A máscara do golpe

13/05/2016 08:36 - Geraldo de Majella
Por redação

 

 

Homero Fonseca

Tenho entrado em divergência com alguns amigos a propósito da situação política, me esforçando para não ser dominado pela raiva e, sobretudo, para não traduzi-la em agressividade e irracionalidade. Não é fácil pra mim, não deve ser pra eles.

De qualquer maneira, a discussão central é se o afastamento da presidente Roussef foi ou não um golpe. Geralmente, os que defendem o impeachment argumentam com o cumprimento de formalidades jurídicas que dariam um caráter constitucional ao kalten putsch (golpe frio, como chama a imprensa alemã).

Para mim, o processo nasceu no exato momento em que, derrotadas nas eleições de 2014, as oposições não se conformaram com o resultado. A partir dali, a grande mídia e os setores mais conservadores do empresariado (que nunca se conformaram de verdade com a ascensão de um operário sem um dedo à presidência da República, nem com as políticas inclusivas do PT) se uniram aos derrotados e passaram a fustigar violentamente o governo, aproveitando a conjuntura de uma séria crise fiscal (logo amplificada desproporcionalmente até se transformar, pelo terrorismo das expectativas, numa crise geral, recessiva).  Os erros do PT (muitos e indesculpáveis) foram usados para justificar a campanha massiva então deflagrada, mas o real objetivo eram os acertos do PT e a perspectiva de sua permanência no poder.

A Operação Lava-jato (em si, uma iniciativa positiva contra a corrupção sistêmica que grassa entre nós há muito, muito tempo) paulatinamente se desviou para uma rota política, dirigida exclusivamente contra o partido do governo e seus aliados, com vazamentos seletivos, conduções coercitivas injustificáveis e outras truculências, que se constituíram num autêntico estado de exceção comandado pelo aparato da “República de Curitiba”. O processo foi se autoalimentando  dialeticamente, até formar uma bola de neve que, com o combustível diário despejado na fogueira da opinião pública pela TV Globo, Veja e a maioria da grande imprensa, criou as condições psicossociais para a derrubada do governo, suprimindo ou minimizando as vozes da resistência, arrastando o próprio Supremo na “grande onda cívica” gestada por esse formidável complexo conspiratório, até elevar o clima nas ruas a um grau de hostilidade e ódio nunca antes visto na história deste País.

A grande mídia foi um dos principais protagonistas do golpe, mobilizando a opinião pública a seu favor

 Foi essa maré montante que permitiu as estranhas cenas de antigos militantes contra a ditadura de 1964 marchando nas mesmas passeatas em que marcharam Bolsonaro, Eduardo Cunha (simbolicamente), as dondocas perfumadas da Avenida Paulista e os brucutus portadores de faixas pedindo a volta dos militares. Sentiam-se incomodados, mas estavam lá, na mesma trincheira. Depois pediram a cabeça de Bolsonaro e festejaram a suspensão do mandato de Cunha para apaziguar as consciências.

“Pedaladas” e créditos suplementares ao orçamento foram usados como pretexto – nem se deram ao trabalho de provar cabalmente a ocorrência de crime de responsabilidade fiscal. Valia tudo para defenestrar a presidente e torpedear a presumível candidatura Lula em 2018.

O resultado dessa vasta articulação é o tsunami conservador que ameaça varrer o país, afogando conquistas sociais e trabalhistas (nem em 1964 os milicos ousaram estuprar a CLT, como farão agora), entregando o petróleo (a ala majoritária do Exército tinha um viés nacionalista) como já anunciaram com o pré-sal, instaurando um clima de caça às bruxas em matéria de direitos humanos e diversidade de gênero, sexo, cultura, etnias, religião etc. No campo político e econômico, o velho Entreguismo está de volta, travestido de moderno ideário neoliberal. Em termos de costumes, a Idade Média bate às nossas portas vestida de Prada.

Os que negam o golpe branco de hoje alegam as diferenças com o ocorrido há 52 anos. Claro que há diferenças. Os métodos se tornaram mais sofisticados, privilegiando a via institucional, como fizeram em Honduras (2009), no Paraguai (2012) e agora no Brasil. Tanques nas ruas só em último caso.

Entretanto, é bom lembrar que, em 1964, os autores da deposição do presidente da República negaram veementemente que se tratava de um golpe, afirmaram que agiam justamente em defesa da democracia e cumpriram rituais pseudolegais, para manter a aparência de constitucionalidade: o presidente do Senado, Áureo de Moura Andrade, proclamou legalmente vaga a presidência da República e o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a chefia do governo. Também no Recife improvisou-se uma “solução jurídica”: o impedimento de Arraes foi aprovada pela Assembleia Legislativa por 45 votos contra 17, numa votação "democrática".

Em 1964 era, como hoje é, fundamental para os conspiradores manter a aparência de legalidade, tanto para efeito interno quanto, e principalmente, para o público externo. Os golpes sempre usam máscaras.

Se é certo que a História se repete como farsa, suas consequências, porém,  podem ser trágicas. Quem viver verá. 

http://www.interblogs.com.br/homerofonseca/ 

 

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..