Causo minuto: Santo Expedito casamenteiro

02/07/2012 10:19 - Welton Roberto
Por Redação
Image

Nascera em dia de Santo Antônio, 13 de junho de 1967. Antônia Imaculada da Conceição, nome de batismo dado por sua mãe e tias carolas já tinha o futuro traçado na maternidade. Iria ser uma grande médica, sonho do pai, tocaria piano para o deleite de sua avó e dançaria balé, sonho de criança de sua mãe, além de se casar com o príncipe encantado do conto de fadas, sonho de suas cinco tias vitalinas.


Toniquinha foi o apelido carinhoso dado por seus padrinhos e assim passou a ser conhecida na cidade de Tereré do Oitão, 7589768976895785786758357637538457683 quilômetros distantes da capital baiana.


Desde criança se destacava pela beleza e pelos contornos perfeitos de seu rosto, nariz e olhos, verdes por sinal. Cabelos longos bem cuidados e escovados quatro vezes ao dia a tornava a menina mais bem arrumada do jardim de infância. Tudo nela era perfeito, dos detalhes bem cuidados da roupa e sapatos até o penteado, tudo era ornamentado simetricamente.


Difícil um menino não se apaixonar por Toniquinha dada a singeleza de sua meiguice, encanto, beleza e produção. Ela, naturalmente como faziam todas as meninas de sua pouca idade, só queria saber de brincar com suas amigas e refutava todos os olhares e insinuações de péssimo gosto quando alguém sugeria um namorico com algum dos meninos da escola.


Tempo passando e a menina crescendo ainda mais bela e produzida. Já adolescente ganhou o concurso de rainha do milho na quermesse escolar. Musa do time de futebol, miss simpatia, miss beleza, miss isso miss aquilo encheram de vaidade a adolescente que passou a ser idolatrada, admirada e paparicada em todos os sentidos.


Por outro lado, a arrogância foi destruindo a meiguice e a singeleza daquela pequena flor de formosura que agora já tinha o contorno de quase mulher. Pernas grossas, seios já despontando em blusinhas curtas e decotadas, sobrancelhas grandes e bem contornadas que destacavam ainda mais seus olhos verdes arredondados, começaram a dar à menina meiga o jeito de mulher fatal! Nunca na história de Tereré do Oitão havia nascido moça tão bela!


As tias comemoravam a evolução da sobrinha e já planejavam a festa do grande acontecimento da vida delas: o casamento de Toniquinha!


Mas a vaidade e os gostos fúteis da ainda moça começaram a desenhar o que estaria para acontecer no futuro bem próximo. E eram dezenas de condecorações enaltecendo cada vez mais a sua beleza que a faziam acreditar ser detentora de um poder indestrutível: a sedução! Para as tias solteironas casamento na certa. Para o pai ciumento, problemas logo logo iriam surgir quando o primeiro atrevido se aboletasse no seu sofá, chamando-o de “sogrão”.


Para a preocupação das tias a moça completara vinte anos de idade sem nenhum namorado à vista ou à prazo. O filho do prefeito, moço de boa família e bem situada, já havia se enrabichado pela Amandinha, a zarolha malfeita filha do bodegueiro seu Amancio. Restavam de bons partidos na cidade ainda o filho do juiz, o filho do promotor e o filho do gerente do Banco do Brasil, última opção segundo as alcoviteiras. Se estes se casassem, só indo para capital tentar a sorte com algum bem aventurado de lá. Mas isso não estava nos planos das tias de Toniquinha. “Fugir” para a capital para arrumar marido era sinal de derrota e a família não iria aceitar tamanha ofensa com moça tão bem prendada e de infinita beleza e produção.
Mas o sinal amarelo acendeu no aniversário de vinte e um anos da moça. Nada de namorado, nem paqueras de longe e o pior, o filho do juiz anunciara casamento com a balofa Emengarda, filha de um desembargador da capital. Só dois pretendentes de “qualidade” restavam na cidade. Um deles seria de Toniquinha.


Corina, a tia solteirona mais velha e experiente, como que em um “DéJàvu”, decidiu apelar para o santo de devoção e adoração: Santo Antônio! Presenteou a sobrinha com uma imagem de meio metro e ensinou a simpatia de colocar o santo dentro de um balde d’água de cabeça para baixo e só tirá-lo quando o desejado namorado chegasse. A cabeça do santo apodreceu e no aniversário de vinte e três anos, outro santo foi dado à Antônia com uma simpatia mais poderosa: agora ela iria deixar o santo de cabeça para baixo, amarrado com uma fita azul com o seu nome escrito de trás para frente dentro do freezer e só tiraria de lá quando o sonhado namorado aparecesse.

O santo virou um grande bloco de gelo, quase um iceberg e nada de namoro. “Tudo culpa destas marchas do orgulho gay, o mundo estava perdido, não tinha mais homem para as moças de bem”, pensou a tia Corina.


O pior ainda estava por acontecer. O filho do promotor se declarou homossexual e se casou de aliança e tudo na capital, para o desespero de tia Corina que passou a se agarrar com a última opção, o filho do gerente do Banco do Brasil! Toniquinha não iria perder a última chance! Não segundo as rezas e orações das tias!


A devoção iria ser maior do que a insistência da solteirice de Toniquinha! As cinco tias juntaram-se para uma novena poderosa e simpatias ainda mais carregadas foram feitas. Santo descongelado, surrado por capim santo abençoado pelo padre Antônio em missa de moça virgem, amarrado de cabeça para baixo em árvore plantada por mulher recém-casada. Agora seria tiro e queda, poderiam encomendar o vestido!
Mas eis que o filho do gerente do Banco do Brasil engravida a filha do delegado e é obrigado a casar sob pena de morte.


Pronto, agora mais nada poderia ser feito por Toniquinha. Os bons partidos já tinham desaparecido. Santo Antônio havia abandonado as tias de novo! O que teria sido feito de errado? O santo? A fita? A surra? O capim? Ah, aquela missa... sim aquela missa de moça virgem onde a filha do delegado participara... Só poderia ser isso!


Toniquinha enquanto isso aproveitava a solteirice. Esbanjava beleza e arrogância na festa do peão, na festa do morango, na festa da macaxeira, na festa do limão, na festa das virgens, enfim, era festeira e bela, mas não se preocupava com a solidão. Achava que um dia casaria, seu príncipe encantado apareceria e pronto!


As persistentes tias aos poucos foram morrendo sem ver Toniquinha realizar o grande sonho delas. A última heroína da resistência ainda viva, tia Corina, um misto de Oscar Niemeyer, Hebe Camargo e Tutankamon, completara 106 anos ainda acreditando que Santo Antônio iria ajudar. As simpatias para Santo Antônio se esgotaram, mas as rezas não. Todo dia 13 de junho no aniversário de Toniquinha o santo era reverenciado e adorado e, logicamente, impiedosamente castigado. A imagem já parecia com a de um flagelado de tanta chicotada de capim santo. Santo Antônio, nascido em Portugal, já tinha cabeça de paraibano de tanto ficar de cabeça para baixo!


Mas foi no aniversário de 45 anos de Toniquinha que tudo se transformou. Um estrangeiro, vindo das bandas do Uzbequistão, necessitava arrumar um casório às pressas para conseguir visto para permanecer no Brasil. Tia Corina soube da chegada do moço que falava “ingrolado” e sem entender uma palavrinha do nordestinês. Pensando ser a última chance de Toniquinha, apressou-se em ir à igreja e sem querer, devido à visão já carcomida pelo tempo, se apegou a uma imagem de Santo Expedito e com ele rezou a oração das moças virgens casamenteiras. Tiro e queda.


O gringo ficou sabendo da solteirice da agora coroa Toniquinha e lhe propõe um bom negócio. Casamento comprado a alguns mil reais e Toniquinha emprestava sua cidadania ao moço “dos estangeiro” que falava “ingrolado”. Tudo acertado.


Tia Corina se apegou na imagem de Santo Expedito, ainda acreditando ser Santo Antônio e lhe beija ardentemente como nunca fizera com nenhum homem em sua vida. Sabia que o Santo nunca lhe abandonaria. Mais de cem anos de espera enfim deram resultado! Mas para garantir que nada falharia tia Corina maldosamente cuidara de espalhar uma suposta gravidez de Toniquinha. O gringo agora tinha que casar de todo jeito.


Tudo certo para o casório, tia Corina se aboleta no altar segurando Santo Antônio surrado em uma mão e a imagem de Santo Expedito em outra.


Finalmente Toniquinha entra na igreja vestida de noiva para o tão esperado, falado, comentado, santificado, beatificado, fofocado (e negociado) casamento do século em Tereré do Oitão.
 

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..