Ouro Preto – MG – O cineasta Nelson Pereira dos Santos falou sobre Vidas Secas, o filme que revolucionou o cinema brasileiro e que completa 50 anos de lançamento este ano. Em entrevista exclusiva durante a 8ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, ele contou detalhes do filme e anunciou que estará em Palmeiras dos Índios para participar das homenagens pelos 60 anos da morte do escritor Graciliano Ramos
Nelson Pereira dos Santos estreou Vidas Secas, em 1963, dez anos após a morte do mestre Graça. No ano seguinte (1964) o filme foi apresentado no Festival de Cannes. Em 2013 completam-se 60 anos da morte de Graciliano e 50 anos da estréia do filme de Nelson.
O livro
Graciliano conta em Vidas Secas a história de uma família de retirantes do sertão nordestino, vítima dos efeitos devastadores causados pelo fenômeno da seca. Esta é o drama que Graciliano colocou em sua literatura. O livro é fundamental para entendermos a realidade brasileira de 1938, ano da publicação do romance, mas para compreender o que mudou e o que permanece neste intervalo de 75 anos.
Para Nelson Pereira a obra de Graciliano é fundamental, sobretudo pela capacidade crítica do escritor e pela análise sociológica que o mestre Graça construiu. O cineasta é incisivo: “Graciliano antecipou em sua literatura todos os estudos sociológicos que vieram a seguir, ele faz uma análise científica sobre o flagelo da seca, Graciliano foi um visionário e os estudos das ciências sociais que se seguiram mostraram a importância da sua obra”.
A linguagem de Graciliano, em Vidas Secas, é também outra marca da sua genialidade. A escrita seca, enxuta, a linguagem como espelho do ambiente do sertão nordestino. A sequidão do sertão está no texto de Graciliano, ao reler o livro Nelson Pereira descobriu: “O filme está pronto”.
O paulistinha
A idéia de filmar sobre o fenômeno da seca surgiu na viagem que fez com o jornalista e historiador Hélio Silva a Juazeiro da Bahia, em 1958. O cenário era desolador, foi o primeiro contato de Nelson com a seca, as famílias em retirada do lugar que nasceram.
Nelson Pereira dos Santos ficou impressionado com a miséria em que vivia a população sertaneja, o cenário desolador provocado pela seca, a massa de desabrigados e flagelados. E então decidiu que iria fazer um filme sobre o drama dos sertanejos.
Ao se deparar com aquela situação Nelson resolveu escrever o roteiro para o filme sobre a seca: “o roteiro era uma bobagem, parecia reportagem de ‘foca’ (jargão para denominar jornalista recém formado) que fica sempre na superfície dos problemas, eu não entendia nada daquilo, eu era um ‘paulistinha’ vivendo no Rio”.
O despertar do paulistinha
A viagem a Juazeiro mudou de vez a mente de Nelson e o cinema nacional por conseqüência. Na volta ao Rio resolveu reler toda literatura sobre o tema da seca. O Quinze de Raquel de Queiroz, Os Sertões de Euclides da Cunha, e claro, Vidas Secas do mestre Graça.
Foi ao reler a obra de Graciliano que decidiu: “Este é o filme, ele está pronto” e revelou a escolha por Vidas Secas: “eu escolhi Vidas Secas pela linguagem sem artifícios, sem utopia, sem a influência dos romances americanos do Happy End, o final feliz”.
A tentativa
A primeira tentativa de filmar Vidas Secas foi um desastre, para o filme claro. Assim que a equipe chegou a Juazeiro, na Bahia, choveu muito e então os planos de filmagem foram por água abaixo literalmente.
“Nós chegamos a Juazeiro e no mesmo dia caiu uma tempestade, inundou a cidade, o sertão ficou verdinho e a cidade tinha cheiro de cacimba”. O cenário não estava propício para Vidas Secas, mas desse contratempo surgiu o filme Mandacaru Vermelho. E Nelson comenta: “É um filme doido, tipo western, é um filme engraçado”.
Por obra da natureza Vidas Secas não foi rodado na Bahia, o destino era mesmo Palmeira dos Índios.
A filmagem
A segunda tentativa de filmagem foi em Palmeira dos Índios. O filme é todo registrado em solo alagoano. Nelson fala da gratidão à família de Graciliano e em particular ao filho do escritor que o ajudou a entender aquela realidade, a enxergar na prática o que tinha lido.
Nelson relembra os momentos: “Sou muito agradecido a todos, fomos muito bem recebidos. O filho do Graciliano em particular, se fosse vivo teria minha idade, ele me mostrou a realidade da seca, eu não conseguiria entender do jeito que entendi sem a sua ajuda, nós éramos da mesma faixa etária, viramos parceiros”
A equipe passou quatro meses em Palmeira dos Índios para filmar Vidas Secas.
O irmão de Graciliano
Clóvis Ramos, irmão mais novo de Graciliano, participou do elenco do filme interpretando o papel de um vaqueiro. Nelson fala da participação: “O filme teve a participação do Clóvis, irmão de Graciliano, ele é o vaqueiro altão (sic) que aparece na cena da derrubada do boi”
Para Nelson foi uma maneira de retribuir toda a atenção e o carinho que recebeu da família de Graciliano.
A viagem de Baleia
O filme Vidas Secas, no festival Internacional de Cinema de Cannes, em 1964, foi um dos primeiros a ser exibido e causou muita polêmica. A cena que Baleia foi sacrificada indignou uma italiana presidente da Sociedade de Defesa dos Animais. No final da exibição a italiana concedeu entrevista: “um povo que mata cachorro desse jeito, merece mesmo é viver condenado à miséria”.
O ano era 1964 e o contexto político era o inicio da ditadura militar, a repercussão das declarações da italiana não foi das melhores. A Air-France disponibilizou as passagens para Baleia visitar a França e assim tentar colocar fim a celeuma. A presença de Baleia no festival se tornou obrigatória.
A chegada
A chegada de Baleia a Paris é um caso inusitado e pitoresco. A imprensa francesa estava em polvorosa, o aeroporto cheio de repórteres aguardando a cadela. A chegada da cadela em solo francês era o esperado. Nelson fala da chegada: “a imprensa estava toda no aeroporto, e a primeira coisa que a baleia fez ao sair do avião foi urinar, a bichinha (sic) passou a viagem inteira com a bexiga presa”.
Mas mesmo com a Baleia em Cannes a italiana não sossegou, e para justificar seu descontentamento soltou essa: “eles trocaram, cachorro vira lata é tudo igual”.
O filme Vidas Secas se tornou um marco do cinema nacional e ainda hoje é reverenciado internacionalmente, a entrevista com Nelson Pereira dos Santos termina com a sua esposa alertando que o filme do Toqueville já iria começar.
Estava chegando ao fim a entrevista, o diretor falou que recebeu o convite e que estará presente em Palmeira dos Índios para participar das celebrações a Graciliano.
Antes de agradecer-lhe a entrevista e de me despedir, peço a Nelson uma foto e na hora do click, o mestre grita: Viva a Alagoas!