Temos visto uma comoção sem precedentes na Índia em face do estupro e morte de uma jovem estudante de medicina por seis homens dentro de um ônibus. A jovem estava acompanhada do namorado e ambos foram agredidos, ela foi estuprada pelos homens e depois ambos foram jogados do ônibus. Esperaram por socorro, por mais de uma hora, e mesmo depois de três cirurgias e transferência para outro hospital, a jovem indiana acabou morrendo.
Os seis acusados estão presos e não demonstram arrependimento, eles justificam seus atos dizendo que queriam dar uma lição na garota por estar na rua àquela hora. A Índia emergente convive com um grave, e agora claro, problema social e cultural, muitos se comportam de forma medieval em nome de preceitos religiosos e morais que ainda os cercam. Mulheres são consideradas seres inferiores e não devem gozar dos mesmos direitos, como estudar, trabalhar e circular livremente pela ruas.
A jovem indiana, assim como outra parte dos indianos, comporta-se de forma “ocidentalizada” contribuindo para o crescimento do país e lutando por igualdade entre homens e mulheres. O estupro é comum na Índia e os homens acreditam tanto que são seres superiores que dispõem do corpo de qualquer mulher em situação de vulnerabilidade.
A comoção que toma as ruas e os lares indianos reflete as mudanças que se espera. Políticos já se manifestaram sobre o caso e há certa unanimidade em culpar a estudante por estar vulnerável, à noite, com roupas inadequadas e num ônibus.
Para nós, brasileiros, insustentável e absurda justificativa, mas seria mesmo?
Em dezembro também, uma jovem estudante de direito, em São Paulo, estagiária de um dos maiores e mais afamados escritórios jurídicos do país, cometeu suicídio. Há suspeitas de que a jovem teria sido estuprada por um colega do escritório após saírem de uma festa de confraternização do trabalho, onde ela, supostamente, teria sido drogada.
A história ainda é bem nebulosa, mas tem-se a certeza de que dias após a tal festa, no retorno ao trabalho, a jovem paulistana passou a se sentir humilhada pelos colegas, uma vez que todos já comentavam o ato sexual praticado por ela e um colega dentro de um taxi.
Segundo informações da mãe da estudante, o comportamento dela mudou, a garota passou a ficar mais em casa e já não tinha mais a mesma alegria de antes. Ir ao trabalho e a outros lugares passou a ser um suplício para a garota que julgava ter perdido sua idoneidade.
O escritório, após a divulgação do ocorrido, limitou-se a dizer que não há nada que comprove ligação entre o escritório e o suicídio da garota, bem como que não se manifestaria sobre o assunto por respeito à memória da vítima.
Ao analisar as diversas entrevistas com especialistas dos mais diversos ramos da medicina, bem como juristas, encontra-se certa convergência de pensamentos para a possibilidade da garota – sã, alegre e bem sucedida – ter surtado e criado toda essa história, a ponto de crer realmente nela e não suportar a “vergonha” de já não ter sua “reputação ilibada”.
Dificilmente este caso brasileiro alcançará alguma responsabilização criminal. A menina cometeu suicídio por vergonha, por culpa, por quê?
Admitamos que ela tenha feito sexo com o colega e que, apesar das condições, tenha consentido com o ato. O que teria levado o colega a espalhar para os companheiros de escritório o que teriam feito e onde? Sexo é mesmo algo que deva ser divulgado?
Uma vez divulgado, ter feito sexo com um colega é algo condenável? Por quê? Em qual sociedade praticar sexo é sinônimo de punição?
O estupro na Índia foi uma punição. Os estupradores acham-se no direito e no dever de punir mulheres “independentes”. Conveniente, não?
No Brasil, homens se acham no direito de transar e divulgar seus feitos. As mulheres que são alvo desses homens perdem o que têm de mais frágil, sua reputação. Não seria também uma punição?
No Brasil o estupro é crime, e ato condenável indiscutivelmente, inclusive pelos próprios presos. Mas o sexo não é, não deveria ser. Desde a década de 60 que mulheres buscam sua igualdade sexual. Buscam poder ter as relações sexuais que quiserem, com quem for e quando seja, sem que por isso tenham que pagar o preço da condenação moral e do preconceito.
A jovem paulistana pode ter sido estuprada, mas o ato do estupro em si (algo que ela mal lembra) doeu – imagino – menos do que a repercussão que o sexo teve no ambiente de trabalho.
Ser jovem promissor hoje não é fácil, lidar com as expectativas dos outros não é fácil, lidar com as próprias expectativas também não. Imaginemos lidar com tudo isso sendo alvo dos comentários desabonadores dos colegas de classe (profissão).
A garota indiana morreu porque foi vítima da brutalidade e do preconceito social numa sociedade ainda amarrada aos preceitos fundamentalistas do passado.
A garota paulistana preferiu morreu a ter que conviver com o preconceito social que a brutal sociedade paulista impõe aos jovens promissores, ricos e felizes.