Na Hora H

12/02/2016 13:17 - Welton Roberto
Por welton roberto

Já caía a tarde quando ele adentrou serenamente em meu gabinete. Havia pedido para me conhecer por uma pessoa amiga que me contara um pouco de sua história de superação, sem dar os minudentes detalhes de como conseguira chegar até ali.

Roupas simples, fala modesta e tranquila estendeu-me a mão trêmula e agradeceu inicialmente ter sido recebido. "Disseram que o senhor poderia me ajudar" - disparou o jovem para iniciar nosso diálogo. Respondi que o que estivesse a meu alcance e limites estaria disposto a fazê-lo, sem ainda saber de que maneira seria a minha ajuda. 

O jovem "H" (aqui deixarei só a inicial de seu nome para preservar sua identidade, posto que sua história é digna de compartilhamento) começou então a narrar  seu sonho árduo e difícil: ser médico. Parei tudo para ouvir atentamente cada pedaço deste enredo que tinha tudo para ser trágico, não fosse este sonho que ele ainda alimentava por alguns anos.

 Filho de uma prostituta e de um assassino, como ele mesmo relatara, não conheceu o pai, posto que também houvera sido vitimado pela mesma violência que praticava habitualmente. No registro só o nome da mãe. Tinha um irmão com deficiência auditiva que também fora fruto das atividades sexuais da mãe, sem pai conhecido. Contava ali com apenas19 anos e queria tirar a mãe daquela profissão. Tinha sido aprendiz em um hospital na capital alagoana. Ser médico era o sonho que alimentava a sua esperança de uma guinada na vida de todos. Vítima de maus tratos por parte de seu avô materno, chegara a capital alagoana de improviso. Tios ligados ao mundo do crime, tinha tudo para cair na malha da violência pelo destino reservado aos seus e àqueles que o rodeavam.

Seguiu outro caminho. Aos trancos e barrancos conseguiu concluir o segundo grau.

Mas o dinheiro era tão pouco que muitas vezes tinham que escolher entre pagar o aluguel, a conta de luz ou se alimentar de forma digna. A atividade da mãe não lhe rende e nunca lhe rendeu grandes coisas, e segundo ele, ela não tem como mais sair deste círculo vicioso a não ser por um milagre.

Talvez seja ele o milagre, pensei. 

Sem dinheiro para transporte fazia longas caminhadas para chegar a seus destinos. Perdera o contrato de jovem aprendiz com o hospital porque este vencera seu prazo e não poderia mais ser renovado. Sem muitos livros próprios e atualizados fez o ENEM para ingressar na universidade pública e conseguiu tirar a nota 710, tendo alcançado 960 na REDAÇÃO,  alta para qualquer curso de Direito, Engenharia, mas baixo para um sonho que permanecia latente consigo: ser médico.

É praticamente um autodidata, pensei novamente comigo mesmo.

No seu contínuo e alentado relato me disse ter tido ajuda de um cursinho da cidade, mas perdera a bolsa em menos de dois meses pois não tinha como chegar pontualmente nas aulas, devido sua absoluta falta de condição de fazer longos caminhos e muitos destinos em uma só manhã, ou tarde. 

A riqueza e a minudência nos detalhes de como tudo se desenrolara com ele tocou-me profundamente.  

Chorei silenciosamente várias vezes com todo o relato. Em desespero comecei a pensar de que forma poderia ser a minha ajuda. Mero paliativo não serviria.

Fiquei pensando porque ele me escolhera para tratar de tamanha narrativa de superação e achar que eu poderia ajudá-lo.

Sem titubeios topei apadrinhar este sonho do jovem H e mais, achei que outras pessoas em grau de vulnerabilidade social também poderiam ser beneficiadas se criássemos um projeto para arrecadar livros didáticos, ajudar na concessão de cestas básicas à família e auxílio ao transporte a tantos jovens que, por vezes, são arrastados pelo destino das drogas, da violência ou da prostituição.

A meritocracia nunca vai me convencer do contrário enquanto as oportunidades ainda forem negadas a tantas pessoas!

Recorri às redes sociais e encontrei o amparo de guerreiros solidários que de imediato ofereceram muitos livros ao jovem H. Conseguimos, através da bondade da professora Luciana Ebrahim, que ele fizesse várias matérias isoladas e estamos hoje desenvolvendo juntamente com o professor Tainan Canário um projeto para preparação de pessoas em estado de vulnerabilidade social para o ingresso nas universidades públicas país afora.

Aprendi, desde cedo, que a maior revolução que podemos fazer contra o sistema é estudar, e muito. 

Meus filhos adolescentes, Lucas e Bia, entraram de cabeça no projeto e hoje estamos arrecadando muitos livros de pessoas que já alcançaram o sonho universitário e não se utilizam mais de livros e apostilas preparatórias. Em menos de 10 dias as coisas estão crescendo. Já temos mais de 400 obras para doação a jovens que não possuem condições de adquirir livros específicos para o ENEM.

A solidariedade é contagiante.

O jovem H ao sonhar com tanta força, fez outros sonhos também aparecerem e hoje nosso projeto NA HORA H (batizado por mim ainda de forma precária), começa a engatinhar, arrecadando livros, cadernos, canetas, lápis, cestas básicas e identificando jovens em situação de vulnerabilidade social que pretendem ser futuros médicos, dentistas, engenheiros, juízes, advogados, arquitetos, veterinários etc.para um suporte contínuo e motivacional.

Compartilho com meus leitores este projeto e me coloco à diposição de toda sexta-feira relatar outras histórias de superação e solidariedade através deste espaço democrático para que o vírus da solidariedade alcance todos os corações e almas viventes.

Boa sexta-feira aos amigos e amigas!   

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