Sobreviventes das Alagoas - os sebos de livros

27/09/2014 17:18 - Geraldo de Majella
Por redação

         

        Os sebos em Maceió têm crescido nos últimos anos e vêm se tornando um “mercado promissor”. Fazem-se visíveis as livrarias de usados em um improviso generalizado, funcionando em logradouros públicos. São locais onde se vendem livros, dicionários, almanaques, discos, cd-rom, dvds, revistas e outros produtos culturais. A maioria deles está localizada nas ruas dr. Pontes de Miranda, marechal Roberto Ferreira, do Imperador  e barão de Atalaia. São dezenas de barracas encostadas no gigantesco  paredão da Assembléia Legislativa e alhures. Nessa área concentra-se a maioria dos sebos da cidade, mas há os diferenciados.

 

Um dos primeiros sebos da cidade

      

        O crescimento dessa atividade em Maceió tem contribuído para a difusão da cultura, mas por ironia do destino o aparecimento, da forma descrita por mim, ocorreu de uma maneira não usual - pela singularidade. Um dos primeiros comerciantes nesse tipo de atividade foi uma pessoa simples, do povo, “de poucas letras”, que havia frequentado alguns poucos anos de salas de aula, e que antes de descobrir esse filão exercia uma atividade profissional típica dos excluídos, dos pobres: a de carroceiro.

        Benedito Ferreira Lima, o Biu, como era conhecido, se tornou o primeiro, creio, vendedor de livros usados estabelecido no paredão da Assembléia Legislativa, em meados da década de setenta. O livro, para Biu, não passava de uma mercadoria que ele comercializava a preço baixo em relação aos das livrarias legalmente estabelecidas. Dessa forma o ex-carroceiro sustentou a si e à sua família.

O livro evolui como parte do processo de desenvolvimento das civilizações, até chegar ao que atualmente conhecemos, passando por várias fases: a do papiro, a do pergaminho, chegando ao papel manufaturado, confeccionado a partir de trapos, e alcançar a fase do papel industrializado, feito de pastas de madeira, para hoje tornar-se virtual. O nosso livreiro jamais soube desta longa e difícil trajetória, mesmo que de forma remota ou ilustrativa, mas o fato é que ele conseguiu involuntariamente estimular o que hoje podemos denominar de corredor cultural do “Paredão da Assembléia”.

 

O surpreendente início

 

        No começo, Biu negociava com papel velho, garrafa, lata e outros objetos, hoje em dia denominados “recicláveis”. Um certo dia comprou, a preço módico, uma biblioteca, de uma tradicional família alagoana desejosa de livrar-se finalmente daquele estorvo. Biu iniciou o transporte em sua carroça, por ele próprio puxada – conhecida como “burro sem rabo”. Cansado, parou na praça Dom Pedro II, em frente à estátua do imperador, um belo monumento construído em homenagem a Sua Majestade; ao arriar a carroça, pesada, cheia de livros, os transeuntes, vendo a inusitada cena, foram parando e aglomerando-se em torno da carroça: iniciava-se ali mesmo a venda dos livros, adquiridos inicialmente como papel imprestável, destinado a embrulho.

Ao despertar o interesse dos “clientes” que transitavam apressados pela praça, ato contínuo Biu percebeu sua nova e repentina aptidão, sem sequer saber ao certo como deveria chamá-la, mas o fato inquestionável é que agora ele inaugurara nova atividade comercial.

O destino da carga foi subitamente alterado, e a “montanha” de livros comprados das famílias ilustres de nossa capital teria destino glorioso: a difusão da cultura. Não mais papel para embrulhar mercadorias vendidas no Mercado Público, em bancas fedorentas de peixes, mariscos, verduras, frutas, crustáceos, além dos embrulhos de sabão, prego, material de construção etc.

        Passados mais de 10 anos de sua morte, acontecida quando contava ainda 48 anos de idade, percebemos hoje que ele nos deixou a  perseverança como legado cultural - os sebos do centro de Maceió cresceram e se tornaram referência -, e uma nova geração de livreiros surgiu. Nesse contexto, a segunda geração de sua família deu continuidade, através do seu filho, José Augusto da Silva Lima, que desde os oito anos de idade trabalhava na banquinha do pai, estabelecendo-se posteriormente como proprietário de uma livraria de usados.

        O livro está distante de se tornar um produto essencial à vida da população, que não o considera gênero de primeira necessidade. Os preços proibitivos têm transformado os livros em produtos para poucos. Talvez esse seja o motivo do crescimento de freqüentadores de sebos, o preço relativamente acessível se comparado aos das livrarias estabelecidas.

        Na falta de alfarrábios mais sofisticados, com raridades bibliográficas, os sebos improvisados do “Paredão da Assembleia” e das ruas adjacentes vão sobrevivendo às intempéries: enfrentam sol, chuvas e enchentes, a voracidade dos roedores inimigos declarados dos impressos, esses convivas folgados que transitam pelos logradouros da capital causando enormes prejuízos aos proprietários de lojas e bancas.

        A pouca visibilidade que este comércio tem deve-se talvez a que os seus consumidores são oriundos de classes sociais pauperizadas ou mesmo a baixa classe média, que velozmente se proletariza. Porém, diante da pobreza material da população e das altas taxas de desemprego, os que ainda conseguem manter seus negócios em face de um quadro econômico adverso pela persistência laboriosa e enfrentado as pesadas peculiaridades e preconceitos de toda ordem, merecem nosso respeito e elogio pela dignidade com que exercem o seu ofício.

 

 

 

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