A cidade e as bibliotecas

01/10/2014 12:11 - Geraldo de Majella
Por redação

As cidades surgem em lugares muitas vezes inesperados, à beira-mar, de lagos, restingas. Maceió é um exemplo: bate com os costados no oceano Atlântico, mas não deixou por menos, abriu o seu coração para os canais e manguezais da Mundaú; outras foram construídas em topo de montanhas, depressões vulcânicas, às margens de rios, como Anadia, banhada pelo São Miguel.

Maceió, para o historiador Craveiro Costa, “nasceu espúria (...) no pátio de um engenho colonial, sem ascendência conhecida e assentamento autorizado nas crônicas do período histórico da luta pelo domínio do gentio e conquista da terra”.      

 O sítio histórico tido por Craveiro Costa como sendo o núcleo formador de nossa cidade conserva, apesar de maltratado, um conjunto arquitetônico importante. As construções remanescentes dos séculos XIX e XX localizadas na praça Pedro II resistem, não sabemos como e de que maneira, à fúria da demolição do patrimônio histórico formado ao longo dos séculos.

Abstenho-me de encampar a polêmica versão sustentada por Craveiro Costa, que defendeu a tese de que a cidade surgiu a partir do engenho Massayó, que moeu cana e fabricou açúcar onde hoje se localiza a Assembléia Legislativa e suas adjacências. Décadas depois, essa tese foi contraditada pelo pesquisador Moacir Sant’Ana, que afirma, baseado em documentação, haver Maceió nascido à beira-mar, na enseada de Jaraguá. 

No quadrado onde foram erguidos os prédios da Assembléia Legislativa, a Catedral metropolitana, a sede do Ministério da Fazenda, o Arquivo e a Biblioteca Pública estadual, além da majestosa estátua do imperador Pedro II, que do centro da praça a tudo impávido observa, antes existia um bem cuidado jardim; restaram apenas as árvores centenárias, oitizeiros e palmeiras imperiais que continuam a ornamentá-lo, oferecendo sombra ao cidadão que ao passar pelo antigo logradouro pode livrar-se do sol escaldante do verão alagoano.

As cidades cada vez mais se tornam conhecidas através dos seus símbolos econômicos, intelectuais e culturais. Em Maceió ocorre o oposto: a representação do passado é o canal que a todo instante denuncia a ignorância e o obscurantismo, por não ser preservada. É fácil constatar isso ao caminhar pelas ruas centrais da cidade e com atenção olhar o casario abandonado ou já destruído.

 

Bibliotecas da cidade

 

A Biblioteca Pública estadual é a voz necessária encravada no centro de Maceió. Ao ser transferida da rua do Comércio, na década de 1960, para o atual prédio, ganhou espaço e pompa ao ser instalada no novo edifício, ajudando portanto a manter o clima de efervescência intelectual na cidade. Teve o acervo ampliado e ganhou melhores acomodações.

A criação da Universidade Federal foi decisiva e, daí em diante, outras escolas de ensino superior foram abertas em Maceió. As mudanças no mundo cultural são expressivas, mas um dado é preocupante nesse contexto: a biblioteca estadual continua a ser a única a prestar serviços à comunidade e a preservar um acervo que a cada dia se deteriora pela falta de recursos destinados à manutenção e à modernização desse imprescindível equipamento cultural público. Atualmente, os maiores freqüentadores são os estudantes da rede pública de ensino, moradores de bairros distantes.

Os avanços tecnológicos têm modificado hábitos de pesquisadores e de estudantes: a facilidade de se obter informações através da rede mundial de computadores, a internet, é o diferencial em relação ao que se realizava no passado recente, quando a biblioteca, enquanto instalação física, era determinante. Ao conectar–se, qualquer um entra nas principais bibliotecas do Brasil e do mundo.

Localizado no centro da cidade, rua do Sol, com a ladeira do Brito, o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas - IHGAL, fundado em 1869, mantém extraordinário acervo onde a história, a geografia e a cultura da gente alagoana estão  efetivamente preservadas e postas à disposição dos que têm interesse em pesquisar esses temas. A biblioteca do IHGAL tem milhares de volumes, muitos desses, raros; há ainda coleções de periódicos em sua hemeroteca, que vem sendo formada desde o século XIX até os nossos dias. 

O IHGAL é na atualidade o principal guardião da memória alagoana e certamente, por ser uma instituição privada, é que pôde ao longo de 136 anos manter em excelentes condições de conservação o rico acervo formado essencialmente pelas doações de seus sócios.

A Academia Alagoana de Letras, também localizada no centro da cidade, é outra instituição que tem se preocupando em organizar uma biblioteca e em dar acesso ao público, principalmente aos pesquisadores. E pode-se afirmar que o acervo já catalogado é uma das referências na cidade na área de literatura, muito embora pouco conhecida.

A Fundação Jayme de Altavila – Fejal, mantenedora do Cesmac, tem surpreendido a todos com a organização e com o crescimento do acervo bibliográfico. Há uma nova concepção em prática naquela instituição, na qual a biblioteca central tem recebido investimentos na modernização e na ampliação do seu acervo, inclusive tendo sido incorporada parte considerável da biblioteca do historiador Jayme de Altavila, que empresta seu nome à instituição.

Infelizmente o mesmo não podemos dizer do enorme acervo bibliográfico, patrimônio valioso da Biblioteca Central da UFAL. São milhares de volumes em situação precária, sem falar de outros tantos milhares de livros amontoados em depósitos,  ainda não catalogados e postos à disposição dos alunos e dos pesquisadores. É o sinal do sucateamento da universidade pública brasileira, obra que ardilosamente vem sendo executada durante as últimas décadas. A alegação para tal descaso é a crônica falta de recursos financeiros.

Mas o mundo encantado das bibliotecas pode ser visualizado no bairro do Poço, na biblioteca do Serviço Social do Comércio - SESC, pela movimentação de milhares de jovens,  principalmente, que para ali acorrem. É, creio, a única biblioteca da cidade que empresta livros à população há quase três décadas, contribuindo assim para a formação de leitores daquele bairro popular e de outros que para lá se dirigem com esse fim.

 

O leitor essencial

 

A magia da leitura e o encantamento das bibliotecas atraem milhares de leitores. Desde a década de 1970, consta como usuário assíduo, Walfrido Pedrosa de Amorim – Nô Pedrosa, como é conhecido, personagem tradicional da esquerda alagoana. A carteirinha de usuário da biblioteca é talvez a identidade desse velho e irrequieto leitor.

A figura pública de Nô Pedrosa, ex-militante do PCB na juventude, é sempre associada ao anarquismo, militância que abraçou como opção de vida. De uma coisa ele não pode ser acusado: de que não gosta de livros e de bibliotecas. Fez disso um sacerdócio; digo isso consciente de que estou proferindo uma heresia, já que o incrédulo anarquista talvez não entenda que o seu modo de viver seja um sacerdócio.

Esse personagem é uma raridade em nossos tempos, despojado de qualquer apego a bens materiais. Assim é conhecido, mas para muitos é tido como louco; para outros, é um ser integrado à paisagem urbana de Maceió e umbilicalmente vinculado à Biblioteca estadual. Foi a partir desse local que chegou a formar seguidores durante a década de 1970, quando resistir à ditadura militar era, também, freqüentar o grupo do Nô Pedrosa, em frente à BPE.

O fato de nunca ter vendido a sua força de trabalho a qualquer patrão o torna um ser que vive livre das amarras da sociedade capitalista. Encantado com os livros, continua a viver como nasceu: livre. Devemos manter a luta para que seja criada, em Maceió, uma rede pública de bibliotecas. Assim iniciaremos a grande caminhada em direção ao futuro, quando os livros passarão a ser um bem essencial e disponível a todos.

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