Passado o primeiro trimestre do ano, a expectativa não é das melhores para 2014. O setor sucroalcooleiro, coração econômico de Alagoas, não resistiu à combinação da seca, dos preços praticados pelo governo federal para o álcool e o processo de mecanização, e mostra sinais claros de estagnação. Os índices negativos obrigaram todos os dependentes da cana-de açúcar a direcionar investimentos para outros setores na tentativa de fugir desse efeito-bomba.
Não é necessário andar muito por Alagoas para constatar a dependência e os efeitos que a crise no setor sucroalcooleiro vem causando. O Estado amarga uma década com índices negativos no seu PIB (Produto Interno Bruto), ficando abaixo inclusive, da média nacional e figurando entre os que menos cresceram na região. Por conta da seca que causou enormes prejuízos em todo o Nordeste, a situação se complica ano após ano.
Para ter ideia da dimensão da crise, a cana-de-açúcar é responsável por 75% da produção industrial do Estado e representa 15% do PIB. Mais de 80% dos empregos formais criados em Alagoas tem origem no setor sucroalcooleiro. Porém as vagas no setor da indústria da transformação vêm diminuindo desde 2011. Eram 106 mil e caíram para 93 mil.
A crise financeira que assola o setor país afora já obrigou pelo menos 50 usinas de cana-de-açúcar a fechar suas portas por conta das baixas sofridas. Em Alagoas a situação se agravou nas safras de 2012 e 2013, resultado de uma seca castigante. Segundo o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Alagoas (Sindaçúcar/AL) a estimativa era de se beneficiar 21,9 milhões de toneladas de cana este ano. Porém a variação negativa deve chegar a -21,3% na produção de açúcar e de -7,7% de etanol. A perda continuada acabou por afetar a economia estadual e também ocasionou a asfixia dos municípios que dependem da cana.
O efeito dominó da crise levou várias usinas ao endividamento e os trabalhadores se viram obrigados a acionar a Justiça para conseguir receber os vencimentos atrasados.
“Essa combinação de fatores negativos reduziu de forma significativa a receita do setor no Estado em mais de R$ 1,5 bilhão, além de fomentar uma estreita margem das empresas para cobertura de seus custos e normalizar os seus fluxos de caixa”, afirma Pedro Robério Nogueira, presidente do Sindaçúcar.
Nogueira ainda alerta que a política de preços praticados pelo Governo Federal para a gasolina e o etanol é outro ingrediente que apimenta ainda mais a crise em Alagoas. “A esperança é que a próxima safra, no que diz respeito às condições climáticas, indique um início de recuperação na produção de cana face à normalidade até então das chuvas, além da esperança que o Governo Federal restabeleça as condições econômicas necessárias para a produção do etanol em bases competitivas e sustentáveis”, estima.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (FIEA), José Carlos Lyra defende que o Governo Federal precisa urgentemente dar mais atenção ao setor sucroalcooleiro. Para Lyra, enquanto a política de preços para o etanol e a gasolina não forem modificados, a economia de Alagoas vai ser afetada.
“A crise no setor sucroalcooleiro advém do preço dos combustíveis. São vários anos que não se tem reajuste na gasolina e no álcool. Quando houve mudanças na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), o setor no país sofreu os efeitos. Das 24 usinas do Estado, três não moeram esse ano. Os fornecedores das usinas também foram afetados e muitos foram obrigados a fechar as portas para não quebrar. A Federação também está sensível e abre as portas para as discussões, mas enquanto não houver uma mudança na política governamental, Alagoas e os demais Estados que dependem do setor irão continuar sofrendo os efeitos dessa crise”, afirmou.
Remando contra a maré
Alagoas ainda segue os moldes econômicos de sua fundação, porém as finanças mostram sinais de que precisam de desenvolvimento e de mudanças estruturais. A modernização e a substituição do homem pela máquina são paulatinamente introduzidas nas usinas do Estado, mas mesmo com as opções de investimento no setor, a economia estadual mostra que sem a industrialização e modernização, velhos problemas já anunciados pelo economista Celso Furtado irão predominar: expandir, lucrar, não disseminar dinâmica, entrar em crise e deixar como legado uma massa de economia de subsistência.
O mix de seca, mecanização da colheita e a política de preços do Governo Federal para o álcool implicou em sérias mudanças em outros Estados do Nordeste. Em Pernambuco, por exemplo, a produção da cana se viu sufocada após o desenvolvimento industrial do Estado e a desaceleração do setor sucroalcooleiro e algumas usinas já apostam em outros setores para se refugiar. Na zona da Mata do estado vizinho parte das terras está sendo usada para a construção de empreendimentos imobiliários.
Uma das bandeiras dos últimos anos do governo Teotônio Vilela tem sido a atração de indústrias, sejam para os polos José Aprígio Vilela, na cidade de Marechal Deodoro, em Maceió no polo Governador Luiz Cavalcante, ou para as cidades da região Metropolitana.
A maioria das empresas e multinacionais que se instalaram no Estado – parte delas da indústria do plástico - aproveitaram a liberação dos incentivos fiscais, creditícios e locacionais. Ao todo cem indústrias foram instaladas e a fórmula acabou rendendo R$ 5 bilhões em investimentos injetados na economia estadual, segundo dados da Secretaria Estadual de Planejamento (Seplande).
Na última sexta-feira (16), o governador Teotonio Vilela disse, durante a solenidade de lançamento da pedra fundamental do Polo Industrial de Palmeira dos Índios, que o investimento feito na cidade faz parte de um conjunto de ações que estão acontecendo em todo o Estado. "Estamos diversificando a nossa economia. Nos últimos sete anos, trouxemos mais de 40 hotéis, dois grandes shoppings e dezenas de outros empreendimentos. Isso é uma prova de que conquistamos a credibilidade junto aos investidores", enfatizou.
O Polo contará com 21 lotes destinados a empresas do segmento têxtil, metal mecânico, agronegócio, moveleiro, alimentício, além de centrais de distribuições. Cerca de 3.000 empregos diretos e indiretos devem ser gerados. A estimativa é que o novo polo beneficie a economia dos municípios de Craíbas, Igaci, Belém e Maribondo.
O economista Fábio Guedes defende que o investimento na diversificação da economia de Alagoas é necessário para fazer com que o crescimento volte a acontecer. Ele afirma que apesar dos esforços do governo para incentivar e ampliar os parques industriais do Estado, ainda é necessário mais investimento, já que mais de 70% da economia de Alagoas provém do setor sucroalcooleiro.
“Os setor de comércio e serviços atualmente puxam a economia alagoana, mas até quando ele irá suportar? Há o investimento na construção civil e na indústria do plástico, mas ainda são atividades que passam longe de suprir as necessidades. O setor da construção civil teve seu pico em 2010 por conta das enchentes que afetaram o Estado, mas hoje é um setor em desaceleração. É necessário se pensar em investimentos mais grandiosos sem interromper o que já está sendo feito”, analisa.
Da cana ao eucalipto: um novo caminho para driblar a dificuldade com mecanização
A paisagem na usina Caeté/Cachoeira começa a ter novas tonalidades de verde. Os hectares que antes eram apenas ocupados pela cana-de-açúcar agora dividem espaço com os jovens pés de eucalipto. Localizada no Benedito Bentes, parte alta de Maceió, mais da metade das terras são acidentadas, o que impede a colheita mecanizada. Desde o ano passado, a direção da usina decidiu apostar no cultivo do eucalipto visando a produção de madeira e a produção de energia num futuro próximo.
Em outras partes o país, a colheita da cana está perto de ser completamente mecanizada. Em São Paulo, por exemplo, 98% da próxima safra devem seguir esses padrões. De acordo com Fábio Guedes esse é outro problema que deve agravar ainda mais a situação das usinas de Alagoas.
“As terras que estão localizadas em regiões de Tabuleiro, como no Litoral Norte do Estado, já começam a implantar a mecanização, mas há usinas que estão localizadas em terrenos acidentados, e nesses locais, a desocupação das terras usadas para o plantio de cana é uma tendência”, explica.
Segundo o gerente-geral da usina, Ricardo Paiva, o plantio de eucalipto já vinha sendo discutido há cinco anos. A crise do setor sucroalcooleiro fez com que esse interesse fosse acentuado. Assim como nas demais usinas do Estado, as últimas safras representaram números abaixo do estimado. A esse cenário crítico, soma-se a dificuldade da mecanização. Ao todo são 17.800 hectares de terras, porém 60% são áreas acidentadas onde as máquinas não atuariam. Após algumas reuniões, alguns campos experimentais – um deles na Cachoeira- foram implantados em Alagoas a fim de observar qual região e que tipo de eucalipto se adequaria ao clima.
“Não foi só a crise no setor sucroalcooleiro que nos incentivou a buscar uma alternativa, mas tínhamos um problema com a mecanização, já que mais da metade de nossas terras estão em terrenos onde as máquinas não iriam colher a cana. Depois de alguns experimentos, escolhemos cinco tipos de cones de eucalipto e plantamos em 1.500 hectares ano passado. Este ano vamos dobrar a área plantada e nossa expectativa é que em nove anos tenhamos 13.900 hectares com eucalipto”, explica Paiva.
Em outros estados brasileiros, a produção de eucalipto é puxada pela demanda da indústria de celulose. No Mato Grosso do Sul, a área plantada aumentou de 90 para 580 mil hectares nos últimos nove anos. Segundo dados da Associação de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas, o estado ocupa a 4ª colocação em plantio de eucaliptos. Em Alagoas, a usina pioneira nesse segmento pretende abastecer o mercado regional moveleiro, exportando madeira para a produção de móveis em MDF. As áreas planas continuarão sendo usadas para o cultivo de cana. “Teremos áreas melhores para a produção de cana. Podemos chegar a aumentar em 15 toneladas a produção, o que já vai cobrir os custos com o eucalipto”, diz Paiva.
Ao lado do gerente da usina, a reportagem do Cada Minuto percorreu parte das terras das usinas e constatou as mudanças que estão sendo realizadas para que as terras possam receber as mudas de eucalipto. A área que já está plantada possui pés com dez meses e mais de seis metros de altura.
Em outro trecho, a cana já está em fase de preparação para desocupar a terra. É possível ver também hectares da usina que já estão preparados para receber as mudas de eucalipto, que são trazidas de Minas Gerais. Ricardo explicou que todo o processo de plantio é feito de forma manual, mas a colheita será feita em sua maioria de forma mecanizada. De longe também é possível vislumbrar de que forma o eucalipto irá atuar para fazer a ligação com a Mata Atlântica presente no local, cerca de 35% das terras. A sustentabilidade e o poder de recomposição florestal são levados muito em conta pelas empresas que apostam na espécie.
“As máquinas que colhem eucalipto descem no sentido que ele é plantado, daí a facilidade de se colher até os pés que estão na beirada da encosta. Se fosse cana, a máquina não chegaria nesse ponto. O eucalipto nos dá essa perspectiva de não se ter perdas, pois a matéria-prima possui uma uniformidade e isso beneficia na hora de vender o produto no mercado. Quando tudo estiver plantado, teremos ainda os corredores formados para ligar a área de mata. Isso vai beneficiar o meio ambiente como um todo”, completa.
Apesar de ser uma plantação nova com apenas 10 meses, os planos para atender ao mercado regional já estão bem definidos. A usina está dentro do perímetro urbano de Maceió, o que facilita o escoamento da produção para polos moveleiros, o porto e até mesmo para Estados vizinhos. A produção de energia a partir do eucalipto também é outro segmento que está em fase de estudos e deverá ser implantado em um futuro próximo pela usina.
“Nosso principal objetivo é produzir madeira para abastecer o mercado do Nordeste. Temos uma boa localização para escoar para as fábricas de Maceió e estamos próximos também de Suape, em Pernambuco. Mas a produção de energia está dentro dos nossos planos. Ainda estamos em fase de estudo, avaliação e conversas, mas creio que num futuro próximo seja uma realidade para nós”, avalia Ricardo Paiva.