A história da série de televisão “24 Horas” se passa em tempo real: 24 episódios equivalem a 24 horas. A busca de realismo é tão grande que foi criado um sinal para controlar o tempo de cada intervalo comercial. É um relógio que controla quanto tempo se passou na história do episódio, enquanto os telespectadores estavam assistindo propagandas. Na ópera, as coisas são, em geral, bastante diferentes e, durante o café do intervalo, pode se passar décadas no enredo. Mas há um tipo de ópera que emprega uma espécie de tempo real em suas histórias, embora não tão rigorosa como em “24 Horas”.
O Verismo consagrou títulos como Pagliacci, de Leoncavallo e Cavalleria Rusticana, de Mascagni. Ambas são óperas em ato único com histórias que acontecem em um dia, e quase em tempo real. O compositor mais famoso do Verismo é Giacomo Puccini e sua Tosca tem a peculiaridade de despertar um certo desejo de fazê-la ainda mais real, mais verdadeira do que verista.
É fácil encontrar em Roma excursões “Tosca” – mas também, é fácil fazê-las sozinho. Os lugares onde se passa a trama podem ser visitados, embora não correspondam exatamente ao que assistimos na ópera. Na igreja de Sant’Andrea della Valle, onde se passa o Ato I, não existe a Capella Attavanti, onde Angelotti se esconde; a Capella Barberini é escura e não há um quadro da Madonna como o que Cavaradossi pinta. O Ato II, se passa no Palazzo Farnese, uma villa desenhada por Michelangelo para uma das famílias mais poderosas do Renascimento, lugar improvável para uma residência, ainda que por alguma invasão oportunista, do chefe de polícia Scarpia.
Como ali funciona a Embaixada Francesa – desde 1874 – não é possível passar dos portões. Infelizmente, porque, nos fundos, estão os jardins onde Tosca canta no fim deste Ato – e é melhor imaginar o impacto de sua voz sobre Scarpia, quando ela canta Vissi d’Arte, do que os gritos da tortura de Cavaradossi. Mas a Piazza Farnese vale a visita (e está bem perto do caótico e divertido Campo de’Fiori).
O Ato III se passa no Castel Sant’Angelo, sendo o mais evocativo de todos com os sinos das igrejas de Roma, que se pode ouvir ao fim das tardes. As muitas execuções ali costumavam acontecer no pátio interno, mas as encenações de Tosca ocorrem no alto, nas ameias, de onde Cavaradossi se despede da vida e ela se atira para a morte. É possível visitar o local e o ruído do trânsito não roubará, completamente, a visão encantadora de Roma.
Mas esta produção da Ópera de Paris coloca Tosca em seu melhor lugar – o palco – e com um tratamento esplendoroso. Os cenários de Christoph Hetzer impressionam pela dimensão, pela beleza, por tantas possibilidades: muralhas, profundidades, separações e encontros. A direção musical luxuriante de Daniel Oren abraça as vozes de Martina Serafin, Marcelo Alvarez e Ludovic Tézier nos papéis principais.
Tosca conta a trágica história do embate de dois grandes artistas – a cantora Tosca e o pintor Cavaradossi – com o poder do chefe de polícia Scarpia. Além da beleza melódica de tantas árias, conta ainda com a sofisticada orquestração de Puccini – o tema da morte de Scarpia, dominado pelas cordas, é não menos do que genial. O facínora, mais uma vez, articula não mais do que algumas notas – ele significa sempre pouco, bruto, e está em meio à beleza para grifá-la com seus crimes. Nenhum deles sobrevive.
Nada em Tosca corresponde à verdade – nem a história da ocupação das tropas de Napoleão, nem a cidade e seus monumentos. Mas fica, mais uma vez, a chance para entendermos que o Verismo não quer a “verdade”, mas sim, mais uma forma de arte. Ele existe para lembrarmos quanto vale a arte, quanto dependemos dela para saber que o real não há – há o compreendido.
O quê: Sábados de Ópera, com o espetáculo Tosca, de Giácomo Puccini
Onde e quando: No Centro Cultural Arte Pajuçara, sábado, dia 23/07, às 14h
Ingresso: R$ 10 (preço único promocional)
Mais informações: 3316-6000