DNA deixa de ser método para identificar corpo de vítima de ação policial em Alagoas

10/11/2015 14:36 - Geral
Por Davi Soares
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Qual o método científico mais adequado para a identificação de corpos? Se você imaginava que o exame de DNA era o procedimento mais seguro, o secretário de Segurança Pública de Alagoas, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, tem outra resposta. Pelo menos deveria ter, de acordo com suas declarações dadas nesta terça-feira (10). O gestor das forças policiais alagoanas sugeriu que um corpo encontrado na Serraria, em agosto deste ano, nem precisa mais da conclusão do exame de DNA para que a família do jovem Davi da Silva tenha respostas para a angústia que dura desde agosto de 2014. E antecipou o resultado do exame de DNA:

“Posso dizer, mesmo antes do resultado, que o corpo não tem nenhuma relação com o caso”, garantiu o gestor da Segurança Pública, em entrevista à Rádio Gazeta AM. O tal “caso”, ressalte-se, é do desaparecimento de um jovem usuário de drogas, de 17 anos, levado, ilegalmente, no porta-malas de uma viatura da Polícia Militar, no Benedito Bentes, após ser torturado por policiais que encontraram uma pequena quantidade de maconha, que sequer caracterizaria o tráfico de drogas.

O gestor que conseguiu reduzir drasticamente os números oficiais de mortes violentas e intencionais em Alagoas - com ações policiais mais letais e com o uso de declarações impulsivas e de impacto midiático contra suspeitos de crimes - considerou ser “notícia infundada” a associação do corpo encontrado na Serraria com o sumiço de Davi da Silva.

Mesmo diante da mais responsável das dúvidas sobre o destino de Davi da Silva, sobre sua sobrevivência e o momento de sua morte, Alfredo Gaspar baseou-se no estado do corpo encontrado para divulgar, de forma irresponsável, mais do que sua opinião, uma conclusão. E essa sim, sem fundamentos científicos.

“Posso garantir que [a associação entre o corpo e o sumiço de Davi a Silva] é uma notícia infundada. O corpo foi encontrado depois de dez ou quinze dias depois da morte e não tinha nada a ver com o do Davi”, assegurou Gaspar, sem saber quando nem se Davi foimorto.

Combatente

O secretário ainda comentou decisão do Conselho Estadual de Segurança Pública de negar pedido de proteção pessoal ao professor universitário e primo de Davi da Silva, Magno Francisco da Silva, que denunciou ter tomado conhecimento de um plano para matá-lo, quando deixou o Estado, em setembro, para denunciar caso em Brasília. Alfredo Gaspar ainda chamou de “guerra midiática” a cobertura do caso.

Porém, após esta declaração, será impossível, talvez por conta dessa tal “guerra midiática”, evitar a desconfiança a respeito do resultado do exame de DNA do corpo no qual a mãe de Davi da Silva viu características do filho. Mas não será culpa de nenhum perito forense, muito menos do geneticista inglês Alec Jeffreys, que inventou o exame de DNA em 1985. O resultado da comparação entre o material genético da mãe do jovem desaparecido e o do corpo da Serraria já está eternizado como dúvida, por causa do afã do secretário de Segurança Pública de Alagoas de se antecipar à Ciência e, logo, descartar a possibilidade de Davi da Silva ter sido, finalmente encontrado.

No mês passado, a Perícia Oficial informou que o resultado do exame no corpo deveria sair no prazo de 10 dias úteis a contar da data em que foi feita a coleta do material genético da mãe de Davi, Maria da Silva, realizada em 17 de agosto. Mas a perita criminal Rosana Coutinho solicitou uma prorrogação de 30 dias para conclusão do laudo. O adiamento inicial previa a divulgação do resultado em 13 de outubro. Mas até agora, quase um mês depois, os dados mais recentes são as palavras vazias de Alfredo Gaspar.

 

Aos fatos

De acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual (MP/AL) - formulada em setembro pelos promotores Thiago Chacon Delgado e Dalva Tenório e pelo procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá - os policiais Eudecir Gomes, Carlos Eduardo Ferreira, Vitor Rafael Martins e Nayara Andrade, soldados do Batalhão da Radiopatrulha, teriam submetido Davi da Silva a uma sessão pública de tortura, antes de sua morte e ocultação do corpo, em 25 de agosto de 2014.

A defesa dos policiais tem negado a participação nos crimes. E a PM garante que eles seguem afastados dos serviços nas ruas, enquanto aguardam julgamento.

Porém, na entrevista de hoje, o Alfredo Gaspar feriu de morte a investigação do caso, com uma das mais potentes armas midiáticas que o secretário diz condenar, na emissora de rádio mais ouvida de Alagoas.

Que todo este episódio e sua vítima não permaneçam eternamente como cadáveres insepultos a sangrar. E que o secretário evolua ainda mais seus "modernos" métodos e conhecimentos de investigação, para esclarecer não apenas onde está Davi da Silva, mas também diga à sociedade quem é e como foi morto o rapaz encontrado na Serraria. Terá mais credibilidade e responsabilidade se aguardar o resultado dos exames, e não alimentar notícias infundadas na sua trincheira de batalha.

Leia mais: Secretário de Segurança diz que corpo encontrado na Serraria não é de Davi Silva

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