As livrarias e os livreiros

24/09/2014 11:26 - Geraldo de Majella
Por redação

 

Há entre as profissões uma que particularmente me seduz: a de livreiro. Comercializar livros é disponibilizar um bem cultural que contribui para transformar as pessoas e o mundo.

É recorrente lembramos de livreiros e livrarias. Monteiro Lobato foi múltiplo, criou a livraria Brasilense, foi editor, jornalista e um extraordinário escritor. Outro nome que sobressai no cenário nacional é o de José Olympio, editor e livreiro. Na sua famosa livraria os principais intelectuais do Brasil se reuniam. Entre esses o alagoano Graciliano Ramos, junto a Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e tantos mais. Os encontros diários na livraria José Olympio se tornaram célebres e marcaram definitivamente a história da literatura brasileira.

Não é raro ouvirmos referências às livrarias que foram importantes, mas que por motivos outros fecharam suas portas. Essas lembranças surgem num clima de certa nostalgia, seja entre jovens intelectuais, estudantes, ou entre antigos leitores que freqüentaram ambientes agradáveis como são os das livrarias. Por mais simples e singelas que sejam, paira nas livrarias uma aura de saber sobre os livros e prateleiras.

As gerações que adquiriram o hábito da leitura e estabeleceram com o livro uma relação de amor sentem pelas livrarias uma atração indescritível, diferentemente dos que estão se formando em contato direto com o mundo virtual. O livro em papel é algo menos prazeroso, imagino. As janelas que se abrem ao mundo através da tela de computador vêm via conexão à rede mundial, onde é possível acessar as mega-livrarias virtuais que disponibilizam milhões de títulos em todos os idiomas e dialetos. Algo impensável até bem pouco tempo. Isso evidencia que o livro no formato tradicional continuará sua trajetória secular e insubstituível.

 

Antigas livrarias de Maceió

 

Livraria em Maceió sempre foi uma atividade econômica de pouca expressão. No entanto, esse tipo de negócio marcou época na cidade e na vida cultural de Alagoas. A livraria Casa Ramalho, fundada por Manoel Joaquim Ramalho, foi um grande marco na vida cultural de Alagoas no século XX. Estabelecida na rua do Comércio, funcionava também como editora. Pela Ramalho, nomes como Jayme de Altavila, Humberto Bastos, Alfredo Brandão, Craveiro Costa, Théo Brandão, Abelardo Duarte, Felix Lima Júnior, Humberto de Araújo Cavalcanti e tantos outros importantes intelectuais foram editados e tiveram seus livros vendidos por mais de setenta anos.

A rua do Comércio era o principal logradouro da “Maceió de Outrora”. Nessa mesma rua funcionou por muitos anos a livraria José de Alencar, propriedade do Enéas, local que também aglutinou intelectuais nas décadas de cinqüenta, sessenta e setenta na cidade. Já na Moreira Lima reinava a livraria Castro Alves do livreiro José Barros.

Em Maceió, na década de 1970, instalou-se a Livro 7, livraria originária de Recife que funcionou de 1976 a 1983, e ajudou durante esse período na ampliação do horizonte de leituras na cidade. Quando o País vivia as agruras de uma ditadura militar, o mercado editorial se ressentia em não poder editar livros que aos olhos dos ditadores eram tidos como subversivos. A intensa censura aos meios de comunicação, as artes em geral ampliava o terror, intimidava, para dizer o mínimo.

Os editores mais ousados corriam os riscos e colocavam pequenas edições no mercado. A Livro 7 era uma dessas livrarias que ousava e corria os riscos necessários para difundir os bons livros e arejar o ambiente pesado e turvo da cidade. Comercializar livros que expressassem o pensamento filosófico e político de esquerda ou simplesmente de adversários do regime militar era um ato de ousadia e uma maneira de resistir à tirania.

Localizada na rua Cincinato Pinto, a Livro 7 não demorou muito tempo e tornou-se um ponto freqüentado pela intelectualidade de esquerda e democrática. Em torno dos livros, nos finais de tardes reuniam-se jovens ativistas, estudantes, professores universitários, profissionais liberais. Era o point de que a rapaziada necessitava. Os encontros serviam para discutir, resenhar o último livro lido, comentar o filme da semana - não eram muitos, pois o cinema andava em baixa -, falar mal do governo militar e marcar o encontro para a farra no final de semana no Bar do Alípio, à beira da lagoa Mundaú ou no Ipaneminha, na Pajuçara.

O leitor que desejasse adquirir os clássicos da economia política do filósofo alemão Karl Marx, por exemplo, não teria outro local mais apropriado que a Livro 7. O teatro do dramaturgo alemão Bertold Brecht, a poesia russa e universal de Maiakoviski, a de Ferreira Gullar, o teatro de Dias Gomes ou do “marginal” Plínio Marcos, perderia tempo quem fosse a outro local que não a Livro 7. A livraria tornou-se o ponto de encontro da esquerda dos anos 70 e 80 em Maceió. Durante um certo tempo, na década de 80, quem se tornou vizinho da Livro 7 foram os comunistas do PCdoB, o que fez aumentar ainda mais a aglomeração de militantes da esquerda alagoana na livraria. A razão social da Livro 7, a partir de 1983, muda, passando a se chamar Caetés, nome que permanece até hoje, no mesmo local, sob a direção do João Pereira.

Alagoas durante boa parte do século XX teve altas taxas de analfabetismo, rivalizando com o Piauí. Se levarmos em consideração as estatísticas do censo de 1950, Alagoas tinha 77,9% e o Piauí 78,4% de analfabetos. Argumento forte para qualquer cidadão pensar muito ao decidir instalar uma livraria ou editora e se perguntar: quem compraria livros nessa terra?

O Brasil tem apenas 2.008 livrarias e uma população que ultrapassa os 180 milhões de habitantes, o que dá, em média, um estabelecimento para cada 89,6 mil habitantes. A Argentina, nosso vizinho ao sul do continente, chegou a ter 950 livrarias para uma população de 37 milhões de habitantes, o que dá, em média, 34,9 mil habitantes para cada estabelecimento. Cerca de 250 livrarias fecharam com a crise econômica, mesmo assim ainda há 700 livrarias. O que dizer de Paris, que tem duas mil livrarias apenas na capital francesa?

Entanto, não há por que desanimar. Como nem tudo está perdido, muitas livrarias nas últimas décadas abriram e fecharam em Maceió (mas isso faz parte de outra história, não desta que contamos aqui).  É crescente a profissionalização e o empenho de livreiros, editores e escritores, o que gera um significativo incremento na venda de livros em nosso Estado.

 

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