Causo minuto: Marido de eleição

02/09/2012 08:07 - Welton Roberto
Por Redação
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Todo ano eleitoral era sempre assim. Duas famílias tradicionais de Quixeramobim no Ceará lutavam literalmente voto a voto para a prefeitura e as quinze vagas da Câmara Municipal. Este ano não seria diferente. Centenas de candidatos infernizavam o juízo da cidade prometendo realizar em quatro anos o que nem Padre Cícero poderia ter feito em uma vida inteira de milagres.


Para conquistar o eleitor valia tudo, promessas fantasiosas e mentirosas, beijo em menino catarrento, entrega de dentadura para velho banguela, sapato para menino do pé descalço, camisa aos descamisados, milheiro de telha, carreada de areia, tijolo, cimento, botijão de gás, emprego fantasma na prefeitura, paz mundial, saúde para todos no padrão europeu, empregos milionários, metrô, aeroporto, heliporto, praia artificial.


Quixeramobim seria a primeira maravilha do mundo com tanta obra de melhoria e benfeitoria para o povo sofrido.


Os candidatos não poupavam na invencionice e na criatividade, afinal ganhar a eleição era questão de honra para as famílias Pontes Rodrigues e Albuquerque de Oliveira.


Toinha sabia disso. Era um cabo eleitoral convincente e competente. Conseguia arrastar centenas de votos com sua conversa mansa, serena e persuasiva. Ela era disputada a tapa pelos candidatos devido ao seu engajamento político. Alguns lhe pagavam algumas centenas de reais só para colocar o seu adesivo na porta.


Mas naquele ano ela pensou mais nela do que em qualquer outra coisa. Nenhum cargo na prefeitura, na câmara municipal, saúde pública ou educação de qualidade para o povo seriam mais importantes do que resolver seu problema pessoal e intransferível.
Vitalina, amargando uma solteirice há mais de 40 anos ela resolveu condicionar seu apoio a um único pedido inusitado aos candidatos: um marido.


Era simpatizante e eleitora fiel da família Albuquerque de Oliveira, sabia que seus propósitos eram honestos e que as propostas para a cidade eram as melhores. O candidato a prefeito, Nequinho, era o mais simpático, o mais preparado e atendia a todos com um sorriso no rosto e um abraço afável e confortante, inspirava realmente confiança.


Toinha não escondia a preferência por ele, gozava inclusive de um cargo importante comissionado na prefeitura e já tinha a promessa de ser a próxima chefe de gabinete caso Nequinho vencesse as eleições, o que era realmente provável segundo as mais recentes pesquisas da rádio Boca do Povo, mas já estava decidida a resistir sem problemas ao primeiro que lhe prometesse e cumprisse arranjar-lhe um marido, e dos bons.


E foi na feira de domingo que Nequinho viu sua cabo eleitoral de primeira linha virar a casaca vestindo a camisa de seu adversário e ficou sem nada entender. Passou por ela, fez um sinal de reprovação com os olhos e viu que alguma coisa não estava bem.


Toinha manteve-se firme pedindo voto para o adversário aumentando o tom de voz para que Fernandão que se encontrava ao seu lado pudesse constatar que Toinha pedia votos contra a família Albuquerque. E fazia tentando convencer que as propostas do adversário eram as melhores, que era a hora da juventude no poder etc. etc. etc.


Fernandão, um moreno de 1,89 de altura, olhos verdes comprados na ótica da capital, bon vivant, criado a Toddynho pela viúva do desembargador Alfredo de Tamandaré, estava também cumprindo uma missão. Ao ouvir cada pedido de Toinha, dirigia-lhe carícias e afagos comprometedores. Aquilo estranhou a todos que viam Toinha fogosa e feliz, embora tivesse agora do lado de lá de seu comprometimento político. Todos sabiam que ela vivia do dinheiro da prefeitura. E agora?


No dia seguinte ao entrar em casa Nequinho recebe um bilhete de Toinha explicando a traição inusitada:


“ Seu Nequinho, não queria que você se sentisse traído, mas nessa eleição eu preciso arrumar um marido e tenho interesse amoroso no Fernandão. O Zeca Marofa me prometeu que eu casaria com Fernandão caso ajudasse na campanha. Tenho muito carinho pelo senhor e pela sua família e sei que o senhor tem mais condições de vencer as eleições, mas neste momento para mim é muito mais importante arrumar um marido que um cargo na prefeitura. Não se zangue. Se tudo der certo caso logo depois da eleição.Toinha.”

Nequinho sorriu e viu que não poderia competir em promessa de arrumar marido, pensou em até distribuir alguns santinhos de Santo Antônio e contratar uns moços da capital como atrativo para as solteironas da cidade, mas continuou sua caminhada sempre pensando na inusitada promessa de eleição de seu opositor.


Urnas abertas, eleições encerradas, namoro de Fernandão e Toinha desfeito. Quixeramobim voltava à normalidade, povo pobre, cidade com problemas e a esperança de que daqui a quatro anos novas promessas viessem a alegrar os cidadãos, ainda que com fantasias, ainda que com irrealidade, ainda que com sonhos, nem que este fosse o de se casar com um marido de eleição.
 

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