Encruzilhadas do próximo Governador de Alagoas

04/04/2014 06:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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Adverti, Sancho amigo, - respondeu D. Quixote - que esta aventura, e outras semelhantes a esta, não são aventuras de ilhas, senão só encruzilhadas, em que se não ganha outra coisa senão cabeça quebrada, ou orelha de menos. Tende paciência; não vos hão de faltar aventuras, em que não somente eu vos possa fazer governador, mas alguma coisa mais...” [Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha, Capítulo X].

Os desafios do próximo governador serão muitos. Assim como a atual gestão enfrentou certas dificuldades para iniciar o governo, o próximo gestor que tomará posse em janeiro de 2015 terá pela frente que equacionar problemas extraordinários. Seja qual for sua vinculação política, coligação ou partido, o que importa é que não será tão fácil governar se faltar competência, equipe integrada e bons projetos. Tudo em Alagoas é prioridade atualmente.

É verdade que a atual gestão fez um esforço fenomenal de trazer as finanças públicas à um ponto de melhor equilíbrio. Não foi fácil reduzir a Dívida Consolidada Líquida [DCL] em comparação a Receita Corrente Líquida [RCL]. Por exemplo, em 2003 a DCL era de 2,77 vezes a RCL. Em 2006 caiu para 2,22, taxa muito elevada ainda para atender os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal [LRF].

A partir de 2007 o processo de redução se acentuou até a DCL chegar 1,38 vezes da RCL, em 2013. Enquadrando-se perfeitamente dentro dos limites de endividamento estabelecidos em Resolução do Senado Federal Nº 40 de 2001, alterada pela resolução de número 5 de 2002. Isso possibilitou ao Estado acessar novas linhas de crédito para financiar novos investimentos públicos. Quer dizer, saímos de uma espécie de “SERASA”.

Dois fatores foram importantes nesse ajustamento, principalmente entre 2007 e 2013: i] o aumento na eficiência na arrecadação fiscal, principalmente na receita com ICMS e ii] o crescimento no volume de vendas no comércio varejista em todo o país, a partir de 2004, e, especialmente, na economia alagoana.

Para corroborar o que foi colocado, o quadro abaixo mostra o crescimento acumulado anual do volume de vendas do comércio varejista em Alagoas e no Brasil [excluindo-se os setores de construção civil e concessionárias de veículos]. Observe que entre 2001 e 2006 as vendas do comércio em Alagoas cresceram 5,2% em média, mesmo com os desfavoráveis resultados verificados nos três primeiros anos da década.

 

Por outro lado, entre 2007 e 2013 as vendas no comércio varejista em Alagoas cresceram 9,2% em média. Isso permitiu que a arrecadação de ICMS se elevasse 11,5%, em média, no mesmo período. Mas, como se pode observar no quadro seguinte, a variação do volume de vendas mensal em comparação com o mesmo período do ano anterior vem se reduzindo no Brasil e em Alagoas desde 2010, como aponta a linha de tendência [preta]. O ano de 2012 foi ótimo, entretanto, em 2013, as vendas do comércio varejista só reagiram a partir do segundo semestre. Apesar da tendência em queda, o quadro de Alagoas ainda é melhor, pois o comercio ainda continua pujante, todavia com viés de queda.

Portanto, o forte crescimento recente do comércio alagoano, a elevação da receita fiscal própria, a evolução do FPE de 61% [2007-2013] e a forte contenção de despesas, permitiram um ajustamento fiscal extraordinário e redução da participação da DCL na RCL. Observe, no quadro seguinte, que é justamente a partir de 2007 que o crescimento acumulado da RCL supera em tendência a DCL. Para confirmar esse processo, entre 2007 e 2013 a DCL subiu apenas 19%, enquanto a RCL 72,8%.

 

Ademais, esse ajustamento além de trazer os indicadores de endividamento para dentro dos limites estabelecidos pela LRF, comprometer sumamente várias políticas públicas e a capacidade de investimento, também financiou os encargos financeiros da dívida pública estadual com o governo federal [Lei Federal 9496/1997]. Conforme apuramos dos vários dados da Secretaria do Tesouro Nacional, entre 2000 e 2006 saíram dos cofres públicos estaduais R$ 1,8 bilhões somando juros e amortizações. Entre 2007 e 2013, R$ 3,4 bilhões, duas vezes mais!

Entretanto, esse cenário de forte ajuste fiscal, turbinado pelo crescimento do comércio alagoano e, principalmente, a formidável evolução da arrecadação de ICMS, está ameaçado porque o volume de vendas no comércio varejista e ampliado [que inclui comércio de construção civil e automóveis e motocicletas] no estado vem diminuindo.

A principal razão é a acomodação do consumo em patamares mais baixos, depois do surto promovido na segunda metade da década de 2000. Portanto, do ponto de vista das finanças públicas, o próximo governador poderá se defrontar com um cenário econômico de baixo dinamismo fiscal, com um nível de receitas próprias bem menores.

Isso pode acarretar em grandes dificuldades para gerir a máquina pública, conceder benefícios e reajustes salariais, executar políticas públicas e programas com recursos próprios, realizar contrapartidas nos projetos em parceria com o governo federal e executar investimentos próprios. Oxalá que a mudança no indexador da dívida pública estadual, passando do atual IGP-DI para o IPCA, traga melhor folga fiscal nos próximos anos.

No contexto desse cenário, Alagoas precisará aumentar a capacidade de arrecadação própria, principalmente com o alargamento da arrecadação tributária. Certamente esse alargamento possibilitará uma distribuição mais equânime do peso dos impostos, com a desoneração daqueles setores produtivos onde as alíquotas são bem maiores, tornando nossa economia mais competitiva regionalmente

O outro ponto de preocupação é em relação a evolução do estoque de empregos formais no estado. O futuro não é tão alvissareiro, com possíveis e fortes consequências sociais. O próximo governo pode herdar um dos piores quadros de desemprego no setor industrial já visto na história de Alagoas, caso não encontre alternativas à crise irreversível do setor sucroalcooleiro no estado, principalmente com a retomada [ou desengavetamento] de projetos prioritários em infraestrutura, a viabilização política de investimentos industriais de maior vulto no estado e uma política séria de assentamento e produção agrícola ao longo da obra federal do Canal do Sertão.

O processo de mecanização da colheita da cana promete expulsar do campo dezenas de milhares de cortadores no estado no curto prazo. Na região Sudeste, até ano que vem, 90% da colheita será realizada por máquinas. O setor em Alagoas, até mesmo para ser mais competitivo, terá que fazer altos investimentos em tecnologia [o que já vem sendo realizado por algumas firmas]. Entretanto, muito grupos esbarram na falta de crédito na praça. O elevado passivo trabalhista bloqueia muitas empresas do acesso aos bancos de fomento. Para agravar, a continuidade da longa estiagem tem prejudicado o setor, mesmo considerando que, aproximadamente, 70% da plantação da cultura da cana no estado é irrigada. Para acentuar o problema, os preços do produto não parecem reagir e estimular a produção.

O quadro abaixo revela a tendência do drama. Até 2013 o estoque total de empregos formais no estado crescia em média 2,8% ao ano. No período 2007-2013 o estoque se expandiu 23,5%, com um acréscimo de 96 mil novos trabalhadores com carteira assinada no estado. Entretanto, a partir de 2011 o ritmo de geração de empregos formais total diminuiu sensivelmente. O ano 2013 fechou com a perda de 1.484 postos de trabalho no estado.

Como pode ser observado na ilustração em seguida, a indústria de transformação, em razão das profundas mudanças no setor sucroalcooleiro e o incipiente avanço em demais setores industriais, saiu de 106.881 trabalhadores, em 2011, para 93.938, em 2013. Uma queda de 12%, entre 2011 e 2013, e de 8,6%, no período mais longo de 2007 e 2013.

 

A construção civil começou a desacelerar na contratação de mão de obra. De 2011 para 2013, o saldo líquido [total de admissão menos demissão] foi de menos 1.431 trabalhadores. Portanto se juntarmos a indústria de transformação, a construção civil e a agropecuária, em Alagoas nesse mesmo período o saldo líquido foi negativo em 14.801 postos de trabalho. Se não fosse a expansão dos empregos nos setores de comércio e serviços, esse déficit seria muito maior. Mas até quando esses dois setores suportarão compensar o desemprego na indústria de transformação do estado? O hiato certamente é coberto, em boa parte, pelo crescimento da informalidade e marginalização de parcela crescente da população.

As mudanças estruturais e a crise no setor sucroalcooleiro, felizmente, podem ser acomodadas em termos sociais pelo seguro-desemprego [no curtíssimo prazo] e Programa Bolsa-Família. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico [PRONATEC] pode viabilizar alternativas com a requalificação da mão de obra dispensada, mas é preciso, por outro lado, criar as oportunidades de emprego. Sem aqueles dois Programas Federais principalmente, daria para pressentir o verdadeiro inferno de Dante nas regiões urbanas das cidades alagoanas em torno de várias usinas.

Por fim, o futuro governador terá pela frente muito trabalho. Há possibilidade iminente de queda das receitas fiscais e o processo de destruição de empregos em massa na indústria alagoana encontra-se em curso acelerado. Essas duas bombas de efeitos retardados podem estourar em seu colo! 

 

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