Carta Aberta ao governador Renan Filho

04/03/2015 17:52 - Geraldo de Majella
Por redação

 

Senhor Governador Renan Filho:

 

A maior conquista do povo brasileiro, no pós-ditadura militar, foi a eleição da Assembleia Nacional Constituinte e o que dela emergiu, a nova ordem constitucional que sepultou o autoritarismo ditatorial. 

A Carta Magna batizada pelo deputado Ulisses Guimarães como a Constituição Cidadã recepcionou direitos sociais e econômicos nunca antes mencionados num texto constitucional.

        Governador, li atentamente o discurso de posse e não encontrei uma única vez referência aos direitos humanos. O que mais se aproximou foi: “Este chamado à união, fraternal e sincero, eu o faço em nome de um valor humano, o mais alto deles, a maior conquista do mundo civilizado – a democracia”.

Talvez Vossa Excelência não tenha ainda percebido que a sua fala ou o silêncio sejam interpretados pelos seus auxiliares e gestores na área da segurança pública como uma ordem. Ou a concordância com a falta de transparência e o cumprimento legal das investigações após os sucessivos “autos de resistências”.

A transparência é um dos princípios do Estado democrático e a democracia é a maior conquista do mundo civilizado,  com o que concordamos integralmente.

Governador, as polícias civil e militar continuam sendo “reservas” do autoritarismo oriundo da ditadura militar. As polícias não agem como instituições defensoras da ordem constitucional, sendo nelas recorrente a violação dos direitos civis.

Vossa Excelência, pela juventude, pelos compromissos assumidos publicamente durante a campanha eleitoral, se assim desejar, poderá operar mudanças na concepção dos seus subordinados na área da segurança pública.

O discurso da ordem e da lei é insustentável e ineficaz tem sido usado apenas para aumentar o estado beligerante e autoritário das forças públicas de segurança. Esse discurso é velho e o levará ao cabo de sua gestão como governador à decepcionante realidade de que não foi capaz de estruturar uma política pública para a área da segurança pública. A explicação será encontrada com relativa facilidade pela opção autoritária e violadora dos direitos humanos.

Governador, ainda, me valendo do discurso de posse, em boa hora foi dito que: “Todos sabem que Maceió tornou-se uma das capitais mais violentas do mundo. Aqui morre-se de graça, e mata-se a qualquer pretexto”.

A reversão desses terríveis índices de criminalidade não será alcançada através da força bruta, da declaração de guerra e do incitamento à violência feito explícita ou veladamente.

Governador, o seu antecessor contratou consultores na área da segurança pública de excelente qualidade e com capacidade comprovada. Cito um, o professor Luiz Flávio Sapori. O produto de seu trabalho nunca foi posto em prática, e menos ainda norteou o planejamento da segurança pública alagoana.

É importante, me permita o direito de sugerir, que Vossa Excelência ouça outras vozes que não as vozes macabras dos “Falcões armados”, dos que primam pela manutenção do alto teor de adrenalina e que advogam a “doutrina” do enfretamento armado contra os moradores das periferias de Maceió e das cidades do interior.

Governador, o professor Sapori, na edição da Folha de São Paulo de 4/3/2015, diz: “Ainda é recorrente entre os gestores da segurança pública no Brasil acreditar que o trabalho de policiamento ostensivo é o mais decisivo no controle rotineiro da violência urbana.

“A investigação policial, por sua vez, teria um status secundário, limitando-se a fundamentar o inquérito policial direcionado à instância judicial.

“É um grave equívoco que tem comprometido seriamente a capacidade do poder público de enfrentar a criminalidade. A atividade de investigar homicídios, por exemplo, coletando e sistematizando as evidências de sua autoria e materialidade, é imprescindível ao controle do próprio crime”.

Essa é a maior dificuldade na sua gestão: mudar os rumos da segurança pública de Alagoas.

Governador, os relatórios oficiais são as melhores fontes para com pompa e circunstância o governante ser enganado a partir de gráficos e de estatísticas falseados. Os da segurança públicas são uma fonte fantástica, basta, Vossa Excelência pedir uma série histórica, pois não terá números confiáveis dos seus antecessores e agora, na sua gestão, essa área está sob suspeita.  

Vossa Excelência, tenho lido na mídia, é um internauta e faz bom uso das redes sociais, usando estas ferramentas modernas para divulgar ações da sua gestão. O mesmo não ocorre com alguns dos seus subordinados que usam as redes sociais para fazer apologia da execução de supostos marginais, inclusive postam imagens de cadáveres empilhados em viaturas da polícia militar, atitude acintosa de violação das normas legais, em que a cena do crime deve ser preservada.

Essa atitude contribui enormemente para aumentar a impunidade, sinaliza para a tropa que esse deve ser o procedimento e cultua o ódio como instrumento de vingança ou justiçamento, prática abominável para ser tolerada por um governo democrático.

Governador, não desejo cansá-lo. Sei das suas inúmeras atribuições e da agenda diária pesada. O BOPE tem sido utilizado em qualquer ação. A última ocorreu no dia 27, no CEPA, quando reprimiu adolescentes e causou transtornos a todos.

Os governadores Teotônio Vilela Filho e Ronaldo Lessa, este seu aliado, não permitiam que a pretexto de manutenção da ordem pública o BOPE fosse às ruas reprimir manifestantes, até mesmo durante as grandes manifestações de junho de 2013.

O Centro de Gerenciamento de Crises e Direitos Humanos da Policia Militar é o mais capacitado do Brasil e vem sendo desmobilizado numa “politica” de sucateamento. Esses bravos policiais têm cumprido missões históricas nos últimos vinte anos em Alagoas nas negociações de conflitos.

A persistir a orientação do confronto, não tardará e algum manifestante será vitima da violência policial.

Governador, lhe desejo o que de melhor se pode desejar para alguém que foi eleito democraticamente para conduzir os interesses de Alagoas: saúde e paz.

       

 

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