Causo minuto: O rei de Gaia

25/07/2012 06:52 - Welton Roberto
Por Redação
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Não era um reino qualquer. Gaia era o reino das coisas perfeitas. Lugar pacato, de belas paisagens, natureza rica em cascatas monumentais e florestas encantadoras. Acreditava-se que fadas moravam ali de tão simétrica e harmônica era a vegetação, além da magia que circundava os arredores. Clima ameno, temperatura agradável. Chovia na medida certa para deixar tudo florido e com perfume e aroma de coisa fresca. À noite as estrelas coalhavam o céu formando desenhos e iluminando o breu circunspecto e convidando os súditos a sempre colocar cadeiras e mesas nas vielas para conversas intermináveis e muita, muita fofoca sobre a vida do rei e da rainha.

O assunto era um só quando na conversa alguém falava sobre a vida real: já se contavam centenas de luas do casório majestoso e até agora nada de príncipe herdeiro. Sem contar nos cartazes estranhos que o monarca mandara espalhar pelas simpáticas vielas do reinado exaltando o valor às coisas pequenas. Cartazes com o selo real do tipo: “É nos menores frascos que se tem o melhor perfume real” “Tamanho não é documento real” “Não importa o tamanho da varinha, o importante é a mágica real que ela faz” “Os gestos mais nobres estão nas pequenas coisas”.

Quem chegava a Gaia pensava logo tratar-se de uma ode aos anões de tanta exaltação ao mundo no diminutivo. Filósofos vinculados ao rei logo teorizavam ser o pacto pela humildade real que o monarca sugeria aos súditos. Algo nobre, encantador e majestoso, afinal Gaia era o reino da perfeição.  

Mas que havia algo estranho, muito estranho naquelas mensagens reais, ah, isso havia.

As teorias sobre a infertilidade do casal eram tantas que chegaram às pilhérias nos bordéis noturnos sobre a falta de coragem do rei em fazer menino. Como que o rei não conseguia fazer o príncipe herdeiro naquela rainha fenomenal? Sim, porque a rainha era jovem, cabelos dourados, olhos azuis da cor do céu de Gaia, tez morena aveludada, corpo escultural, sorriso fácil com lábios carnudos e sobrancelhas grossas e bem feitas que faziam do seu olhar o encantamento majestoso de sua realeza. Caminhadas matinais da rainha eram acompanhadas pelos súditos como um grande evento. E todos os dias ela não deixava de passear pelos bosques, desfilando seu corpo escultural e sua simpatia. Era a mulher dos sonhos de qualquer homem de Gaia. Por ser tão bela e perfeita, só poderia ter sido coroada a rainha mesmo.

Já o rei tinha hábitos de um verdadeiro lorde, apreciador de comidas exóticas e bebidas trazidas da antiga Pérsia era um verdadeiro dicionário ambulante quando o assunto era gastronomia e a bebida dos deuses. Não era adepto a qualquer atividade física, fato denunciado em seu corpanzil nada esbelto e rosto rechonchudo. Era simpático, porém sisudo e desconfiado quando os olhares dos súditos passavam  da cintura para baixo. Era um tanto quanto desconfiado. De tez escandinava, olhos arredondados e castanhos claros tinha o cabelo alisado na chapinha real, coisa que importou da personal cabeleireira trazida do Oriente Médio. Só teria se casado com aquele monumento porque era o rei. Caso fosse um súdito qualquer não teria tido melhor sorte. A rainha era muita areia para seu pequeno caminhãozinho, segundo os comentários que corriam à boca miúda nas vielas de Gaia.

Comentários sobre a sexualidade real era moda, mas nenhuma teoria se atrevia a fazer qualquer vinculação entre os cartazes e o tamanho da genitália real porque uma lei condenava o malfeitor à forca em praça pública.

Se comentar não podia, gesticular não era proibido e quando o assunto era este, muitos minutos de silêncio seguidos de incontidas e incessantes risadas eram sentidas nas pacatas vielas do reinado de Gaia.

E a fofoca era a cada dia, mais criativa. Nos bares que ficavam nos recônditos suburbanos do reinado, cartazes do tipo: “Fiado só quando nascer o príncipe herdeiro” “Beber sem pagar pode, desde que traga a foto do príncipe herdeiro” “Sou súdito e pobre, mas tenho filhos”. No bordel mais escrachado do reinado um cartaz no interior dizia que súditos com genitália real tinham desconto de 100%. A proprietária se gabava em dizer que nenhum frequentador havia se candidatado a pedir o desconto e ria em tom sarcástico, nada real.

O rei não sabia mais o que fazer e o tempo realmente ia passando. A rainha envelhecendo e nada do príncipe herdeiro aparecer. O mistério de tudo isso? Só a rainha sabia, mas não poderia revelar. Os gaieiros e gaieiras desconfiavam. Os filósofos filosofavam. As prostitutas pilheriavam. Os gestos continuavam. As bocas emudeciam. Só o rei que não procriava.

Até que em mais um belo dia majestoso em Gaia apareceu um viajante que se intrigou com a beleza do lugar, a beleza das mulheres, a beleza do clima e encantou-se com o conto da existência de fadas e a secreta relação entre cartazes, gestos e falta de príncipe herdeiro.

Era um crioulo de quase dois metros de altura, cabelos carapinhas, nariz afilado, forte, espadaúdo, de boas maneiras, simpático e muito criativo. Apresentava-se como Tião. Dizia ser um mago. Contava histórias mirabolantes de viagens fantásticas mundo afora. De bruxas a dragões já tinha visto de tudo, mas nunca um reinado sem príncipe herdeiro.

Quando avistou a rainha em sua caminhada matinal Tião literalmente enlouqueceu. E ficou mais intrigado ainda que o rei não conseguisse procriar com tão encantadora fêmea. Disse que tinha a solução para o problema real e que o resolveria imediatamente tão logo o rei consentisse uma audiência real.

Dias depois o rei mandou chamar o mago Tião que se apresentou como embaixador do Ébano de Oxossi e se disse ser especialista em falta de herdeiro em reinado encantado. Contou de façanhas nunca dantes ouvidas por aquelas paradas e convenceu o rei de que precisavam passar uma semana mágica de orações, reclusão e pensamentos. Necessitariam que estivessem os três em um quarto fechado, sem quaisquer intrusos, despidos de roupas e vaidades para passarem a semana mágica da fecundação como assim denominou Tião. O rei desconfiou, mas sem maiores opções acabou aceitando, desde que aquela semana fosse realizada sem qualquer divulgação. Tião, louco pela rainha e com alguma piedade do rei, concordou plenamente, abstendo-se de incluir em suas histórias de mago viajante aquela semana que veria rei e rainha nus em pelo e vaidade.  

Aquela semana foi intensa. O rei sentiu dores lombares imensas ao acordar. Parecia que havia realmente estado em êxtase. A rainha cantarolava como um sabiá que acabara de ganhar a liberdade. Tião descobriu o porquê da infertilidade do casal e jurou que nunca contaria nada a ninguém, a não ser por pequenos e diminutos gestos, pensou. Gabou-se de sua criatividade e mirabolante capacidade de contar histórias de bruxas, magias e dragões. E agora aquela seria a divina história de sua vida.  

Dois meses depois daquela semana mágica de orações e nudez real e carnal o reino estava em festa. O príncipe herdeiro estava encomendado. Rainha grávida. Rei feliz e satisfeito. Cartazes foram sumindo pouco a pouco do reinado e as pilhérias com a suposta diminuta genitália real com os dias contados.

Até que nasceu o príncipe herdeiro. Um bebezão imenso. 78 centímetros, 6 quilos, cabelos carapinha, nariz afilado, moreno jambo, espadaúdo, genitália nada real... Foi batizado e registrado com o nome real de PHILIPOUS DU MONOKO GAIUS.

E um cartaz no dia seguinte ao nascimento do príncipe herdeiro foi colocado por algum gaieiro: “Só é dono quem registra”. Até hoje ninguém sabe o seu significado, mas os filósofos próximos ao rei garantem que tem algo a ver com a humildade em se desapegar das coisas materiais.

 

 

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