Don Juan do Trapiche

18/03/2012 06:05 - Welton Roberto
Por Redação

A notícia se espalhara feito rastilho de pólvora pelo bairro do Trapiche. João de Quitéria estava morto! Mortinho da Silva. Os boatos davam conta de que ele morrera nos braços de uma jovem de apenas 17 anos, quando faziam amor, um tórrido ato selvagem de sexo e perdição durante dez horas seguidas e ininterruptas. Outros, para aumentar a façanha do finado, multiplicavam a quantidade de jovens no ato de Afrodite e já diziam que o bacanal contara com mais de uma dezena de jovens lascivas e desvairadas por sexo, cujas idades variavam de 15 a 19 anos. O ato heróico do finado foi parar até nas redações dos jornais, para a incredulidade de uns e a crença indiscutível de tantos outros.

João de Quitéria era um homem pacato, de poucas palavras, de gestos refinados e com educação fora dos padrões da vizinhança. Nunca falara um palavrão, nem em jogos de futebol quando torcia ardentemente para o Azulão do Mutange. Usava um chapéu panamá que sempre combinava com as cores de suas vestimentas e estava sempre impecável. Camisas engomadas, passadas e estiradas a ferro de brasa quente, sem um único vinco na roupa. Bigodinho preto tinindo e sempre penteado escondia a idade do cinquentão que nunca tinha sido avistado com nenhuma mulher no bairro. As más línguas sempre o tiveram como homossexual enrustido devido a sua fineza no trato com todos e seu peculiar jeito de tomar café no Bar do Aristides, sempre levantando o dedinho esquerdo em um gesto incomum e que levava à pilhéria todos que se acotovelavam para assistir a cena intrigante que se repetia todas as manhãs. Ele, sempre educado, não dava a mínima atenção e cumprimentava a todos com um "Bonjour" que deixava ainda mais aceso o imaginário popular sobre a sua sexualidade.

Não podia ser! Enfim, João de Quitéria, o solteirão "enrustido" do Trapiche, havia se esbaldado na esbórnia e morrido nos braços de Afrodite! As mulheres começaram então a imaginar como teria sido a cena. Afinal um homem educado e fino daquele deveria ter mil segredos escondidos entre quatro paredes e por debaixo dos lençóis. Os homens passaram a contar as façanhas com um quê de admiração e inveja e o gesto do dedinho no café do Bar do Aristides passou a ser imitado como forma de homenagear o finado. Até o "Bonjour" que na boca de alguns virava "Bijú", "Banjú", "Abajur" começou a ser praticado pelos mil variados sotaques entre os mais diversos frequentadores do local. Passou a ser o mantra da virilidade o "Bonjour" com o dedinho esquerdo levantado.

Mil mulheres! Essa era a conta que já haviam chegado as façanhas de João de Quitéria, que agora passou a ser referendado como o "cinquentão tarado" do bairro do Trapiche.

Confirmado o velório, homenagens de todos os lados chegavam e todos do bairro já se preparavam para enterrar com solenidade e pompa o seu filho mais ilustre. Coroas de flores, faixas, cartazes e banda de música haviam de estar lá para o ato solene de despedida do maior de todos. O homem das mil mulheres! Nenhum sedutor cafajeste teria chegado a tanto. Afinal, mil mulheres nem o mais galanteador do cinema e/ou da televisão havia conquistado. E tudo isso sem nenhum alarde. Fora tido como herói justamente por isso. Teria arrastado donzelas, noivas, mulheres casadas, solteiras, viúvas, no caritó sem nunca contar nada a ninguém. Era um herói!

Várias mulheres para se auto valorizar começaram a inventar mil estórias de noites tórridas de amor ao lado de João de Quitéria. Até a Zefa da Quitanda começou a espalhar que sua solteirice se deu por dedicação exclusiva a João para se salvar do apelido de "Zefa do Caritó". Relatava em detalhes sórdidos noites de sacanagem explícita com bacanais enebriantes para justificar sua fidelidade ao mais viril de todos os tempos. E assim também passou a ser admirada e cobiçada por outros homens do bairro que queriam que ela fizesse o mesmo com eles para descobrirem o segredo do cinquentão tarado.

Velório encomendado, bairro de luto, marcha fúnebre solene, era chegada a hora da despedida do Don Juan do Trapiche, aquele que mais tarde iria inspirar estórias e contos no imaginário de todos, mas que havia morrido em condições ainda não explicadas por ter sido encontrado morto dentro do quarto de um motel de terceira categoria, ereto e sozinho, mas sorrindo e feliz como se realmente houvera participado de um bacanal com mil virgens.

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