De asas cortadas

05/06/2012 11:08 - Welton Roberto
Por Redação


DE ASAS CORTADAS


A decisão do Supremo Tribunal Federal que julgou inconstitucionais diversos dispositivos da Lei Estadual n.º 6.806/2007 causou polêmica no seio da comunidade alagoana, mas era esperada pelos operadores do direito que militam na seara penal.


Desde o advento do antigo NCCO – Núcleo de Combate ao Crime Organizado – sustento a posição de que não cabe ao Poder Judiciário combater crimes, tarefa que penso estar a cargo das polícias e até do Ministério Público, reservando-se os juízes a “julgar” as pessoas que são acusadas da prática de crimes.


Assim, a criação da 17ª Vara Criminal da Capital, ao que me parece, sofre de um erro de concepção, na medida em que foi imaginada para o combate cerrado ao que o legislador alagoano ousou denominar de “organizações criminosas”.


E no afã de combater a dita criminalidade organizada, a 17ª Vara Criminal da Capital tornou-se uma espécie de juízo intermediário, com poderes de maior amplitude que os conferidos aos juízes de 1º graue com uma prática judiciária inaceitável, imiscuindo-se na investigação preliminar, o que acaba por retirar dos seus integrantes a imparcialidade para processar e julgar os investigados. Quem investiga não pode julgar!


E como todo excesso de poder gera o arbítrio, os semideuses alagoanos passaram a imaginar que tudo podiam inclusive fazer tábula rasa das garantias fundamentais do cidadão e atentar contra as prerrogativas profissionais dos advogados. Isso mesmo!
Não são raros os casos em que, expedidos os mandados de prisão cautelar, os advogados se dirigem ao cartório da supervarapara ter acesso ao decreto prisional e peças dos autos, mas invariavelmente enfrentam uma via crucis, sobretudo porque ou o decreto de prisão não está nos autos ou os autos não estão no cartório.


Ora, a expedição do mandado de prisão é consequência da decisão do juiz. Portanto, ao expedir o mandado, o decreto já deve estar integrado aos autos, para que o advogado tenha conhecimento dos motivos determinantes da prisão e sua respectiva fundamentação, pois só assim pode tomar as medidas que julgue adequadas para salvaguardar os direitos de seus constituintes.


Mas na 17ª Vara, infelizmente, não é assim. Expedem-se os mandados, sempre cumpridos sob os holofotes da mídia, mas os decretos só chegam aos autos muito tempo depois, às vezes no final do dia seguinte à prisão. E quando a prisão se efetiva numa sexta-feira (dia preferido), talvez na próxima segunda-feira, à tardinha, se saiba das razões que levaram os poderosos juízesà conclusão de que se faz necessário o sacrifício da liberdade do acusado.
Enquanto a publicidade dos atos judiciais é regra na Constituição Federal, na lei alagoana passou a ser exceção, e na prática nem exceção é porque todos, isso mesmo, todos os processos da supervara correm em segredo de justiça, inobstante inexistir decisão nos autos a justificar tão odiosa restrição. Aliás, nem durante o regime ditatorial a publicidade foi tão aviltada!


Somente são públicos, nos processos que correm na 17ª Vara Criminal da Capital, os atos que execram e estigmatizam o investigado, tais como a prisão e a busca e apreensão. Estes sim são escancarados e divulgados como forma de reafirmar a postura imperial do órgão jurisdicional.


Em boa hora o Supremo Tribunal Federal deu uma resposta aos que pensam que o Estado de Alagoas está à margem da Constituição Federal, declarando a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da lei alagoana.


A indicação dos Juízes sem a observância de requisitos objetivos estabelecidos em lei é algo inimaginável. Para afirmar o perfil da supervara, a indicação sempre recai sobre magistrados que não demonstram compromisso maior com os direitos fundamentais do cidadão, sendo essa escolha fruto do projeto que concebeu a criação da Vara, incompatível com o nosso sistema de garantias.


Enquanto a Constituição Federal presume a inocência e o nosso ordenamento jurídico reconhece que a prisão cautelar é sempre medida excepcional, as investigações e os processos afetos à 17ª Vara da Capital se iniciam sempre com a prisão temporária ou preventiva.


Relembro, neste momento, um caso envolvendo um prefeito, já diplomado para o exercício do cargo. Na véspera de sua posse, a supervara decretou a prisão (mesmo sem competência), que foi realizada sob forte escolta policial e intenso aparato midiático. Pois bem: ao final da investigação, o Procurador Geral de Justiça se manifestou pelo arquivamento do inquérito porque não encontrou indícios mínimos da participação do prefeito no crime. E aí? Quem paga a conta da arbitrariedade?


Com o apoio da sociedade alagoana, fruto da incansável propaganda positiva destacada pela mídia, os juízes integrantes da 17ª Vara Criminal passaram a ser vistos como heróis do enfrentamento da denominada “criminalidade organizada”.


Assim, a 17ª Vara Criminal da Capital passou a ser uma grande delegacia de polícia. Ainda sem processo formado, os juízes tomam depoimentos de testemunhas, com ou sem a presença do GECOC, e a partir desses depoimentos se instauram investigações comandadas pelo órgão jurisdicional.


Outras vezes, de posse de uma carta anônima, entendem os Senhores Magistrados estarem autorizados a determinar a interceptação telefônica, medida de caráter excepcional e complementar à investigação.


Como tudo podem, os reverenciados semideuses parecem estar acima da Constituição em nome do combate ao crime organizado. O Poder Executivo, por sua vez, reconhecendo a falência do seu aparelho repressor, busca amparo no Judiciário para, através de medidas cautelares, reduzir os índices de violência que assolam a pobre Alagoas.


Não obstante todo esse combate travado, a violência impera e aumenta dia-a-dia no Estado de Alagoas, o que faz concluir que não é através do endurecimento do sistema judicial que teremos dias melhores. A solução não passa por aí.


Vivemos hoje o resultado da ausência do Estado, sobretudo no que se refere à educação, ao longo da história do nosso País. O que esperar de uma legião de excluídos?! O que esperar de uma Nação que possui 16 milhões de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza?!


Não é com o surgimento de ídolos de barro ou salvadores da Pátria que se resolve o problema da criminalidade. Enquanto não houver vontade política para atacar as causas do problema estaremos sempre vulneráveis às suas consequências, queiramos ou não.
Precisamos sim de políticas públicas que operem sobre as causas daviolência. No campo jurídico, precisamos que as instituições funcionem observando que a Constituição Federal deve ser respeitada, pois, afinal, somos ou não um Estado Democráticode Direito?
Que é possível se instituir uma vara especializada em determinados tipos de delito, disso ninguém duvida, mas não é possível que sua criação sacrifique direitos fundamentais que nos são muito caros.


Aos organismos policiais a tarefa de combater o crime, seja ele organizado ou não. As funções de investigar, acusar, defender e julgar devem ser exercidas por seus respectivos órgãos, como diz a Constituição Federal. A polícia investiga, o Ministério Público acusa, o advogado defende e o juiz julga. É como se diz popularmente: cada macaco no seu galho!
Parabéns, Suprema Corte,se não foi declarada a inconstitucionalidade total da lei, a decisão serviu para fazer ver aos poderosos juízes, que nem eles estão acima da Constituição Federal.

José Fragoso Cavalcanti
Advogado

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