Causo minuto: Sertanejando

25/06/2012 08:19 - Welton Roberto
Por Redação
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A quartinha de barro esperava o cacarejar dos pintos para ser utilizada em mais uma manhã de trabalho e dor. A pouca água, dormida com gosto de noite enluarada, molharia os lábios rachados da labuta diária sem descanso e sem sossego. O cheiro do café na chaleira de cobre pintada em verde esmeralda perfumava o casebre que guardava treze pobres almas que se amontoavam pelas redes a balançar o sono da esperança de que a colheita seria farta, de que aquele inverno seria diferente de tantos outros, que a seca iria ser abrandada pela fé em tantos santos e em tantas rezas. Todos de pé, acordavam com o abraço do pai zeloso e da mãe carinhosa que com um beijo na face preparavam o corpo para a labuta.


O bolo de milho, a pamonha e a canjica já não eram tão fartos no inverno, mas continuavam com o sabor inconfundível da terra, feitos pelas mãos calejadas da sertaneja que entoava canções mágicas ao debulhar cada espiga de milho e a adoçar tudo com o afeto brejeiro do povo que sofria resignado, fazendo da oração seu amuleto, seu instrumento de trabalho.
O fogão a lenha feito no barro cru aguardava dias melhores, mas era sempre aceso para cozinhar o feijão de corda que diariamente enchia de forças os sertanejos roceiros. O chão da casa de terra batida era cuidadosamente varrido todos os dias, demonstrando que ali o carinho pelo lar não dependia de nada que não o próprio amor. Um quadro do coração de Jesus carinhosamente dependurado na parede da casa feita de sapê denunciava que ali habitava muito mais do que somente a fé. A única janela era guardada por uma cortina florida e colorida de chita. A porta de madeira ficava aberta todos os dias anunciando aos visitantes que todos que ali chegassem eram muito bem vindos.


Os sertanejos não escondem sua maior riqueza: a bondade.


A difícil tarefa de derrotar a natureza era o desafio de todos. A paixão pela terra o ingrediente que apimentava a relação guerreira entre o homem e o lugar, entre o sofrer e o querer, entre o caminhar e o partir. A beleza do céu azul e a presença do sol escaldante, tão desejados no litoral, escondiam o sofrimento das vidas secas já poetizadas em tantas rimas, mas que de realidade não se faziam belas.


Os rostos carcomidos pelos tórridos dias não esmoreciam ao acreditar que tudo seria obra do Senhor e que seus filhos não fugiriam da dádiva divina, na alegria e na dor, permanecendo ali e agradecendo em orações mais comoventes por mais um dia vivido.
As casas sertanejas no final do entardecer se enchiam de conversas ingênuas e gente nas calçadas. O bom papo dos amigos que desconheciam a violência da “capitá” entoava poesias de vaqueiros e rimas desconcertadas, regado por uma boa dose de cachaça caseira. Causos eram repetidos à exaustão para o sorriso banguela de alguns dos sertanejos. O olhar em súplica aos céus quando em vez emudecia a conversa e em respeito o sinal da cruz era feito por todos seguido de um sentido e caloroso “Amém”.


Ao anoitecer o céu coalhado de estrelas convidava os sertanejos a se por em oração e de joelhos a agradecer o Senhor por mais um dia, compreendendo o castigo do sol escaldante e a escassez do alimento, pondo-se em servidão a esperar pela chuva que iria chegar.
As noites de fogueira em dias santos seriam oferendas para a fartura, as músicas alegres adornadas pela sanfona, zabumba e triângulo seriam a prova de que o sertanejo não se revoltara com o castigo dos céus. Dançando e cantando demonstrariam que o elo entre a fé e a esperança é inquebrantável.


De repente, em meio a tanta alegria e devoção, oração e fé uma gota d’água cai. De sofrimento e graça o choro dos sertanejos se fez claro nos semblantes carcomidos e de joelhos   rezam e  choram,  choram e soluçam, pois seus pedidos, depois de tanto tempo, foram atendidos. A Asa Branca símbolo da resistência naquele dia se fez faceira.Naquela noite, nada além de muita água de chuva e lágrimas libertaria os sertanejos da dependência servil.
 

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