Entre os dias 22 e 24 de março, o prestigiado jornal Valor Econômico divulgou duas longas matérias dedicadas a análises econômica, social e política sobre o Estado de Alagoas (Nordeste avança, mas Alagoas fica para trás, 22/02, e Alagoas ainda não alcançou 1988, 24/02). Ambas causaram polêmicas nos meios político e intelectual, o que provocou certo embaraço a atual gestão governamental.
Qualquer tentativa de se contrapor às duas matérias produzidas pelo Valor Econômico tem que levar em conta os indicadores que a análise trouxe e eles são merecedores de muita atenção. Não basta simplesmente negá-los, é preciso apresentar contraprovas, ou seja, outros números que revelem situações mais favoráveis. Entretanto, parece difícil isso acontecer no momento, pois todas as estatísticas usuais trabalhadas pelos especialistas em economia e sociologia, principalmente, parecem não ser favoráveis à dinâmica recente do estado de Alagoas.
Portanto, para se analisar de forma mais imparcial o conteúdo daquelas duas matérias, é necessário fazer algumas ponderações importantes para esclarecer o leitor da atual situação econômica do nosso estado e tentar apontar seus principais desafios dentro de uma agenda pública.
Primeiramente, é preciso confirmar que a economia alagoana não se encontra estagnada, pelo contrário. Segundo os últimos dados das contas regionais divulgados no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) de Alagoas, em 2009, cresceu 2,1% acima da média nordestina e nacional. Entretanto, esse dado analisado isoladamente não pode ser comemorado. É preciso lembrar que a economia brasileira, naquele ano, enfrentou uma crise financeira internacional intensa, que fez recuar a economia e o comércio mundial em 0,5% e 10,9%, respectivamente. Essa crise atingiu, diretamente, nossas exportações para Europa e EUA. Ademais, o núcleo industrial do país, São Paulo, teve crescimento negativo de 0,8% em seu PIB. Ou seja, o ano de 2009 foi bastante atípico para se afirmar que o crescimento da economia alagoana, acima da média da região e do país, foi fruto de uma nova dinâmica local. Portanto, naquele ano, crescemos mais porque o país, em boa parte, cresceu negativamente e a região Nordeste ficou muito próxima da estagnação, com 1% de crescimento do seu PIB. Como a economia alagoana é formada, basicamente, pelos setores de comércio e serviços, com pouca participação industrial e declinante atividade agrícola, o que ocorreu na economia mundial lhe afetou muito menos que em outras economias estaduais.
Em segundo lugar, é preciso reconhecer que continuamos uma economia subdesenvolvida, caracterizada essencialmente por uma forte heterogeneidade social e elevados desníveis nos padrões de consumo. Por heterogeneidade social se compreende diferenças acentuadas em termos de indicadores sociais. Nesse aspecto, os dados levantados pela primeira matéria do Valor Econômico são eloqüentes. Independentemente de governos, Alagoas acumulou, em pelo menos três décadas, problemas sociais que permitem visualizar claramente a classificação entre pobres e ricos nas principais cidades do estado. Os dados confirmam que isso ocorreu em vários lugares, principalmente no Nordeste, mas em nenhum estado a taxa de pobreza se aproxima dos 50% da população; o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o menor da Federação (0,677); mais de 85% da população vive sem renda ou recebe até 2 salários mínimos; e, enquanto apenas 1% da população absorve, aproximadamente, 30% da riqueza gerada, metade dos habitantes ficam com 12% desse montante. Assim, isso define padrões de consumo completamente diferenciados, pois uma parcela considerável da população alagoana não consegue ter acesso a serviços públicos de qualidade (educação e saúde), tampouco aos produtos e serviços oferecidos pelo mercado, mesmo considerando o alento produzido, nos últimos anos, pela expansão do crédito, pelo aumento do salário mínimo real e pela ampliação dos programas de inclusão social.
Os aspectos acima destacados produzem uma situação sócio-econômica muito refratária ao desenvolvimento da economia alagoana, pois o estado apresenta: a) uma baixa produtividade da mão de obra tanto nas zonas urbanas como, principalmente, nas agrícolas - em virtude dos baixos índices de qualidade educacional -; b) níveis de renda e de poupança reduzidos – por causa da escassez de oportunidades de trabalho para a maioria da população fora das áreas tradicionais –; c) reduzida capacidade financeira Estado para alavancar investimentos – em virtude dos compromissos formais de sua dívida pública consolidada com o governo federal.
Então, em decorrência desses e de outros fatores, pode-se afirmar que, em comparação com outros estados nordestinos, e de acordo com a taxa de crescimento divulgada recentemente, Alagoas, paradoxalmente, é um caso emblemático de involução econômica nessas últimas décadas, com conseqüências sociais negativas, como a explosão da violência e a redução das condições de sociabilidade urbana e rural.
Alguns trabalhos analíticos já vislumbravam essa perspectiva em que nos encontramos atualmente. Em 1988, a então Secretaria de Planejamento do Estado (SEPLAN) já alertava para os problemas que o Estado teria que enfrentar nos anos vindouros, por meio de um trabalho intitulado Perfil Sócio-Econômico de Alagoas. O livro Economia Popular: uma via de modernização para Alagoas (4ª edição, EDUFAL, 2010), de Cícero Péricles, professor da Universidade Federal de Alagoas, faz um excelente balanço das condições econômicas e sociais de Alagoas e alerta para a importância das transferências financeiras federais como elemento estratégico que poderiam ser utilizadas como plataforma de uma política de desenvolvimento alternativa.
Para atestar o que foi colocado logo acima sobre a involução econômica de Alagoas, é preciso citar alguns indicadores relevantes. Por exemplo, o crescimento acumulado do PIB alagoano, entre 2002 e 2009, foi de 25,7%, o menor de todos os estados nordestinos, ficando abaixo da média brasileira (27,5%) e da região (32,8%). Esse movimento ocorreu num contexto em que a população do estado foi a que menos cresceu percentualmente.
Se utilizarmos o PIB per capita (PIB dividido pela população), usualmente adotado para comparações de níveis de riqueza, verificar-se-á que, diante dos demais estados nordestinos, Alagoas perde espaço rapidamente. Em 2002, o PIB per capita alagoano correspondia a quase 130% do PIB per capita do Maranhão e 132,5% do Piauí. Em 2009, esses dois estados apareceram quase nivelados a Alagoas, ou seja, o PIB per capita do estado equivale agora a 107,5% do maranhense e 111,2% do piauiense. Em outras palavras, a riqueza por habitante em Alagoas está sendo alcançada pelos dois estados considerados, em tempos outrora, como os mais pobres do Nordeste. Em relação a todos os demais estados do Nordeste, Alagoas vem se distanciado em termos de produção de riquezas, o que significa uma involução econômica relativa.
Outra análise que desmistifica a ideia de que nos deparamos com um novo boom industrial no estado é revelada pelos dados sobre o estoque de empregos e número de estabelecimentos com base na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego. Entre 2007 e 2010, o número de estabelecimentos industriais cresceu, em média, 3,5% em Alagoas, enquanto a média do Nordeste foi de 4,6%. Esse resultado nos colocou apenas à frente da Paraíba, com 3,2%, levando em conta que esse estado já possui um parque industrial mais avançado que nosso estado. Em termos de quantidade de trabalhadores com carteira assinada na indústria (com exceção da construção civil), o mesmo período registrou um crescimento médio de 5,5% para o Nordeste e, apenas, 1% em Alagoas. Essa média nos colocou em último lugar.
A reportagem do Valor Econômico se refere, também, a um importante investimento realizado pela Braskem, da ordem de R$ 1,5 bilhão, para dobrar sua capacidade de produção de PVC. Entretanto, a estratégia da empresa foi definida em razão dos determinantes da economia nacional, que tem demandado mais plásticos para diversas indústrias brasileiras. Isso não foi decidido por causa de uma política governamental local de desenvolvimento. Lógico que a ampliação da planta traz novos empregos na área de construção civil. Porém, quando a fábrica começar a operar suas características de capital-intensiva não vislumbrará tantos efeitos do ponto de vista da geração de novos postos de trabalho, a exemplo da planta atual, que gera apenas cerca de 380 empregos.
Mas o leitor pode está se perguntando: e esse boom que vemos acontecer em Alagoas em termos de construções e de ampliação do comércio? É exatamente aqui que mora o risco de uma análise equivocada. Como apontado pela primeira matéria do Valor Econômico, a chamada renda sem produção significa dizer que a economia alagoana não tem gerado renda suficiente a ponto de ser responsável pela dinâmica econômica de alguns setores específicos, como a construção civil e o comércio. O que vemos acontecer na economia alagoana é a intensificação da presença do governo federal, com ações e programas que estão dentro de uma lógica nacional de crescimento e desenvolvimento econômico, determinando também o movimento de expansão em Alagoas. Não são as forças produtivas internas, tampouco as ações do governo local responsáveis por essa nova realidade em Alagoas.
A presença marcante das transferências do Governo Federal, da ordem de R$ 8 bilhões por ano, que engloba o Programa Bolsa Família, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), o Serviço Único de Saúde (SUS), as aposentadorias e pensões, os aumentos no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Programa Minha Casa Minha Vida e algumas obras de infraestrutura, como o canal do sertão e a duplicação da BR-101, são as principais responsáveis pelo crescimento da economia de Alagoas. Além disso, a elevação do salário mínimo real tem incrementado a renda das famílias alagoanas. Portanto, esses elementos têm feito diferença e impulsionado o comércio varejista e atacadista, inclusive com a vinda de novos empreendimentos, como ocorre no Nordeste como um todo.
O mais importante a salientar é que tudo isso ainda é insuficiente, porque cria um modelo de crescimento e desenvolvimento no estado extremamente dependente, sem mecanismos internos que auxiliem a produção local, através das pequenas e médias empresas e da agricultura familiar, potenciais protagonistas da ampliação de emprego e renda. Então, tanto o comércio varejista e atacadista como a construção civil de Alagoas têm aproveitado, momentaneamente, dessa dinâmica econômica que é nacional e que no Nordeste fica mais evidente, em razão do impacto dos fatores acima mencionados. Se as atividades comerciais do estado fossem depender apenas do impulso das políticas locais de desenvolvimento, a crise econômica já estaria instalada, com redução do emprego no setor, queda nas receitas nominais e nas vendas. Então, é preciso se perguntar: até quando isso continuará?
Infelizmente as condições fiscais do estado de Alagoas não permitem sobrepujar as necessidades de sua população em termos de educação, saúde e segurança públicas, expansão da agricultura familiar etc. em troca de uma disputa no bojo da guerra fiscal com outros estados, com uma situação financeira mais equilibrada e com bases de arrecadação bem mais amplas que nosso estado. É preciso rever as nossas prioridades, reavaliar nosso modelo de desenvolvimento econômico e priorizar outros aspectos para além da visão simplista de atração de grandes empreendimentos.

Maceió