Causo minuto: A mulher do coração de aço

06/05/2012 06:03 - Welton Roberto
Por Redação

Era linda. Cabelos de fio de ouro encaracolados de forma a moldar seu rosto arredondado, nariz arrebitado, lábios grossos, sobrancelhas bem feitas que faziam dos seus olhos azuis seu cartão de visita. O corpinho de pouco mais de um metro e sessenta era todo esculpido na academia e nas várias horas de atividade esportiva que fazia durante a semana. Inteligente, esperta, ativista do Greenpeace, articulada e fanática por futebol. Palmeirense de carteirinha, herança do bom gosto de seu “Nono” Giuseppe que quando ainda pequena ele a levava aos jogos de futebol nos áureos tempos da Academia Palestrina do grande Ademir da Guia.


Era o sonho de consumo de todos os garotos do bairro da Mooca, onde cresceu e se criou, embora fosse italiana de nascença. Falava italiano, francês, espanhol e inglês, tinha voz suave e gestos delicados, cantava para alegrar as noites de final de semana da turma. Era linda e engraçada, contava piadas imitando as vozes dos personagens de forma tão plástica que parecia tê-los conhecido pessoalmente. Sabia cozinhar como ninguém, maestria do aprendizado da “Nona” Corina, que lhe ensinara os mistérios da “cucina siciliana”.


Era a mulher perfeita, segundo os comentários nas rodas masculinas que estranhavam a solteirice insistente da garota italiana. Seu nome Pietra Antonelli. “Gioia” para os mais próximos. Cobiçada e desejada por todos os galanteadores do bairro, já havia sido disputada ferrenhamente por dois grandes amigos, Tião e Doroteu, que até juras de morte fizeram caso um a “roubasse” do outro.


Involuntariamente foi o motivo de muitos namoros desfeitos, fruto de paixões arrebatadoras daqueles que a conheciam, para a ira das invejosas mocreias solteironas do bairro. Garanhões de toda a espécie já haviam tentado ganhar seu coração. Todos sem sucesso.


Matrimônio? Já tinha sido alvo de inúmeros e irreverentes pedidos. Uma vez Raphaello di Montalccino, um italiano “legítimo” da Toscana, foi ao programa do Gugu declarar seu amor e pedi-la em casamento para o deleite e encantamento da plateia abestalhada que torcia por um sim contundente da “principesa di brillante” ao final do programa. Toinho da Taboca, nordestino arretado das bandas do agreste de Coité do Jericó, sanfoneiro da linhagem primeira de Dominguinhos, declarou-se com uma serenata nunca antes vista na história desse país. Thor Alcântara Almeida Andrade Safra Itaú Santander Gutierrez Segundo, filho de um mega ultra bilionário empresário banqueiro (quase dono do mundo) encheu um avião de flores holandesas e despejou no quintal da casa de Pietra ao som de Roberto Carlos que foi pessoalmente cantar “Como é grande o meu amor por você” para o delírio do bairro inteiro. A mãe de Pietra desmaiou de emoção ao ver o “Rei” cantando na porta da sua casa. O pedido inusitado saiu em todos os jornais do Brasil e foi anunciado em tom de notícia importante sob a batuta de William Bonner. O resultado de tamanho investimento do “filho de Osíris” foi uma McLaren destruída, pois dizem as más línguas que com a negativa da moça o “ragazzo” se embriagou de tal forma que... Mas isto já é uma outra estória...


E tal como havia feito com Thor Alcântara etc. etc. (por que gente importante tem nome tão grande?) todos pedidos eram negados com a delicadeza de um anjo que se desculpava evasivamente com ares de superioridade feminina, mas com jeito candente e meigo explicando-se de que ela não era à altura do “candidato”.
A fama da italianinha “inconquistável” já havia sido difundida no país inteiro e Brasil afora. Afinal o que levaria alguém a dar um verdadeiro “fora” em cobiçados partidaços? A história ganhou ares de conto de fadas e pedidos de todo tipo e gênero começaram a chegar como o grande desafio do século XXI para o desespero de Pietra. As más línguas a reputavam como homossexual. Outros diziam que ela queria fama ao fazer aquilo e que um dia, depois dos 40, casaria com o “primeiro” que chegasse.


Os jornais sensacionalistas a batizaram de “a garota do coração de aço”. O Gugu fez um programa dividido em 75867845768748 domingos para contar a história da família Antonelli desde o nascimento da Escancha-avó de Pietra até o dia em que o rei Roberto Carlos foi cantar pessoalmente em sua casa. O enigma estava lançado. Pior do que o segredo da fórmula da Coca-Cola ou desvendar o mistério da bolacha Tostines, a saga da Garota do Coração de Aço virou mania nacional.


E ela realmente escondia um segredo. E só uma pessoa o conhecia. Uma única pessoa e mais ninguém. Seu nome Antonino Quaglarioli. Idade 35 anos. Nascido em Montelupo na região da Toscana tinha se tornado padre depois de uma desilusão amorosa na Itália. Mudou-se para o Brasil em missão religiosa por determinação do Vaticano. Sua Santidade, o Papa, havia incumbido pessoalmente padre Antonino de algo especial.


Esportista como Pietra, participava das corridas de final de semana com ela. Era forte, alto, de olhos verdes e cabelos bem aparados. Seu nariz não escondia sua nacionalidade de ninguém e o sotaque italiano, já meio “abrasileirado” fazia das missas do padre um sucesso entre todos os moradores do bairro. As moças suspiravam por ele e respeitosamente lamentavam encontrá-lo sob a batina e a missão dada pelo Senhor.


Padre Antonino era divertido, alegre, professava a palavra do Senhor com jeito simples e encantador. Era realmente alguém especial. Cantava nas suas missas e assim como Pietra tinha uma voz fantasticamente harmônica.  Havia substituído o padre Abreu que de tão chato e antipático não conseguiu arrebanhar nem as carolas mais tementes ao Senhor para as suas chatas e sonolentas missas.


Padre Antonino recebia Pietra em seu confessionário todo domingo antes da missa. Lá por mais de uma hora ela lhe confessava e abria seu coração, fazendo-o corar de emoção, chorar e por muitas vezes suspirar em um silêncio inquietante (Estão querendo saber o mistério, não é?, conto ainda não). A fama da garota do coração de aço havia deixado o padre Antonino em uma situação que se equiparou ao “segredo de Fátima” e lógico que o Gugu também explorou isso em seu programa.


Padre Antonino sabia da vida da garota do coração de aço, porém tudo revelado criteriosamente por ela em confessionário. Já havia quem o tentasse corromper oferecendo muitos milhões de dólares para revelar com “exclusividade” os segredos de Pietra, mas ele fiel aos mandamentos da igreja os recusara todos. Haveria um motivo especial para fazê-lo.


O tempo foi passando e cada vez mais enigmáticas as constantes negativas de namoro, noivado, casamento de Pietra. Ela continuava sua vida normalmente, brincava com todos, contava piadas, cantava, cozinhava como ninguém, sofria e alegrava-se com seu Palmeiras, participava de atividades para salvar o meio ambiente, corria, pedalava, nadava e aos domingos, antes da missa, confessava-se com o padre Antonino.


Finalmente Pietra completa 40 anos. A sua beleza permanecia intocável. Deixava muitas mulheres de 20 anos “no chinelo”. Cuidava-se. Equilibrada, mais madura, inteligente como sempre, encantadora como nunca, seu mistério permanecia irresolúvel porque ao contrário do que diziam as fofoqueiras do bairro não aceitou o convite do “primeiro” que chegou com a proposta de casamento aos quarenta anos.


E olhem que do filho de Osíris para cá vários outros tentaram. O príncipe Williams que a esta altura já era o rei da Inglaterra divorciou-se e pediu Pietra em casamento. Tudo logicamente com a cobertura do já gagá Gugu em um programa que também foi dividido em mais 7875957686784758 domingos para garantir audiência. Ela negou com o encantamento de sempre. Padre Antonino sabia bem o motivo. E só ele.


Religiosamente aos domingos Pietra comparecia ao confessionário do padre Antonino e lá por mais de uma hora, antes da missa, ela o fazia rir, chorar, emocionar-se e por vezes até envergonhar-se. A moça do coração de aço já se tornara mulher e continuava como sempre bela, sagaz, inteligente, astuta, exuberante, (queria colocar “gostosa”, mas acho que o leitor entendeu aonde quero chegar) e misteriosa.


Até que em certo domingo ao se dirigir ao confessionário não encontrou padre Antonino que por um mal súbito havia sido levado às pressas ao hospital. Princípio de infarto, AVC, leucemia, tuberculose, dengue hemorrágica, tudo se falava a respeito da possível doença letal de padre Antonino. Pietra corre ao hospital e ali, em um último encontro, suspira algo no ouvido do padre e lhe beija a face em despedida melancólica, triste e ao mesmo tempo calorosa. Segura-lhe a mão com muita delicadeza e passa sobre seus olhos a outra cerrando-os com carinho nunca antes visto entre o padre e a moça do coração de aço. (esta cena o gagá Gugu perdeu, mas iria reproduzi-la em mais um programa dividido em 7486747687 domingos)

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