quilômetros. A nossa trajetória era excepcional, principalmente a minha em particular, que estive durante cento e vinte dias cuidando dos dois joelhos. Até aquele momento nada de anormal havia acontecido.

Iniciamos a subida a partir do Terreirão, rumo ao topo; segundo os nossos guias, seriam 9,5 quilômetros para subir e igual distância para descer. O tempo frio do amanhecer do dia – a temperatura era de 6º C no meio da manhã –esquentou um pouco.

Paramos muitas vezes durante a subida para contemplar a beleza da serra do Caparaó. Tudo para mim era deslumbrante, não tenho outro adjetivo para tanto. O sol ajudou a todos nós dissipando as nuvens; o vento soprou com menos intensidade e a sensação térmica foi reduzida. O frio intenso da manhã logo passou a ser uma temperatura agradável.

A mochila, com lanches, a nécessaire com tesoura, agulha, esparadrapo, remédios e o canivete, além do cantil com água potável na cintura e cerca de quatro horas de subida íngreme começarama pesar.

A atenção redobrada para não pisar em falso e torcer o pé, consumir pouca água, com goles parcimoniosos. Esses cuidados repassados pelos mais experientes eram cumpridos com uma disciplina quase militar ou guerrilheira, situação que difere do meu dia a dia.

Quando ouço falar da serra de Caparaó, lembro-me de um amigo alagoano, o ex-sargento da Marinha Edval Augusto de Melo, um dos militares que participaram da guerrilha de Caparaó, preso no dia 1º de abril de 1967. A guerrilha de Caparaó foi a primeira resistência ou tentativa de resistência armada à ditadura militar.

Essa lembrança me acompanhou durante o percurso. Quanto mais eu subia, mais perplexo ficava com tamanho obstáculo para a instalação de um“foco” guerrilheiro. Talvez fosse a Sierra Maestra brasileira.

O fato é que continuamos a subir, eu com essas lembranças, e Vânia a contemplar a beleza. Os dois persistiam a subir até o topo do Pico da Bandeira. Depois de mais de cinco horas, o cansaço e o desânimo por alguns minutos se instalaram entre nós. Faltando cerca de trezentos metros paramos e resolvemos desistir.

Isso é comum acontecer entre os caminhantes. As dificuldades mais comuns, como bolhas, calos, torções, nada disso aconteceu conosco. Era cansaço, fadiga. Eu, num certo momento da caminhada fiquei mais atento ao meu batimento cardíaco. Procurando não forçar, mas não falava nada para Vânia, não queria trazer-lhe preocupação com algo que não dava indicações de inconveniência. É típico de quem sofre infarto; a partir daí torna-se mais cauteloso.

Encostamo-nos a uma pedra e ficamos descansando e a observar os nossos amigos descendo, outros subindo até o topo. Palavras de estímulo, todos diziam.

– Força. (Era a mais comum.)

– Não desistam, está tão perto!

Até que três jovens – dois homens e uma mulher – vieram em nossa direção e disseram:

– O senhor e a senhora não vão desistir. Nós vamos ajudá-los.

A moça pediu a minha mochila, um dos rapazes pediu a mochila de Vânia. E recobramos as forças e o ânimo para concluir a subida até o topo do Pico da Bandeira.

A chegada foi triunfal. Senti-me um alpinista que escalara o Everest ou algo equivalente. A sensação é indescritível ao avistar aquele conjunto fantástico de serras entre Minas Gerais e Espírito Santo.

Queremos deixar registrado que só foi possível chegarmos ao topo do Pico da Bandeira porque contamos com a solidariedade daqueles três jovens.

Obrigado!

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