Se a tartaruga não corre, o problema é dela!

21/06/2012 18:53 - Welton Roberto
Por Redação
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Foi em 2009 que cheguei ao auge da minha vida sedentária. 80 Kg mal distribuídos em um corpo de sabiá (eu tenho apenas 1,69m) me faziam estar em forma de bola, sem condições de sequer participar de uma simples brincadeira no dia dos pais na escola das minhas filhas. As desculpas por não fazer qualquer atividade física variavam da falta de tempo, pois trabalhava 14 horas por dia (hoje continuo com o mesmo ritmo de trabalho) até as brincadeiras de que a tartaruga não corria e vivia mais do que o coelho que era veloz e serelepe e daí por diante.

Comecei a perder os ternos e a solução para estar engordando de maneira desproporcional e constante era comprar outros de números e tamanhos maiores de sorte que bem escondido atrás deles até que não parecia tão rechonchudo assim. Mas os 40 anos bateram à porta e comecei a procurar um desafio para marcar a chegada da idade do lobo (aquela que você corre atrás da Chapeuzinho, mas o final é sempre com a vovozinha).

De repente em uma das inúmeras viagens a trabalho (sempre a trabalho) comprei uma revista que dizia ser possível um sedentário correr uma maratona. Pronto! Ali estava o desafio para comemorar a idade prateada. Correr uma maratona! (Achei meio absurdo, porque eu não conseguia correr nem 100 metros sem chamar a SAMU, mas os desafios para mim têm que ter um quê de absurdo!). Falei com um amigo que era personal trainer, comprei um tênis qualquer e fui para academia entrar na fase do atleta corredor. (Aqui para nós eu odeio musculação e aquela papagaiada toda de gente se olhando no espelho e se achando o “tampa de Crush” ao fazer caras e bocas é um tanto demais para minha humilde pessoa).

No primeiro teste da esteira pensei em desistir, e olhem que só haviam passados dois minutos em uma velocidade do “passinho da vovó”. Olhei para o personal e ovacionei todas as inúmeras gerações que ele nem sequer conheceu ou sabia existir e coloquei a culpa nele, lógico! O carrasco malfeitor queria que eu morresse ali ou queria mesmo era me humilhar mostrando quão lerdo e sedentário eu era.  

Comecei a lembrar da tartaruga e do coelho e da longevidade destes dois animais. Lembrei que baleia nada o tempo inteiro e é gorda que só a gota! Era um mantra, queria encontrar de novo uma boa desculpa para nunca mais pisar ali e ser humilhado por uma esteira ridícula. Olhei para o lado e vi um senhor quase sexagenário correndo e sorrindo cada vez que olhava para a minha cara de sofrimento. Cada vez que andava (porque aquilo não era correr) suava mais do que tampa de chaleira, o coração acelerava, meu cérebro pedia para eu desistir, mas eu sou teimoso, depois que coloco que vou enfrentar um desafio, não cedo à pressão de ninguém, ninguém incluindo eu mesmo.

Fiz a inscrição na maratona de São Paulo (a mais complicada do Brasil, desafio só presta assim, com cara de desafio), comprei passagens para que não pudesse desistir de maneira alguma, pois dinheiro não admite desaforo. A data da maratona, 31 de maio. E eu estava apenas em janeiro, redondo e rechonchudo, perdendo na esteira para um sexagenário que com certeza naquele dia fez amor com a mulher dele se vangloriando de ser um atleta sexagenário (pensamentos que tive naquele momento).

Em três semanas comecei a correr 2, 5, 10, 15, 20 minutos sem cansar. Em dois meses já começava a correr 5 km e a ficar chato para cacete com a minha vida social. Cervejinha de final de semana? Não, obrigado, atletas não bebem. Batata frita virou madrasta de filme infantil. Comecei a entender de jargões da corrida. Virei um corredor fundamentalista. Pior do que corinthiano tarado na Libertadores (que eles nunca terão, diga-se de passagem).Sabia as calorias até do orégano que colocava na pizza! Comecei a emagrecer. E deixei o passinho da vovó para realmente  trotar um pouco mais rápido. Tinha a certeza que me transformaria em um Vanderlei Cordeiro (sou assim mesmo, exagerado com meus desafios e ambicioso com meus pensamentos, hehe).

A corrida entrava na minha louca vida que passava a ter um novo sentido, e mais um compromisso na minha já atribulada agenda. O que fiz? Comecei a dormir menos do que eu já dormia, pronto!

Ah, como dizia Drummond, sempre tem uma pedra no meio do caminho. E neste meu desafio não poderia ser diferente. Sofri com a escolha errada do tênis. Comecei a entender de pisadas e vi que aquele vendedor sem vergonha e sem caráter estava mais para estelionatário do que outra coisa. As camisas também. Camisa de algodão? Nunca mais! Aprendi com a dor, muita dor. Depois de muito ler a respeito de tudo no mundo das corridas (mania de professor que gosta da teoria aliada à prática), comprei tênis adequados. Comprei roupas adequadas. Comprei equipamentos adequados para medir distância, velocidade, batimento cardíaco, altimetria da pista, valor calórico despendido, etc. etc. etc.

Antes do dia 1.º de maio, já corria 10 kilômetros, mas nunca 42,195m. Seria realmente um desafio. E foi.

Dia 31 de maio chegou. Cruzei Sampa no compasso das pisadas que me dariam dores no corpo por duas semanas, mas libertariam a minha vida do sedentarismo para sempre. Depois de 4 horas cruzei a chegada com lágrimas nos olhos e muita dor desde a unha do dedão até as pálpebras. E os quenianos? Ah, os quenianos já tinham vencido a maratona e já estavam em algum lugar da Avenida Paulista comemorando, enquanto eu cumpria ali mais um dos meus desafios, tentar voltar para casa, andar era impossível.

E o que mudou de lá para cá? Tudo! A corrida entrou de vez na veia. Hoje não viajo só a trabalho, mas também a passeio com corridas pelo Brasil todo. Cinco da manhã  levanto com a alegria de quem vai sentir o vento no rosto, o calor do sol espraiando seus primeiros raios de luz, a brisa do mar e a esperança de que a vida melhorou muito.

(Ah, já voltei a tomar minhas cervejinhas também, mas com muito mais cuidado e cautela para não atrapalhar os treinos e a vida de atleta amador).

E sobre aquela estória da tartaruga? Sim, ela até pode viver mais do que o coelho, mas não sente o vento no rosto e a adrenalina de viver intensamente cada passada de um desafio ao outro.

Quer experimentar? Comece no passinho da vovó, depois voe como Usain Bolt. Correr é viver, não tem idade, tem sim força de vontade!  (A prova de tudo isso está na medalha que dei para minha filhota Tyla que agora não deixa mais o papai dela abandonar o vício...)

 

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