Causo minuto: O universitário da bola

19/08/2012 07:10 - Welton Roberto
Por Redação
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Havia nascido em uma família muito humilde. Para deixar a situação mais complicada seus pais eram chegados em fazer menino. Tinha 18 irmãos. Não conseguia recordar o nome de todos, pois além de procriarem como mandava nosso Senhor seus pais eram excêntricos na hora de batizar as crianças. Era o Uberlelson, o Vandergleyson, o Emanufidio, a Gerleuza, a Gerundilandia, o Catafeilsohnjohn, a Quimerundia, o Pasteurizio, a Anacleudes, o Ucleidson, a Emengardia, o Estapafurdio, a Tomaniela, a Carminópolis, o Uberleuton, a Genoveríndia, o Filipousse, a Estrovengarda e ele, Biccicleuton. Todos “da Silva”.


Viviam na roça. Mas aquele não era o seu sonho. Gostava mesmo era de decifrar as letras, como seu pai mesmo dizia. Adorava histórias e livros. Colecionava restos de revistas que achava perambulando na pacata e sonolenta cidade de Xinxim de Cabidela, 457689576678357637469359378 quilômetros da capital de Alagoas. Enquanto seus colegas divertiam-se no jogo de bola, ele, Biccicleuton dedicava-se à doce arte da leitura. Havia se alfabetizado praticamente só.


Era apaixonado pela literatura do futebol e os nomes dos times de Alagoas lhe chamavam a atenção por serem compostos de letras. CSA, ASA, CRB, CSE, etc. Sabia a história de todos eles, desde o ano da fundação até a escalação de cada esquadra com nome da comissão técnica inclusive.


Na bola era um perna de pau de fazer vergonha ao jogador mais grosso do Íbis Futebol Clube. Mas quando em vez arriscava-se no campinho de terra nos fundos da paróquia, o que fazia o padre Armindo se benzer toda vez que o menino tentava chutar para o gol. As janelas da igreja não resistiam a cada “quase gol” do atleta Biccicleuton!


Quando o governo incentivou as famílias de Xinxim a matricular os filhos na escola, Biccicleuton comemorou como se fosse um gol da seleção em final de copa do mundo, e contra a Argentina! O padre Armindo também. O menino teria pouco tempo para as peladas da molecada e a igreja sofreria menos. Era a redenção. Para todos!


Nos estudos, ao contrário do mundo do futebol arte, o cara era “o cara” das letras. Destacava-se mais do que o Pelé na magia do futebol. Por amar a leitura formou-se e logrou êxito no primeiro vestibular de Direito na Universidade Federal de Alagoas. Xinxim de cabidela escrevia história no mundo jurídico. Nunca um filho seu teria conseguido aprovação em uma universidade federal do país, o que levara padre Armindo às lágrimas, assim como virou orgulho do prefeito e dos políticos da cidade que, em ano de eleição, passaram a tirar fotos ao lado de Biccicleuton para garantir os votos da massa analfabeta de Xinxim.


Ao receber o telegrama da aprovação, Biccicleuton levou um susto. Lá assim dizia: “Parabéns pela aprovação como primeiro colocado no vestibular da FDA/UFAL. Para matrícula dirigir-se ao campus do C.C.S.A munido de toda a documentação exigida no edital”.
Pensou logo o Pelé das Letras. : “Matrícula no Mutange? O campo do CSA? Realmente deve ser um evento e tanto esse”.


Como nunca havia saído de Xinxim de Cabidela, dirigiu-se à capital e orgulhoso foi logo pedindo informação como fazer para chegar ao campo do CSA. Estava todo pronto de calça de tergal, camisa xadrez vermelho de botões atacados até o pescoço, cabelo alisado no gel Glostora, óculos, pasta com documentos, e sapato Vulcabrás lustrado dias a fio para o dia especial.


O CSA nesta época estava na trigésima divisão do campeonato brasileiro de futebol, quinta divisão do campeonato alagoano e caindo pelas tabelas, mas aguardava uma grande contratação como havia sido anunciada no dia anterior pelo Presidente nos jornais da capital. Estava vindo aí a esperança azulina, um matador, um goleador, o homem-gol, a fera da pequena área, o terror dos goleiros!


Ao chegar no campo de futebol, Biccicleuton dirigiu-se à primeira pessoa que avistou, o roupeiro “seo” Genivaldo Carabina e foi lhe entregando a cópia do telegrama, avisando que tinha que se matricular ali, conforme determinação daquele documento oficial. “Seo” Genivaldo, homem de poucas letras, só sabia assinar o nome, mas no mundo da bola já havia visto de tudo. Olhou para o documento como se estivesse lendo o que estava escrito e logo pensou na promessa do Presidente da grande contratação que viria reforçar o time. Seria aquele gordinho a salvação?


Olhou para Biccicleuton dos pés à cabeça, reparou bem em seus 125 quilos mal distribuídos e murmurou: “Tá certo que nóis tamo mal das perna nus campionatu, mas mandar esse jogadô como isperança di gol é dimais”. Mesmo assim deu um abraço no goleador e mandou ele logo indo para o vestiário para usar o manto do glorioso AZULÃO e que a imprensa logo chegaria para cobrir o evento de apresentação do matador!


Biccicleuton sem nada falar, emocionado com a aprovação no vestibular e por estar ali no Mutange, obedeceu sem nada dizer. Deixou seus documentos com o “Seo” Carabina e ainda emocionado foi trocar de roupa. Pensou que era tão importante ser universitário que até a imprensa da capital estaria ali.


Presidente do CSA chegou em seu carrão importado e indagou se o grande matador havia chegado ao “seo” Genivaldo o que este assentiu com a cabeça. Imprensa convocada, sala de apresentação preparada, eis que pedem a presença do goleador Túlio Maravilha e entra sem nenhuma cerimônia Biccicleuton da Silva, o mais novo universitário de Direito que naquele dia, naquela hora deveria estar no campus do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (C.C.S.A) para o orgulho de sua cidade e do padre Armindo que emocionado viu pela TV o artilheiro das vidraças da paróquia vestir a camisa do seu glorioso Azulão. Nem Deus era capaz de operar tamanho milagre!

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