Em uma narrativa tão surpreendente quanto o desfecho de uma luta travada em plena noite de Natal de 2009, o deputado estadual Dudu Hollanda (PSD) alegou, em juízo, ter agido em legítima defesa, ao agredir o então vereador Paulo Corintho (PDT), com uma mordida que lhe arrancou parte da orelha. Esta tese foi afastada, nesta terça-feira (28), pelo voto do relator da ação penal, desembargador Sebastião Costa Filho, no início do julgamento na sessão do Pleno do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ).
Dudu Hollanda pode ser condenado a três anos e meio de prisão em regime aberto. A eventual condenação não deverá resultar na cassação do mandato de Hollanda, que foi reeleito deputado estadual neste mês de outubro. Mesmo sendo alvo de condenação por órgão colegiado, não incidirá sobre este caso a Lei da Ficha Limpa. E o deputado não corre o risco de se tornar inelegível.
Segundo relatório de Costa Filho, ao qual o CadaMinuto teve acesso, Dudu Hollanda admitiu ter mordido a orelha de Corintho, para evitar agressões que a vítima estaria fazendo por meio de cabeçadas. Mas explica que arrancou parte do órgão auditivo do então colega vereador "acidentalmente", porque foi puxado por quem tentava apartar a briga. E parte da orelha de seu oponente veio junto, na sua boca, "inesperadamente"!
Ao ser interrogado, Dudu Hollanda disse que Corintho teria lhe atacado pelas costas, com um soco no rosto. A vítima afirma que iria apenas cumprimentar o colega vereador, mas o réu e testemunhas garantiram não ter havido simples tapinhas nas costas.
Segue o relato de Hollanda, que consta na ação penal nº 0002159-02.2011.8.02.0000:
Respondeu: que havia acabado de chegar no Pierre Chalita, estava conversando em pé com Eduardo Brasil, quando foi surpreendido com uma agressão pelas costas, praticada pela vítima; Essa agressão consistiu em um soco que atingiu a face esquerda, atingindo-lhe parte da narina esquerda e a boca na parte esquerda, provocando-lhe, inclusive, sangramento em ambos os locais; Que o "agressor" (a vítima) o atingiu vindo pelo seu lado esquerdo, precisamente o golpe veio do lado esquerdo pelas costas; Após ser agredido, virou-se e percebeu que o agressor se tratava da vítima e, ato contínuo, começou a esmurrar a vítima, que também o esmurrava, ambos, portanto, a partir desse instante, tocaram, rapidamente, alguns socos; Que a vítima desequilibrou-se próximo a uma parede de vidro e foi ao solo com o interrogando tentando, a todo tempo, imobilizá-lo; Com ambos no solo, a vítima, que estava por baixo do interrogando, tentou desferir cabeçadas e a forma que o interrogando teve de conter foi mordendo a orelha direita da vítima, na parte superior; Nesse instante, conseguiu imobilizá-lo; Que quando estava mordendo a orelha da vítima, os seguranças o arrancaram bruscamente do local, o que fez com que parte da orelha da vítima se desprendesse; Que a primeira atitude sua após os seguranças o terem tirado de cima da vítima, foi ter ido ao banheiro lavar o rosto, de modo que não sabe o local em que ficou o pedaço da orelha da vítima [...] (grifos do relator)
Dudu Hollanda afirma, ainda, acreditar que foi alvo de agressões, porque a Câmara teria cassado o direito do vereador Paulo Corintho de ordenar despesas, enquanto 2º secretário da Mesa Diretora.
“Legítima defesa” negada
O desfecho do caso foi adiado, depois do pedido do desembargador Washington Luiz Damasceno por mais tempo para analisar a ação penal. Mas, até agora, a única manifestação exposta pelos julgadores do processo foi o voto de Costa Filho, contrário à tese do réu.
O desembargador entendeu que Dudu Hollanda se excedeu ao se defender das agressões sofridas, porque mordeu a orelha de Corintho, sob o pretexto de imobilizar sua cabeça, no momento da luta, após ter derrubado a vítima, e ao estar por cima dela, imobilizando o então colega da Câmara de Vereador.
“Os motivos do crime e o comportamento da vítima devem ser considerados em favor do réu, pelo fato de a vítima ter contribuído para a prática criminosa e levado o réu a agir inicialmente sob o manto da legítima defesa.
As circunstâncias do crime são negativas, em razão do modus operandi para consumação do delito, qual seja, o réu, em ambiente festivo, já tendo imobilizado a vítima e encerrado as agressões, resolveu atacá-la brutalmente, decepando parcialmente a sua orelha.
As consequências do crime são negativas, em razão da necessidade de a vítima se submeter a procedimentos cirúrgicos de reconstrução de sua orelha no estado de São Paulo, ficando impossibilitada de exercer suas funções laborativas em dois momentos pelo período aproximado de 2 meses”, diz o voto do relator (grifos dele)
A pena para o crime
A mordida foi considerada lesão corporal gravíssima, por ter resultado em amputação traumática da orelha, que precisou ser reconstituída em dois procedimentos médicos, que ainda assim não evitaram o dano estético permanente. “Sem dúvida a perda de parte da orelha é um dano estético permanente, visível, irreparável naturalmente e apto a causar impressão desagradável”, concluiu o desembargador-relator.
Costa Filho lembra ainda que a situação vexatória foi amplificada pelas declarações de Dudu Hollanda à Revista Veja, em que o hoje deputado afirmou: “Sou bom de boca”, após o ocorrido.
O relator fixou a pena-base em quatro anos e três meses de prisão, reduzida em 1/6 para três anos e seis meses de prisão, por conta da agressão de Dudu Hollanda ter sido seguida de “injusta provocação da vítima”, Paulo Corintho.
A possibilidade de a pena representar a perda do mandato de Dudu Hollanda também foi descartada pelo relator, por esta ser inferior a quatro anos, como disposto no Artigo 92 do Código Penal.
Tentativa de suspender o julgamento
O deputado estadual Dudu Hollanda tentou evitar o julgamento pela acusação de lesão corporal gravíssima, evocando a Constituição do Estado de Alagoas para que a Assembleia Legislativa fosse consultada a respeito do prosseguimento ou suspensão do processo, para garantir seu suposto direito à prerrogativa de foro privilegiado. Mas o benefício previsto no artigo 74, §3º, da Constituição Estadual não foi aplicado porque a confusão ocorreu antes de Hollanda ser diplomado para o mandato de deputado estadual.
"Em decisão às folhas 212, indeferi o pedido do réu, concernente a intimação da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas para que esta manifestasse interesse no prosseguimento ou suspensão do processo, tendo em vista ser ele Deputado Estadual, em razão do artigo 74, §3º, da Constituição do Estado conferir essa prerrogativa aos crimes ocorridos após a diplomação, o que não é o caso, já que o fato supostamente delituoso teria ocorrido quando o réu não ocupava este cargo eletivo", relatou Costa Filho.
Na próxima sessão do Pleno, prevista para o dia 4 de novembro, o desembargador Washington Luiz deverá expor seu voto sobre este tosco episódio, que merece um desfecho justo e equilibrado, como parece ter sido o entendimento do desembargador Sebastião Costa Filho.