Causo Minuto: Homem bom, justo e de bem

08/04/2012 06:14 - Welton Roberto
Por Welton Roberto

Unidíssimas, eram duas viúvas.

Duas irmãs de sangue e de alma, solidárias na vida.

E agora no luto.

Devotas de Santo Antonio, na juventude mantiveram o Santo em cárcere a fim de arrumar marido. Dançaram pastoril uma no azul, outra no encarnado, mostrando gracejo de menina moça em busca de príncipe do agreste. Sonharam sonho do matrimônio com homem bom, justo e de bem.

Justina, a mais nova, casou primeiro. Januária, a mais velha, uniu-se logo depois.

Filhos e filhas, ambas tiveram. Alegria, ambas viveram. Homem com H, ambas desfrutaram.

Cada uma a seu modo, a seu bel prazer em paixão e em recato, em brasa e em honra.

Justina, mais ousada e mais fogosa porque mais pueril. Januária, mais obtusa e mais circunspecta porque mais carola.

Ambas, tementes de Deus, viviam suas vidas simplesmente, sem ligar para futrica, muito menos para desdém do alheio, olhar de reprove ou disse-me-disse de esculhambação.

O dia em que o esposo de Justina morreu, desmantelo baixou na alma da mulher órfã de chumbrego e chamego do seu, todo seu, varão varonil.

No passamento do homem de Januária, suportou a mulher o sofrimento contido das que não sucumbem à dor, e que aceitam a morte como última honra do amado em sua postumidade.

Cada uma a seu modo, de seu jeito e sob sua medida, viveram os caprichos de suas paixões, os devaneios de suas perversões, a labuta da vida doméstica, o aperreio das contas, o vício da cachaça e outras mazelas, e outras delícias, mais...

Sim, porque homem de ambas chegado era a uma mardita. Além de também chegado ser à raparigagem, a cabaré.

Falava-se que homem de ambas mantinha manteúdas e teúdas lá para as bandas de Bebedouro, em rua estreita do Flechal. Muito se comentava que homem de ambas era capo de banca de jogo, vivia de xangô em xangô, fazia arruaça quando longe dos olhos e do coração das mulheres do lar.

Mas nunca, nunca, faltaram-lhe o de comer dos meninos, a chita e a renda das meninas, o pirão, a boca e o braço.

O respeito.

Por isso, o luto das duas era mais sofrido. E por sofrido pelas duas, irmanava-se no sentimento já irmanado que as unia.

E por solidário que era não causava surpresa, nem assombro o fato real de ambas, a cada 9 de abril, data da morte dele, lembrassem do finado com saudosismo e com compaixão.

José era o nome do homem de ambas.

Sim, compartilharam por toda a vida o mesmo marido. Choraram junto o seu falecer. Rememoravam, cada uma com sua lembrança, os vividos ao lado daquele homem bom, justo e de bem.

Tão bom, tão justo, tão de bem que ambas, unidíssimas, dividiram-no durante toda a conjugalidade que viveram, em paralelo e em plenitude, para senão da vila, para deboche do bairro, para repúdio da paróquia, para conversê da feira...

Dia par, Justina.

Dia ímpar, Januária.

Regra que valia menos para dia Santo, que nem Natal, que nem Dia de Páscoa.

Dias nos quais, sob a benção celeste, viviam todos juntos, mais os meninos e meninas.

A celebrar a união de sangue e de alma.

Com a Benção de Deus e do Jesus ressurreito.

 

 

Sigam-me no @weltonroberto

 

 

 

 


 

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..