Filha de diplomatas, nascida na Suíça e criada em diversos países, Sylvia Bandeira foi, durante os anos 1970, figurinha fácil nas colunas sociais ao lado do primeiro marido, Bobby Falkenburg, herdeiro de uma rede de fast-food e pai de seus filhos Talitha, de 40 anos, eRobert, 39. A fama de mulher rica, o vazio existencial, a trajetória como modelo e os pequenos papéis na TV e no cinema até viver a protagonista da novela Um Sonho a Mais (1985) estão em Mamãe Costura e Esta Noite Vou Te Ver, autobiografia recém-lançada em que a atriz de 61 anos passa a limpo sua história.
Bem-humorada, Sylvia fala com tranquilidade sobre a vida de glamour e as dificuldades financeiras, como a fase, no início dos anos 2000, em que vendeu o carro e penhorou as joias. “A não ser que você seja herdeiro, quem não tem problemas financeiros?”, diz a atriz, que também não faz rodeios quando o assunto são as uniões com Jô Soares, com quem viveu por três anos, e as mais de duas décadas com o engenheiro Carlos Eduardo Ferreira, com quem teve Melina, 28. “Somos casados em casas separadas”, diz ela, sobre Carlos. Sylvia, que sempre foi muito assediada, confessa que gosta quando é elogiada. “Serei uma velhinha de 80 anos com laço de fita fazendo charme.”
QUEM: De onde veio a necessidade de contar sua história?
SYLVIA BANDEIRA: Sempre fui muito cobrada por ser considerada rica ou grã-fina. Eu era muito rejeitada, me chamarem de burra era fácil, mas não me incomodava porque eu não era. Já a (imagem de) jovem filha de diplomata que casa com o filho do dono do Bob’s e que é extremamente colunável me inseriu em um contexto que dava margem a críticas. Mas nunca rejeitei minha origem.
QUEM: Como foi sua criação?
SB: Eu tinha uma liberdade que não sabia muito bem administrar. A bronca era não poder namorar e ter que estudar, e eu não tinha um pé no chão. Meus pais viviam em um mundo de fantasia e isso se refletia numa menina muito alienada das coisas da vida.
QUEM: Você se casou muito nova, com 17 anos. Seus pais a apoiaram?
SB: Meu pai dizia que eu tinha que ser diplomata. Minha mãe, que eu não ia ter marido para me acompanhar. Fiquei entre um e outro e pensei: mais fácil eu casar, depois vejo o que quero ser. Meu marido era o príncipe encantado e logo vieram os filhos. A gente vivia em uma pseudo-felicidade eterna.
QUEM: Você se separou depois de sete anos. Por quê?
SB: Os problemas financeiros acentuaram o que já não estava legal no casamento. A coisa ficou muito difícil para os dois, e cada um tomou seu rumo.
QUEM: Sua família ficou desapontada?
SB: Meus pais são da geração em que as pessoas ficavam juntas até a morte. Foi um baque muito grande para eles. Eu saí do casamento com uma mão na frente e outra atrás. A condição boa eu que fui conquistando para mim e meus filhos.
QUEM: Não pensou em voltar a morar com seus pais?
SB: Nunca! Jamais eu voltaria a me subordinar às regras de casa de papai e mamãe depois de estar casada, com dois filhos pequenos. Era diferente da geração de hoje em que os filhos não saem de casa.
QUEM: Você conta no seu livro que era muito alienada sobre a situação política do Brasil nos anos 1960 e 1970. Envergonha-se disso?
SB: Vergonha eu não posso sentir, porque não teve ninguém para me abrir os olhos, e no mundo em que eu vivia isso não era abordado. As pessoas com quem eu convivia eram todas alienadas. Em um coquetel, Bobby perguntou a Charles Elbrick (embaixador americano no Brasil, sequestrado no Rio em 1969): “E aí, como é ser sequestrado?”. Achei um absurdo, mas convivia-se no meio de pessoas em que todos agiam como se aquilo (o sequestro) fosse do outro mundo.
QUEM: Você foi casada com Jô Soares. Como era a relação?
SB: A união com meu segundo marido (Sylvia não fala o nome do ex) foi um pesadelo. Ele tinha ciúme da minha mãe, do meu irmão. Depois veio o Jô, com sua leveza, seu bom humor. Com ele, perdi um preconceito que havia na minha família, que era doida com negócio de magreza. Eles amaram o Jô, que é um cara genial.
QUEM: Seu terceiro marido, Carlos Eduardo, com quem você foi casada por 23 anos, foi seu grande amor?
SB: Foi e ainda é. Quando nos separamos, a relação estava desgastada. Mas a gente nunca se separou no papel. Oficialmente, ainda somos casados. Passamos o fim de semana juntos, vamos viajar para a Europa juntos. Ainda somos casados em casas separadas.
QUEM: Então, você namora o seu marido?
SB: É isso (risos)! Tenho um encontro de almas com ele que dificilmente terei e nem quero ter com outra pessoa. Isso não fecha as portas para aquela paixão delirante que, se pintar, é sempre uma coisa que pelo menos tira meu apetite. Eu sou uma pessoa voraz.
QUEM: Você sempre foi muito assediada. Ainda é?
SB: Ainda escuto “fiu-fiu” na rua. Adoro, adoro (risos). Outro dia, um negão, grandão, disse “gostosa”. E eu como se não fosse comigo, mas pensando: “Ai, que delícia” (risos)! Serei uma velhinha de 80 anos com laço de fita fazendo charme. É meu temperamento, um flerte que não tira pedaço.
QUEM: Ser bonita foi uma bênção ou um fardo?
SB: É sempre uma bênção. A gente escuta “ai, tive que pagar um preço por ser bonita”, bobagem, é uma maravilha. Mas eu me atrapalhava com o uso da beleza, não sabia administrar e aprimorar os outros recursos que tinha. Comecei achando que eu era uma atriz pronta. Eu não sabia nada, não era atriz coisíssima nenhuma. A minha carreira foi muito de cabeçadas. As coisas iam acontecendo e eu ia sendo levada, mas não ia com garra. O Kikito por Bar Esperança (1983) foi uma consagração porque foi num papel muito difícil. Ali, eu disse “eu sou atriz”. Outro momento de reconhecimento foi a indicação ao Prêmio Shell de melhor atriz pela peça Marlene Dietrich, as Pernas do Século, em 2011.
QUEM: É verdade que você se atraca com caixas de bombom para lidar com as insatisfações?
SB: Sou chocólatra, mas fico puta quando estou acima do peso. Fiz um lifting com o (cirurgião) Ivo Pitanguy. A gente não pode dizer dessa água não beberei, mas não gosto de procedimentos que tiram a expressão. Tenho o bigode chinês desde menina. Se preencher, não serei eu. Já fiz um pouquinho de botox, mas para dar uma leveza. Envelhecer não é fácil, não é bom, mas acho que os 60 são os novos 50.
QUEM: Você fala com muita franqueza que passou dificuldades e vendeu casa de campo, carro...
SB: É o ciclo da vida, sempre tive altos e baixos. Comecei minha vida casada com milionário, depois teve um momento em que estávamos lá embaixo. A não ser que você seja herdeiro, quem não tem problemas financeiros? Penhorei joias na Caixa Econômica, depois recuperei todas, mas não dou a menor importância a essas coisas. Quadros, objetos, prataria... Fiquei triste de chegar a esse ponto, mas não humilhada. Tudo que fiz antes não poderia ser apagado. Não tenho em mim essa mágoa que eu escuto muito das pessoas, “ah, não me chamam mais”. Não me chamam mais, batalha outra coisa, outro caminho.
QUEM: Hoje, você está estabilizada financeiramente?
SB: Não dá nunca para dizer isso. Continuo investindo nos projetos, faço um fundo, mas gosto de fazer minhas comprinhas e, se tenho a chance de viajar, viajo. A vida é tão curta, vou ficar juntando igual o Tio Patinhas para, depois, sabe-se lá o que acontece?