Causo minuto: A urna megera

07/10/2012 09:38 - Welton Roberto
Por Redação
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 Mais um ano eleitoral. Tonho Beato, como era conhecido no bairro do Trapiche da Barra, havia se decidido que seria candidato a vereador desta vez. A política estava na veia e no sangue da família. Seu bisavô tinha sido candidato a vereador e tinha logrado a honrosa 567ª suplência, seu avô também, conseguira feito maior, conseguiu ficar na 456ª suplência. Seu pai era o mais famoso cabo eleitoral do Trapiche e sempre prometia conseguir votos para eleger 10 vereadores. O mais longe que conseguiu chegar perto disso foi a façanha de apoiar um candidato que chegou a ser 56º suplente da coligação em um total de 58 candidatos. Eram políticos natos.


O único empecilho era sua sogra. Precisava convencer a velha a apoiá-lo e mais, a não revelar coisas tenebrosas a seu respeito. Se conseguisse o voto e apoio de Dona Memé a eleição seria um passeio. Honraria a história de eleições gloriosas de seus ancestrais.
Preparou o discurso e saiu em direção à casa da sogra com um ramalhete de flores arranjado de última hora colhido no cemitério das redondezas. Colocou sua melhor roupa como quem fosse à missa do padre Amaro na paróquia do bairro. Óculos espelhados no rosto e caminhar confiante Tonho Beato foi ensaiando cada palavra a ser dita para nada dar errado. Afinal, era a honra da família na política que estava em jogo.


Ao chegar foi logo dando um grito meloso de “sogrinhaaaaaa amadaaaaa” para a surpresa de todos. Ao entregar o ramalhete de flores, a velha Memé logo desconfiou que algo de errado havia acontecido; Tonho Beato era tão sovina que usava o papel higiênico dos dois lados, e comprar flores para seu principal e maior desafeto, hummm, ali tinha coisa. E coisa das grandes.


Depois de quase duas horas de conversa tentando explicar seus planos, falar da herança genética de seus antepassados na política alagoana e a cartada final de prometer empregar a velha e todos os seus 40 parentes desempregados na Câmara Municipal de Maceió, Dona Memé cedeu e disse que apoiaria a candidatura a vereador de Tonho Beato, silenciando a respeito dos trambiques do rapaz e pedindo votos para os mais chegados.


Só tinha um único problema, disse a megera, de onde viria o dinheiro para campanha, como ele iria confeccionar adesivos, bandeiras, santinhos, praguinhas, camisas, pagar cabo eleitoral, combustível de carreata e ajudar o povo pobre do bairro se ele mesmo devia até a alma em todas as quitandas, botecos e muquifos das redondezas?


Ele mesmo garantiu que tinha umas economias guardadas e que era chegada a hora de dar um salto de qualidade de vida para todos na família. Pediu que a velha assinasse um papel de filiação partidária e os outros 40 parentes também para dar apoio na convenção do partido e saiu saltitante.


Dias depois foi visto pagando rodada de pinga para todos os que se encontravam no bar do Alípio, um portuga que já havia cansado de cobrar os pregos deixados por Tonho Beato. Para a sua surpresa, Tonho saldou a dívida, deixou um dinheiro a mais e fez a festa de todos naquela tarde de comes e bebes na conta do futuro vereador do Trapiche.


De uma hora para a outra as contas de Tonho Beato foram saldadas, dinheiro a fole aparecia como se ele tivesse ganhado na mega sena da virada. Comitê eleitoral com fotos gigantescas do rapaz que havia até rejuvenescido um bocado de anos. Tratou os dentes, passou a andar todo engomado, tinha assessoria de imprensa, relações públicas e fotógrafo particular.


Dona Memé ficava cada dia mais desconfiada com tanta competência do genro que vivia de pequenos trambiques e cuja única virtude foi ter se casado com sua filha, a Emengarda, moça prendada e trabalhadora.


Cada dia que passava mais cartazes, faixas, bandeiras, adesivos, cabos eleitorais, tudo começava a se avolumar em torno da candidatura de Tonho Beato que já sonhava ser o vereador mais votado da cidade.


Último comício antes das eleições, praça topada, bandeiras tremulando, gente apinhada para ouvir os políticos da cidade e lá vai Tonho Beato para seu discurso final. Cada palavra de ordem lançada a multidão comandada pela claque que pedia palmas e assoviava gritava bem alto o nome daquele que já se consagrava o vereador mais bem votado de toda a história do Trapiche: “Tonho Beato, o meu, o seu o nosso candidato.” Os jingles da campanha pagos a preço de ouro para as maiores bandas da capital davam conta de que o rapaz não tinha economizado na sua missão política.


Dia da eleição. Tudo pronto. Encerrada a votação. Aglomeração na casa de Tonho Beato dos cabos eleitorais para receber seus pagamentos. Festa antecipada, pinga para todo mundo. Sogra ainda em silêncio e cada vez mais desconfiada de onde teria vindo aquele dinheiro todo.


Urnas abertas. Tonho Beato tinha ficado na 15ª suplência da coligação. Tristeza geral. Os eleitores haviam lhe traído. Todos os votos comprados e conquistados na base da pinga, do bujão, da dentadura, do traço, do milheiro de telha, haviam migrado para outros candidatos naquela megera urna eletrônica.


Dia seguinte ninguém viu mais a figura de Tonho Beato pelas redondezas. Dona Memé, a sogrinha amada, e seus 40 parentes desempregados recebem a notificação do banco para pagar os empréstimos milionários feitos em nome deles por um cidadão bem vestido, fala mansa e articulada que seria o vereador mais votado da história do Trapiche da Barra.
 

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